Ele providenciou a sepultura do filho, mas acabou perdendo a esposa
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O advogado Rodrigo Leite Segantini, 47, sempre foi muito próximo do filho, Arthur, 15, que nasceu prematuro e quase não resistiu nos primeiros meses de vida. Após a morte da esposa, Adriana, em um acidente de carro, os laços se estreitaram ainda mais.
Pai e filho foram obrigados a tocar em frente com novos desafios. Depois de um tempo, Rodrigo conheceu Karina, que entrou na vida dos dois aos poucos, sem tentar ocupar o lugar de Adriana e respeitando o luto da família. Ao UOL, ele conta sua história.
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'4 cirurgias em 20 dias de vida'
"O Arthur foi um filho muito desejado, mas não planejado. Como eu e a Adriana sonhávamos em ter uma família, a chegada dele foi preparada com carinho.
No entanto, a gestação foi bastante complicada: eram gêmeos, e um dos bebês não resistiu a partir do terceiro mês. Aquilo nos abalou muito.
Dias depois da perda, eu sonhei com um garotinho ruivo de mais ou menos cinco anos me acordando para jogar bola. Acredito que era o Arthur vindo me avisar que, apesar das dificuldades, superaríamos tudo juntos.
Mesmo tomando bastante cuidado, a bolsa da Adriana se rompeu e o parto precisou ser antecipado.
Arthur nasceu em 09/09/09, às 8h10 (0+8+1+0=9), pesando 1,530 (1+5+3+0=9) quilos e medindo 45 (4+5=9) centímetros. O único nove que ele precisava ele não tinha: os nove meses de gestação.
Rodrigo Leite Segantini
Ele nasceu de sete meses, na 30ª semana, e foi direto para a UTI neonatal. Lá, acabou desenvolvendo uma doença chamada enterocolite necrosante, o que o levou a quatro cirurgias em menos de vinte dias de vida.
Os remédios que ele tomava fizeram mal para o rim, que chegou perto da insuficiência. Em uma terça-feira, Arthur teve uma parada cardiorrespiratória.
Os médicos sugeriram que a gente providenciasse uma sepultura para ele, porque provavelmente não suportaria. De fato, a gente providenciou. E está vazia até hoje.
Rodrigo Leite Segantini
Providenciar seu jazigo foi uma das decisões mais dolorosas que tomamos.
Foi um tempo assustador: fios, aparelhos, médicos dizendo que o quadro era grave. Ele passou os primeiros quatro meses lutando para sobreviver. Em muitos momentos, achamos que não teríamos o Arthur conosco.
Ele se recuperou, mas os primeiros anos de vida do Arthur exigiram muito cuidado.
'Fiquei desnorteado'
Anos depois, quando Arthur tinha 3 anos e meio, recebi uma notícia que me deixou desnorteado.
O dia era 3 de abril de 2013: a Adriana estava indo a trabalho de São José do Rio Preto para Ribeirão Preto. O carro saiu da pista e bateu em uma árvore.
Corri para o hospital, e os médicos foram diretos: o estado dela era crítico e ela estava em coma. Depois de 15 dias, ela foi transferida para São Paulo.
Começou um período de teste de resistência emocional: eu me dividia entre o hospital, o trabalho e cuidar do Arthur. Carregava uma culpa imensa --ora por não estar com a Adriana, ora por não estar com o Arthur.
Rodrigo Leite Segantini
Em outubro de 2013, ele me perguntou por que eu ficava no hospital se era a mãe dele que estava doente. Respondi que era para cuidar dela e ele me perguntou quem cuidaria dele. Na época, a mãe da Adriana ficava com ele, então falei que era a vovó. Mas ele disse que era a mim que ele queria.
Eu, que tinha organizado toda a minha vida para tentar dar conta de tudo, não estava conseguindo. Não me dei conta de que a Adriana não precisava tanto dos meus cuidados porque havia médicos e profissionais de saúde lhe assistindo.
Foi a sensatez de um garoto de quatro anos que me fez despertar. Expliquei para Adriana que não estaria tão presente porque precisava cuidar do nosso filho. Tenho certeza que ela entendeu. Passei a ir ao hospital uma vez a cada dez dias e sempre levava o Arthur.
Rodrigo Leite Segantini
Ela passou mais de um ano em um quadro estável, um período de esperança e desespero. Mas, em 22 de julho de 2014, ela faleceu depois de uma piora inesperada. Quando recebi a notícia, foi como se o chão sumisse. Nada te prepara para perder alguém que você ama.
