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O que está por trás da guerra de facções do tráfico na zona norte do Rio

Do UOL, no Rio de Janeiro

09/01/2025 05h30

Quando chega a noite em Vila Isabel e Engenho Novo, bairros da zona norte do Rio, a apreensão toma conta dos moradores.

Semanalmente, tiroteios entre criminosos ligados ao CV (Comando Vermelho) e ao TCP (Terceiro Comando Puro) reforçam a preocupação de quem vive na região. Inocentes são atingidos e mortos.

São os casos de Guilherme de Assis, 13, morto por bala perdida durante sua festa de aniversário, em agosto de 2024, e de um idoso de 73 anos, atingido quando estava próximo de um ponto de ônibus na manhã desta quarta-feira (8).

O Morro dos Macacos, que separa os dois bairros, atualmente está sob o comando do TCP. Há décadas, o CV tenta tomá-lo.

O local é o único trecho que falta para que a maior facção criminosa do Rio estabeleça um controle em um corredor da zona norte que ligaria o Complexo de Lins até a Mangueira.

Locais de interesse do CV: 1 - Complexo do Lins; 2 - Morro São João; 3 - Morro dos Macacos; 4 - Mangueira Imagem: Reprodução/Mapa Histórico dos Grupos Armados/Instituto Fogo Cruzado

Caso seja dominado pela facção, o Morro dos Macacos também ajudaria o CV a estabelecer força para dominar a zona oeste do Rio, berço da maior milícia do estado e com estrutura econômica rentável.

Além disso, tomar o Morro dos Macacos seria um baque na estrutura do TCP.

É da Vila Isabel que o TCP planeja ataques em favelas dominadas pelo CV, a exemplo da Rocinha, na zona sul, e complexos do Alemão e da Penha, na zona norte.

Criminosos ligados ao CV chegam ao Morro dos Macacos por meio de matagal Imagem: Reprodução/vídeo da inteligência da PM

Os nomes da guerra

Diferentemente do PCC (Primeiro Comando da Capital), que tem uma estrutura piramidal com um estatuto que, em tese, vale em todo o território nacional, o CV tem uma estrutura que se assemelha mais a uma franquia.

Seguindo essa lógica, há um procedimento a ser seguido no dia a dia pelos chefes independentemente do território, mas quem define as leis, ordens, deveres, punições e ações são os chefes de cada área dominada.

Segundo investigadores, o principal articulador do conflito que se intensificou no Morro dos Macacos é o traficante Pedro Paulo Lucas Adriano do Nascimento, conhecido como Titauro.

Ele era do TCP e morava na favela, mas mudou para o CV no início de 2024.

Comboio de homens armados dentro do Morro dos Macacos, na zona norte do Rio Imagem: Reprodução/vídeo da inteligência da PM

Insatisfeito com o valor que recebia do TCP, ele e outros seis traficantes roubaram armas da facção e foram recebidos pelo CV, no Engenho Novo, pelo traficante William Sousa Guedes, conhecido como Corolla.

Corolla foi preso pela Polícia Civil em julho de 2024. Antes disso, prometeu a Titauro que, caso ele consiga dominar o Morro dos Macacos, o gerenciamento da favela passaria a ser dele.

Titauro, então, pediu ajuda a outros chefes do CV. Entre eles, Edgar Alves de Andrade, conhecido como Doca ou Urso, do Complexo da Penha, e Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, do Complexo do Alemão.

O setor de inteligência da PM suspeita que o consórcio de chefes do CV tem como principal objetivo criar um novo complexo de favelas, unindo o Complexo do Lins, o Morro São João e o Morro da Mangueira.

TCP resiste

Para além do contexto geopolítico da guerra do Morro dos Macacos, o TCP também não quer perder o lucro que a favela gera, sobretudo com o tráfico de drogas. O local é tido como um território rentável.

O traficante Leandro Nunes Botelho, conhecido como Scooby Doo, se firmou como dono do morro nos últimos anos. No decorrer de 2024, sofreu muitos ataques do CV e passou a pedir ajuda a chefes de outros morros para defender seu domínio no local.

Vista de parte do Morro dos Macacos, em Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro Imagem: Luís Adorno/UOL

Até que às vésperas do Natal de 2024, o CV conseguiu dominar todo o Morro dos Macacos. Três dias depois, o Bope (Batalhão de Operações Especiais) fez uma operação no local e prendeu sete traficantes. No mesmo dia, o TCP voltou a contra-atacar o CV.

Scooby Doo recebeu ajuda de criminosos do Morro São Carlos e dos complexos da Maré e de Israel. O auxílio aconteceu com envio de homens armados, armas de grosso calibre, munições e granadas.

A polícia identificou que participaram do contra-ataque os traficantes Michel de Souza Malvieira (Mangolê), Thiago da Silva Folly (TH da Maré), Alexandre Ramos do Nascimento (Pescador), Edmilson Marques de Oliveira (Di Ferro) e Álvaro Malaquias Santa Rosa (Peixão).

Chefe do Complexo de Israel, Peixão é tido como um dos principais criminosos do Rio.

Evangélico, coloca sempre uma Estrela de Davi ou uma bandeira de Israel no ponto alto da localidade onde passa a dominar.

A segunda-feira (6) amanheceu com uma bandeira de Israel hasteada em um ponto alto do Morro dos Macacos.

Vista aérea do Morro dos Macacos, em Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro Imagem: Reprodução/vídeo da inteligência da PM

Secretário não fala

A reportagem pediu entrevista com o secretário Victor dos Santos, da Sesp (Secretaria de Segurança Pública), pasta subordinada ao governador Cláudio Castro (PL), mas a solicitação não foi atendida.

Por meio de nota, a secretaria disse que "tem atuado em ações coordenadas, entre as forças de segurança, contra as tentativas de expansão e domínio territorial por parte de criminosos de diferentes facções, como o que ocorre no Morro dos Macacos".

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