Tiroteios frequentes alteram rotina da Vila Isabel; polícia não investiga
Em 2024, o Morro dos Macacos, na Vila Isabel, zona norte do Rio, teve em média mais de um tiroteio por semana. Os principais confrontos aconteceram entre membros das facções criminosas TCP (Terceiro Comando Puro), que domina o território, e CV (Comando Vermelho), que tenta comandar a região há mais de 15 anos.
Moradores e comerciantes viveram um dezembro de tensão que ultrapassou a estatística. O CV intensificou ataques ao TCP, dominando sub-regiões, até conseguir se instalar por completo na favela às vésperas do Natal.
Tiroteios também ocorreram em incursões policiais como a do Bope (Batalhão de Operações Especiais), que fez uma operação no morro em 28 de dezembro e prendeu sete membros do CV.
Na tarde daquele mesmo dia, o traficante do TCP Leandro Nunes Botelho, conhecido como Scooby Doo, tentou de novo retomar o controle da favela.
Questionada sobre a existência de investigações para coibir os tiroteios, a Polícia Civil respondeu que, "até o momento, não houve registro com essas características na delegacia da área".
A Sesp (Secretaria de Segurança Pública) disse em nota que "tem atuado em ações coordenadas, entre as forças de segurança, contra as tentativas de expansão e domínio territorial por parte de criminosos de diferentes facções, como o que ocorre no Morro dos Macacos".
A pasta, gerida pelo secretário Victor dos Santos, informou que busca apoio do governo federal, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública, para monitorar o deslocamento de criminosos de outros estados para o Rio e a entrada de armas no estado.
O UOL pediu uma entrevista com o secretário, mas não foi atendido.
Importância territorial
Em 2009, o Morro dos Macacos era dominado pela facção criminosa ADA (Amigo dos Amigos).
Desde aquela época, os traficantes disputam espaço contra os traficantes do Morro São João, a cerca de 4 km, localizado no Engenho Novo e historicamente dominado pelo CV.
A pesquisadora Maria Isabel Couto, do Instituto Fogo Cruzado, explica que a organização criminosa tem interesse econômico e logístico nas favelas da zona norte no Rio e por isso busca ocupá-las.
O Morro dos Macacos possui acesso ao Parque Nacional da Tijuca, o que ajudaria nos planos d de dominar a zona oeste, berço da maior milícia do estado, com estrutura econômica rentável.
Em outubro, o CV tentou dominar Rio das Pedras, mas uma ação do Bope frustrou os planos da facção.
Ser hegemônico na região do Morro dos Macacos seria importante, segundo Couto, para assegurar outros territórios que o CV tem como fortalezas.
Quando o TCP se projeta para atacar áreas do CV, o planejamento acontece na região.
"Dali saem ataques, por exemplo, para Rocinha, Complexo do Alemão e Complexo da Penha. Então, é uma área importante para o CV no sentido de tentar diminuir as chances de perda de outros territórios", diz Couto.
Entre os grupos criminosos armados do Rio, o Comando Vermelho é o que mais ataca e é atacado por rivais, segundo o Fogo Cruzado. TCP e milícias têm o CV como principal alvo.
Violência desce o morro
Os constantes tiroteios alteraram a vida dos moradores e comerciantes da Vila Isabel.
A escola de samba Unidos de Vila Isabel teve ensaios para o Carnaval de 2025 cancelados por falta de segurança.
Moradores do Morro dos Macacos e da parte baixa da Vila Isabel disseram à reportagem que o principal temor é o de sair de casa para trabalhar sem ter a certeza de que voltará em segurança.
A Sesp afirmou que, "mesmo diante deste cenário, o estado do Rio vem registrando queda nos índices de letalidade violenta".
Em agosto de 2024, um ataque do CV que tinha como alvo membros do TCP terminou com a morte do menino Guilherme Souza de Assis, que comemorava 13 anos.
A mãe do menino também foi baleada na perna e ficou internada, o que a fez perder o enterro do filho.
A polícia afirmou que tentaria localizar e prender os autores dos disparos. A família não teve nenhuma resposta sobre as investigações.
Em 29 de dezembro, uma festa de debutante em um bufê na rua Silva Pinto, um dos acessos ao Morro dos Macacos, foi encerrada mais cedo após o local ser atingido por tiros.
Idosos e crianças correram e se jogaram no chão com medo. Ninguém se feriu.
A Polícia Militar afirmou que o policiamento na região do Morro dos Macacos continuou reforçado no fim do ano, com apoio de policiais do COE (Comando de Operações Especiais).
Depois da virada, moradores do Morro dos Macacos relataram que o TCP voltou a ter o domínio sobre a favela, o que indica que os conflitos estão longe do fim.
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