O que é 'induzimento ao suicídio', investigado após morte no Bandeirantes
Maurício Businari
Colaboração para o UOL
28/09/2024 05h30
A morte do estudante Pedro Henrique, aluno de 14 anos do Colégio Bandeirantes, está sendo investigada como possível caso de indução ao suicídio, após acusações de bullying em agosto deste ano.
O que aconteceu
Pedro Henrique, aluno de 14 anos, cometeu suicídio em agosto após sofrer bullying no Colégio Bandeirantes. O jovem, bolsista de um programa de inclusão, relatou agressões verbais e físicas por ser negro e homossexual.
A investigação foi reclassificada de "suicídio consumado" para "induzimento ao suicídio", conforme o artigo 122 do Código Penal, que trata da interferência de terceiros no ato, segundo a Piauí.
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, previsto no artigo 122 do Código Penal, envolve incitar, pressionar ou auxiliar a vítima a tirar a própria vida. O professor de direito processual Fabricio Pasocco explica que o induzimento ocorre quando alguém incute na vítima a ideia de autodestruição. "É o caso em que a pessoa faz penetrar na mente da vítima essa ideia de se matar, enquanto a instigação ocorre quando a vítima já pensava em cometer o suicídio e é encorajada", explica.
As penas para induzimento ao suicídio variam entre 2 a 6 anos de reclusão, podendo ser duplicadas em casos específicos. Pasocco esclarece que a pena pode ser duplicada, como no caso de Pedro Henrique, por ele ser menor de idade, elevando a punição para 4 a 12 anos de prisão. "A legislação é clara ao dizer que a pena é aumentada se o crime for praticado por motivo egoísta ou se a vítima tiver diminuída sua capacidade de resistência".
Pasocco explica que aumento de pena também pode ocorrer se o crime ocorrer pela internet. "É o caso do cyberbullying, onde o artigo 122 estabelece que a punição é ampliada se o crime for cometido em ambiente virtual ou transmitido em tempo real".
Quanto aos estudantes apontados como agressores, o advogado lembra que menores de idade não respondem por crime, mas por ato infracional. Pasocco explica que, enquanto maiores de 18 anos podem ser condenados pelas penas previstas no Código Penal, menores envolvidos em atos de indução ao suicídio são julgados por atos infracionais, conforme o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). "As medidas aplicáveis vão desde uma advertência até a prestação de serviços comunitários ou, em casos mais graves, internação na Fundação Casa," detalha o professor, esclarecendo as graduações possíveis de punição no âmbito criminal juvenil.
Responsabilização de escolas e famílias
Escolas e famílias podem ser responsabilizadas civil e criminalmente em casos de indução ao suicídio. A advogada Ana Paula Siqueira, presidente da Associação SOS Bullying, afirma que a legislação prevê a responsabilização de escolas que falhem em proteger seus alunos. "A Lei 13.185/2015 obriga as escolas a adotarem políticas de combate ao bullying e garantir a segurança emocional dos estudantes. Se a escola não faz isso, ela pode ser responsabilizada por omissão". O ECA também reforça essa obrigação, exigindo que as instituições garantam a integridade física e psicológica dos alunos.
As famílias dos agressores também podem ser responsabilizadas, tanto civil quanto penalmente. Siqueira explica que, em casos de indução ao suicídio, os pais dos menores envolvidos podem ser processados civilmente por danos morais e materiais, enquanto os adolescentes podem enfrentar medidas socioeducativas previstas no ECA. "Nos casos de menores de idade, como Pedro, a responsabilização dos pais pode ser exigida. Além disso, os adolescentes que participaram do bullying podem receber desde advertências até internação em uma instituição de reeducação, dependendo da gravidade do ato".
Provar o nexo causal entre bullying e suicídio é o maior desafio jurídico em casos de indução ao suicídio. Siqueira destaca que, apesar de a lei prever punições, o grande desafio é provar a ligação entre o bullying e o suicídio.
É necessário demonstrar que o bullying foi o fator determinante para a morte, o que envolve um trabalho extenso de análise de provas, como depoimentos, comunicações e avaliações psicológicas. O cyberbullying torna essa prova mais difícil, já que as agressões muitas vezes ocorrem fora do ambiente escolar.
Ana Paula Siqueira
A legislação oferece uma boa base, mas faltam ferramentas eficazes de monitoramento e prevenção. Embora o ECA e a Lei do Bullying forneçam proteção legal, Siqueira aponta que as ferramentas de prevenção e intervenção são insuficientes. "Faltam mecanismos eficazes de monitoramento nas escolas. Muitas vezes, o bullying ocorre sem que professores e diretores tenham conhecimento, ou a vítima não denuncia por medo de represálias", explica a advogada, que defende a adoção de programas contínuos de prevenção e canais de denúncia anônimos, além do uso de tecnologia para monitorar interações online.
Medidas preventivas mais robustas nas escolas podem evitar casos extremos como a indução ao suicídio. Siqueira destaca que as escolas devem adotar programas documentados de combate ao bullying. "Não basta realizar palestras esporádicas. As ações devem ser registradas oficialmente e as denúncias tratadas de forma séria e transparente." Ela sugere parcerias com especialistas em saúde mental e direito, para as instituições poderem responder prontamente a incidentes graves. "A política de tolerância zero ao bullying deve ser constante, e o suporte emocional aos alunos deve ser acessível e contínuo".
Relembre o caso
Pedro Henrique, de 14 anos, cometeu suicídio em agosto após relatar ter sofrido bullying de colegas no Colégio Bandeirantes. O jovem era bolsista do programa Ismart, que oferece bolsas integrais a estudantes de periferia em escolas de excelência. Negros e homossexual assumido, Pedro vinha sofrendo agressões físicas e psicológicas de colegas, que o empurraram e gritaram em seu ouvido, além de insultos homofóbicos e racistas.
Provas cruciais estão sob sigilo judicial, incluindo um áudio deixado por Pedro antes de sua morte. O jovem gravou um áudio de 6 minutos relatando as agressões que sofreu e nomeando os colegas responsáveis. As imagens de câmeras de segurança também estão sendo analisadas pela polícia para verificar a conduta dos agressores. O material obtido até agora foi suficiente para alterar o curso da investigação, segundo a Revista Piauí.
Em nota, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informou que as investigações tramitam sob sigilo policial por meio de um inquérito policial instaurado pelo 23º Distrito Policial (Perdizes). E que demais detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial.
Centro de Valorização da Vida
Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.