Contratados de projeto da Uerj foram convocados para comício de deputada
Relatos e vídeos publicados em redes sociais mostram que contratados de um projeto realizado pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em escolas estaduais foram convocados para um comício da deputada federal reeleita Soraya Santos, presidente nacional do PL Mulher, partido do governador Cláudio Castro.
Em imagens publicadas no último fim de semana de setembro na página do Facebook de um grupo de integrantes do projeto MAE (Mulheres que Apoiam a Educação), a parlamentar aparece discursando sobre a continuidade do programa, em um palco onde, ao fundo, havia painéis com fotos de campanha dela e de Castro. O programa está entre os que não revelam as folhas de pagamento, conforme como mostrou série de reportagens do UOL.
Soraya Santos foi a 11ª candidata mais votada no pleito deste ano para deputada federal no estado do Rio, com o apoio de 130.379 eleitores. Em 2018, ela havia sido eleita com 48.328 votos.
Em nota, a Uerj e o governo do Rio afirmaram que "desconhecem qualquer relação de candidatos ou parlamentares" com o projeto. "Trata-se de parceria institucional, firmada entre a universidade e a Secretaria de Estado de Educação."
Procurada pelo UOL por meio de sua assessoria de imprensa, Soraya Santos não se manifestou.
Para especialistas em direito eleitoral, o caso tem indícios de abuso de poder político e uso promocional de serviços de caráter social bancados com recursos públicos, sendo passível de investigação pelo MPE (Ministério Público Eleitoral).
Ônibus para transporte de contratados
No grupo do Facebook, uma das integrantes do projeto em Niterói relatou que havia um ônibus disponível para levar os contratados da cidade ao evento da deputada, no centro do Rio, no dia 24 de setembro.
"Pelo que minha diretora recebeu hoje estava escritos [sic] todos de Niterói, mas aí eu publiquei aqui [no grupo do Facebook] para saber se outro município sabia ou não, vai ser ônibus vai levar e trazer às 13:30hs", disse uma das contratadas, cuja identidade será preservada.
"Não diz a finalidade! Somente horário e local", completou.
No dia seguinte, ela afirma ter ido ao ato e posta no mesmo grupo de Facebook —que reúne os bolsistas do projeto — um vídeo com trecho do comício da deputada.
"Porque política gosta de inventar programas, gosta de inventar projetos, mas a gente espera que quem compra a ideia realize muito bem para que a gente possa voar junto. E quem está executando esse programa são vocês, que eu tiro o chapéu. Parabéns a cada educador, a cada diretor, a cada regional, às mães, às assistentes sociais", disse Soraya, sendo aplaudida em seguida pelos integrantes do programa na plateia.
No comício, a deputada federal reeleita também pede que o público compartilhe um outro vídeo —com Cláudio Castro ao lado dela— em que o governador afirma que Soraya foi uma das idealizadoras do MAE, que continuaria caso ele fosse reeleito.
"Queria pedir a você, governador, que continuasse com esse projeto que tem transformado vidas", afirma a deputada, no vídeo com Castro.
"Esse projeto continua. Queria te agradecer, Soraya, você foi uma das idealizadoras desse programa. Queria dizer que, enquanto Cláudio Castro estiver à frente, o programa continua", responde o governador.
Questionados pelo UOL, o governo do Rio e a Uerj não se manifestaram sobre a continuidade do projeto no ano que vem.
O MAE —realizado pela Uerj com recursos da Secretaria Estadual de Educação— envolve mulheres responsáveis por alunos de escolas estaduais que, por meio de uma bolsa, atuam em ações para reduzir a evasão de estudantes. Assistentes sociais foram contratados para colaborar na capacitação e acompanhamento dos resultados.
Atualmente, segundo a universidade, há 5.000 mães atuando nas escolas, com bolsas mensais de R$ 1.000. Também há 1.100 assistentes sociais contratadas.
No grupo do Facebook, integrantes têm se queixado constantemente de atrasos nos pagamentos. A Uerj afirmou que eventuais problemas, "quando ocorrem (em torno de 3% do total), devem-se, sobretudo, a inconsistências de dados dos documentos pessoais fornecidos pelas mães; ou por erro de cadastro das contas bancárias das mães no sistema de pagamentos do Estado".
"Após os primeiros meses, tais erros foram corrigidos e os pagamentos têm sido regularizados."
Folhas secretas
O projeto MAE está na lista das folhas de pagamento que não são divulgadas pela universidade, como mostrou série de reportagens do UOL.
Após as reportagens, a Uerj tornou público apenas um site que permite a busca por nome exato do contratado. Ainda assim, não há detalhamento do valor da remuneração —se é bruto ou líquido— tampouco a que mês se refere. A universidade afirma que os dados estão em atualização.
O acesso ao processo de prestação de contas do ano passado do projeto MAE foi restringido pela universidade no SEI (Sistema Eletrônico de Informações) do governo do Rio, o que também impede a consulta pública do detalhamento dos gastos.
O MAE não é o primeiro programa da Uerj com indícios de uso político. O UOL revelou que o Observatório do Segurança Presente, que realiza pesquisas sobre o programa de patrulhamento em bairros do RJ, abrigou aliados do governador Cláudio Castro e do deputado Rodrigo Bacellar (PL), atualmente secretário estadual de Governo. Eles negam uso político do programa.
Somente neste projeto, o UOL localizou 55 integrantes contratados sem processo público seletivo, com passagens por cargos comissionados ou ligações com políticos. Somente em 2021, foram gastos R$ 3,2 milhões em remunerações a essas pessoas.
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