Religião define voto? Pastores Marco Feliciano e Henrique Vieira respondem

Evangélicos preferem que pastores não se candidatem ou misturem política com religião, segundo pesquisa Datafolha do final de julho sobre o eleitorado paulistano. Os pastores Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Marco Feliciano (PL-SP) falaram com o UOL sobre quem faz campanha nas igrejas, fundamentalismo religioso e como será o voto dos evangélicos nestas próximas eleições.

O que aconteceu

Evangélicos preferem que pastor não peça voto. A pesquisa Datafolha divulgada no último domingo ouviu 613 evangélicos na cidade de São Paulo e 56% deles afirmaram que preferiam que o líder religioso não apoiasse um candidato durante o período eleitoral - 70% afirmaram que são contra indicações de políticos que devem ser eleitos pelos religiosos.

Para Marco Feliciano, o pastor pode sim pedir votos. "Temos que pastorear os nossos rebanhos", defende ele.

Henrique Vieira prefere separar religião e política. O Pastor Henrique Vieira disse que quando estava decidindo se iria lançar para deputado federal, se afastou da própria igreja, porque não queria que a sua candidatura e a sua pregação se misturassem. "Eu me licenciei do púlpito da minha própria igreja".

Contra campanha no púlpito. Para o pastor, a sua própria presença no ambiente religioso já poderia ser um indicativo de interferência política, o que ele é veementemente contra. "Sendo candidato, a minha presença já era campanha", explica o pastor da Igreja Batista do Caminho. "Amando a minha igreja, amando pregar, amando estar com meus irmãos e irmãs, fiz o sacrifício de não ir. Eu sou contra fazer campanha nas igrejas, distribuir santinhos, usar o púlpito para ameaçar as pessoas sobre em quem elas devem votar", afirma Vieira.

Já o pastor Marco Feliciano não consegue separar a sua atuação como pastor da de deputado federal. Ele é o líder da Catedral do Avivamento, igreja neopentecostal ligada à Assembleia de Deus e reconhece que a maior parte dos seus eleitores são cristãos. "Não há como separar, pois ambos [pastor e deputado] falam ao povo, ambos são tribunos por natureza, a diferença são os 'sermões': na Câmara, os debates políticos; nos púlpitos, as pregações espirituais".

Para os especialistas, na prática, a separação entre política e religião é ainda mais complexa do que parece. A pesquisadora da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) Raquel Rocha estuda as interferências religiosas na política e percebe que para a maior parte dos evangélicos o senso de comunidade e pertencimento é que os mantém frequentando a igreja - a consequência disso é que ser representado por um "irmão da igreja" é uma vontade individual.

Mesmo que um pastor não peça voto, se um 'irmão da igreja' -- que é alguém de confiança de boa parte da igreja -- , com ideais políticos comuns naquela comunidade religiosa se candidata, o grupo tende a se interessar pelo projeto político dele. A religião é um espaço de confiança, trocas e tão presente na vida da maioria dessas pessoas, que é natural que eles votem nesse 'irmão'.
pesquisadora Raquel Rocha

Pastores quase sempre votam diferente

Aborto, política armamentista e a legalização da maconha são algumas pautas que mostram a diversidade de opiniões de evangélicos sobre a política. Os pastores Marco Feliciano e Henrique Vieira integram a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial. Ambos costumam citar a Bíblia no plenário, os votos são diferentes.

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Um exemplo foi a votação do projeto batizado de "Lei Dandara", que aprova pena maior para homicídio que envolver discriminação contra população LGBTQIA+. Durante a votação, o pastor Marco Feliciano levou dados sobre mortes de heterossexuais e defendeu que "no Brasil é mais seguro ser gay" e votou contra o projeto. Já Henrique Vieira, defendeu a importância de reconhecer a existência de uma violência específica direcionada contra a população LGBTQIA+ e votou a favor.

Os dois dificilmente têm convergências. Quando o tema é a criminalização de mulheres que abortaram, Marco Feliciano é a favor, Henrique Vieira é contra - e o mesmo acontece na pauta sobre a criminalização da maconha.