'Nos tornamos inseparáveis'
Depois disso, o vínculo entre mim e o Arthur ficou ainda mais forte. Sempre fomos muito próximos, mas nos tornamos inseparáveis.

Após a partida da Adriana, no dia a dia éramos só nós dois. Nossos pais e amigos ajudavam como podiam, mas a rotina era nossa. Eu trabalhava, cuidava dele, tentava manter uma rotina estável. Eu me esforçava para que ele não sentisse a minha tristeza o tempo todo, queria que ele tivesse uma infância feliz.
Em 2018, conheci a Karina por meio de um amigo em comum, e a nossa aproximação foi gradual. Não tinha a menor intenção de me envolver com alguém: minha missão era ser pai do Arthur, qualquer outra coisa parecia supérflua. Me abrir para um outro relacionamento foi um processo difícil.
A Karina nunca me cobrou nada e nem tentou preencher um espaço que não era dela. Ela nunca teve a intenção de substituir a Adriana, nem sequer tentou isso. Mas ela encontrou um coração estilhaçado e, sem se preocupar com reciprocidade, pegou os caquinhos e foi juntando, tentando remontá-lo.
Rodrigo Leite Segantini
Ela respeita a cicatriz que o luto abriu em mim e se preocupa em cuidar da ferida que, às vezes, se abre. E, quando algum pedaço do meu coração se esfarela de novo, ela busca repará-lo, sem reclamar. A Karina soube respeitar meu tempo e minha história. Pessoas assim são necessárias para seguirmos em frente.
Ela construiu um espaço próprio ao nosso lado com seu amor, sua dedicação e com muita paciência e tolerância.
De uma forma linda e radiante, pegou aquela família de dois e transformou em uma família de três novamente, transformando em "felizes para sempre" o que um dia foi "era uma vez".

'É melhor receber a morte com gentileza'
Inicialmente, compartilhar a minha história nas redes sociais foi um desabafo. Nunca tive a intenção de tornar isso público de forma maior. Conforme fui escrevendo, percebi que muitas pessoas de identificavam.
Em 2016, o Arthur fez o primeiro presente de Dia das Mães. Era um bilhetinho e uma flor, com uma mensagem na sua letrinha.
Ao me entregar, ele disse: 'Você não é a minha mãe, mas também não é só meu pai. Você é toda a minha família'. Fiz uma postagem sobre esse dia e viralizou. Muitas pessoas nos procuraram e nos pediam dicas, conselhos e amparo em situações de perda.
Rodrigo Leite Segantini
Com o tempo, percebi que falar sobre a nossa história era uma forma de dar significado à minha experiência. Muitas pessoas passam por perdas e se sentem sozinhas. Se, de alguma forma, nossos relatos puderem ajudar alguém a se sentir compreendido, então faz sentido continuar compartilhando.
O luto nunca vai embora, ele apenas muda de forma. Hoje, não o vejo mais como um peso insuportável, mas como algo que faz parte de quem sou. Aprendi a conviver com ele, a respeitá-lo e a permitir que eu aprenda com tudo isso.
Com Arthur, sempre fui muito honesto. Nunca tentei esconder a ausência da mãe ou fingir que não sentíamos sua falta. Falamos sobre ela, lembramos dos momentos bons e ele sabe que sentir saudade é normal. Tento mostrar a ele que o amor que tivemos por Adriana continua vivo e que é possível seguir em frente sem apagar o passado.
O luto é insuperável. Não devemos nos esforçar tentando acabar com essa dor porque ela jamais acabará. O ideal é que aprendamos a conviver com ela. Considero que a morte é como uma amiga cuja visita é indesejada, mas que acontecerá de qualquer forma. É melhor recebê-la com gentileza do que destratá-la."
4 comentários
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Marcelo Fernandes Garcia
Uma história incrível, parece coisa de filme. Fiquei emocionado, parabéns Arthur, Rodrigo e Karina, espíritos evoluídos. A perda da esposa não foi fácil, mas a resiliência e o tudo que vc enfrentou e um exemplo para todos e ensinamento para todos. Amadurecimento.
Tierno e Tierno
Nossos sinceros sentimentos pela perde de um ente querido, muito feliz porque encontrou uma pessoa de boa indole que esta ao lado de vocês. Saudades sim tristeza não! Deus sempre sabe o que faz acredite. Família Tierno
Veranis Rodrigues
Viver o luto não é fácil. Ainda bem que os três estão conseguindo. Que bom!