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Bolsonaro teve maior votação em cidades com mais evangélicos

Jair Bolsonaro e sua esposa Michelle, que é evangélica, com o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, durante o evento Marcha para Jesus no Rio de Janeiro, em agosto de 2022 Imagem: Reprodução/Facebook

Do UOL, no Rio

15/10/2022 04h00

Cruzamento de dados feito pelo UOL mostra que o desempenho de Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno das eleições tem correlação direta com o percentual de evangélicos nos municípios brasileiros. Na média, quanto mais fiéis em uma cidade, maior a votação obtida por ele (veja os mapas abaixo).

O cruzamento de dados comparou os resultados do primeiro turno com o percentual de evangélicos em 5.564 municípios que tiveram dados sobre religião levantados no Censo de 2010 —a reportagem desconsiderou as votações de Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seis municípios criados após a realização do levantamento pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Com o atraso do Censo de 2020 —que só está sendo realizado este ano— não há dados recentes sobre a adesão dos brasileiros a denominações religiosas. O demógrafo José Eustáquio ressalta, contudo, que, apesar do aumento dos evangélicos na população, os dados do Censo de 2010 continuam válidos para a análise de tendências.

O UOL analisou o total de votos válidos obtidos por Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cidades agrupadas em cinco faixas conforme a concentração de evangélicos.

"Se estamos comparando proporções, dá para ver a correlação [votos x distribuição de evangélicos em municípios] mesmo os dados sendo de 2010", explicou Eustáquio, que é pesquisador aposentado do IBGE.

Pesquisas feitas por amostragem indicam que hoje o percentual de evangélicos é maior do que há 12 anos, quando 22,2% dos brasileiros se declararam evangélicos —o Datafolha, por exemplo, estima que os evangélicos são 27% do eleitorado, enquanto o Ipec trabalha com o patamar de 26%.

Imagem: Arte/UOL

Os dados comprovam a importância do eleitorado evangélico para a viabilidade eleitoral de Bolsonaro. Ajudam a explicar as vitórias de Bolsonaro no Rio de Janeiro, Espírito Santo e estados da região Norte (como Acre, Roraima e Rondônia).

Ao mesmo tempo, a religião é um dos fatores que justificam a dificuldade de penetração do presidente entre o eleitorado nordestino —de longe o mais católico do país.

Imagem: Arte/UOL

Os mapas acima mostram que o melhor desempenho de Bolsonaro e a distribuição de evangélicos é muito semelhante. Já a votação de Lula é inversamente proporcional à quantidade de fiéis dessas denominações.

Ao longo de todo seu governo, o presidente esteve presente em dezenas de cultos e eventos religiosos, nomeou pastores para diversos cargos, incluindo ministérios, e indicou o pastor presbitariano André Mendonça ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Religião afeta os resultados da eleição? O demógrafo José Eustáquio tem se dedicado a entender a mudança no perfil religioso do país nas últimas décadas.

O pesquisador trabalha com o conceito de transição religiosa para definir a progressiva queda no percentual de católicos na população —acentuada a partir de 1990— e o crescente número de evangélicos, de pessoas sem religião e de outros grupos religiosos.

Segundo projeções feitas por ele com dados do Censo de 2010, por volta de 2032, os evangélicos devem atingir 40% da população, superando os católicos —que devem cair para 39% dos brasileiros a essa altura (veja o gráfico abaixo). Em 2010, os católicos eram 64,6% da população.

De acordo com o demógrafo, desde 1990, a parcela de católicos no país passou a diminuir 1% ao ano —dez vezes mais rápido do que o que ocorria anteriormente— e a de evangélicos cresceu a uma taxa anual de 0,7%.

O impacto eleitoral disso já é notado hoje, uma vez que, segundo Eustáquio, o crescimento dos evangélicos varia bastante de acordo com os estados e as regiões do país. O Sudeste e o Norte concentram os estados com maior número de evangélicos, enquanto o Nordeste tem a maior proporção de católicos.

Para o demógrafo, a expansão evangélica tem a ver com mudanças nas estruturas sociais, como os processos de urbanização e de ocupação de vazios demográficos —intensificados a partir das décadas de 1960 e 1970.

"A Igreja Católica no Brasil foi hegemônica por cinco séculos, principalmente quando o país era agrário. Todo o ritual da igreja era para um país tradicional, ligado à terra e com pouca mobilidade social. O Brasil começa a mudar com a urbanização, e quem puxa isso tudo é o Sudeste. Essa população que era rural começa a vir para o meio urbano, e os nordestinos vêm para a periferia dos grandes centros, sobretudo Rio e São Paulo. São justamente nessas periferias que os evangélicos começam a se expandir no Brasil."

"No Norte, tem muito a ver com a migração. Quando se analisa Rondônia, Acre e Roraima, se vê que são estados com colonização mais recente, onde a Igreja Católica não teve agilidade para chegar perto dessa população", afirma.

De acordo com análise de dados feita por Eustáquio, Bolsonaro obteve suas maiores margens sobre Lula justamente nesses estados da região Norte, somados a Rio de Janeiro e Espírito Santo.

"Bolsonarismo capturou pastores". Um dos maiores estudiosos da participação política de evangélicos no Brasil, o sociólogo Ricardo Mariano, professor da USP (Universidade de São Paulo) e autor do livro Neopentecostais, que analisou a expansão evangélica no país desde 1970, afirma que houve nos últimos anos uma adesão majoritária de pastores e lideranças evangélicas ao ideário de extrema direita consolidado no bolsonarismo.

"Bolsonaro conseguiu capturar boa parte do pastorado evangélico do Brasil. Foram capturados no sentido que apoiam incondicionalmente a candidatura de Bolsonaro, a despeito de tudo que ele fez em sua vida pública e em especial na Presidência", diz ele.

Mariano destaca que a relação das igrejas com o governo foi além de gestos simbólicos e envolveu direcionamento de políticas públicas, contemplando interesses de seus líderes.

"Vários pastores que o apoiam tiveram suas dívidas tributárias perdoadas. O governo ampliou os repasses de recursos para comunidades terapêuticas —a maioria operada por igrejas evangélicas— e tratou com muito carinho rádios e TVs evangélicas na distribuição de verbas de publicidade", enumera Mariano.

O sociólogo explica ainda que há décadas circulam no meio evangélico campanhas de desinformação ligando políticos de esquerda em geral, e do PT em particular, a ideias persecutórias contra cristãos, como o fechamento de igrejas —alvo de uma onda de fake news nessa eleição.

Segundo ele, durante seus governos, Lula conseguiu melhorar as relações com o segmento, mas os ataques ao PT voltaram a ganhar força a partir do impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016.

O comprometimento dos fieis com a vida comunitária na igreja os deixa mais vulneráveis a essas campanhas de desinformação, avalia o sociólogo.

"Os evangélicos são muito mais expostos à autoridade pastoral do que os católicos à autoridade sacerdotal. Eles participam mais dos cultos, dão mais dinheiro à igreja, leem mais a Bíblia, são mais comprometidos com a vida religiosa em qualquer métrica que se adote."

O pesquisador lembra que há muitos relatos de perseguição e retaliação a fiéis e pastores que discordam das orientações políticas de suas igrejas e destaca que o impacto dessas punições, que podem chegar até mesmo à expulsão da comunidade, é muito grande na vida dessas pessoas.

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