O contrário acontece na pauta sobre o porte de armas. Feliciano já falou que é contra o cidadão ter armas na rua, mas a favor de que se possa ter uma em casa, em defesa da família. Já Henrique Vieira, que integra a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, é contra a circulação de armas.

Mais armas circulando com menos controle significa mais desvio. Na minha opinião, organizações criminosas se beneficiaram e muito de uma política de flexibilização e estímulo a mais armas circulando em nosso país. Além disso, numa cultura de ódio, intolerância e machismo, imagina só o efeito de uma arma de fogo na mão. Pesquisas indicam que aumentou muito o número de feminicídios. Porque a violência é um fenômeno complexo, que tem a ver com a intolerância e o ódio.
deputado Pastor Henrique Vieira, durante sessão da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado no dia 16 de abril

Desacreditados com a política, evangélicos preferem votar em 'irmão da igreja'

Levantamento do Datafolha indicou que 55% dos evangélicos discordam da premissa de que política e valores religiosos devem andar juntos, mas pastores concordam que valores cristãos devem orientar decisões - mesmo que tenham opiniões diferentes.

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Para o pastor Henrique Vieira a fé deve sim orientar a visão de mundo e ações, mas a religião não pode ser utilizada como um projeto de poder. "Defendo a autonomia da igreja e separação entre igreja e estado", disse ele ao UOL. Ele consegue enxergar diversidade na igreja e pluralidade entre os evangélicos e não questiona aqueles que votam em quem confiam. "O voto é uma expressão de um vínculo, está para além do campo religioso e não dá pra questionar esse voto que é o desdobramento do nível de convivência e confiança."

Marco Feliciano relembrou escândalos políticos envolvendo pastores e considerou que a presença deles no Congresso é um avanço. "Houve um tempo em que evangélicos não aceitavam que pastores fossem candidatos. Houveram muitos escândalos na política envolvendo pastores", relembrou. Hoje ele acredita que evangélicos devem representar evangélicos, em todos os lugares.

Com o passar do tempo a igreja percebeu a necessidade de ter representantes no parlamento, e após a minha chegada e a perseguição que sofri em 2013 por conta da comissão de direitos Humanos, a esquerda que tentou me transformar em exemplo que do que não queriam no parlamento, acabaram me transformando em modelo a ser seguido. Como resultado, depois de 2013 o número de pastores e evangélicos cresceu consideravelmente.
pastor Marco Feliciano

Henrique Vieira não vê da mesma maneira. Ele prefere enxergar diversidade na igreja e pluralidade entre os evangélicos. "A igreja precisa discutir a cidade e até fazer rodas de debates com políticos diferentes, de uma forma democrática", explica o pastor, que é contra o fundamentalismo cristão. "O campo fundamentalista está muito associado à extrema direita, à intolerância religiosa, ao armamentismo, ao Bolsonarismo e utiliza o culto para partidarizar as igrejas."

"É equivocado dizer que o fundamentalismo é exclusivo de neopentecostais." O Vieira faz questão de ressaltar que nem todo conservador cristão é fundamentalista. "O fundamentalismo religioso está em todos os lugares."

O fundamentalismo é esse modelo de que não consegue respeitar a diversidade e quer controlar o comportamento e a vida das pessoas por meio do estado, das legislações - o fundamentalismo fere a democracia e se apresenta como um projeto de poder.
pastor Henrique Vieira

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O fundamentalismo religioso é fortalecido pelo enfraquecimento do estado. Para a pesquisadora Raquel Rocha, quando a insegurança e a pobreza crescem, o fundamentalismo religioso tende a se intensificar. "Quando boa parte da população está desassistida pelas políticas públicas, quem faz esse suporte é a igreja. E esse sentimento de gratidão é levado em conta na hora de votar", explica.

O líder religioso forma famílias, integra a população desassistida em um núcleo social onde existe um espaço seguro para jovens e crianças da periferia. O sentimento é de gratidão e de confiança. Hoje, essas igrejas conseguem abordar as pessoas de forma que, muitas vezes, os movimentos sociais e sindicais não conseguem. Temos que deixar de lado a ideia de que o voto fundamentalista religioso é puramente ideológico e determinado por uma régua moral - o fundamentalismo se fortalece com as desigualdades.
especialista em mídia religiosa da UFES, Raquel Rocha

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