'Oi, quero ser prefeito': um dia na campanha de um candidato 'nanico' em SP
Nada de grandes caravanas ou comícios lotados: um dia de campanha de um candidato "nanico" à Prefeitura de São Paulo é, literalmente, bem mais "pé no chão".
Acompanhei, na quinta-feira (26) e na terça (1º), Altino Prazeres (PSTU) e Bebetto Haddad (DC), dois concorrentes à cadeira da maior cidade da América Latina.
Apesar de opostos no campo político, os dois têm algo em comum: estão no pelotão de trás das pesquisas de intenção de voto.
Altino Prazeres: de sol a lua
Cheguei à sede estadual do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), um prédio de dois andares no bairro da Bela Vista, às 5 horas.
O sol nem tinha raiado e lá já estavam alguns militantes do partido, que se preparavam para o início da agenda. Altino Prazeres chegou logo depois.
O plano era seguir para o Hospital Universitário da USP e fazer panfletagem. Antes, porém, passamos em uma padaria para tomar café —era preciso ficar bem acordado para o longo dia de campanha.
No local, ele não foi reconhecido por nenhum dos funcionários, situação inimaginável para candidatos como Datena (PSDB), Pablo Marçal (PRTB) ou Guilherme Boulos (PSOL).
E, enquanto comia, me contou suas principais propostas para a cidade, como a estatização das linhas de ônibus.
Já o caminho até a universidade foi com conversas descontraídas entre Altino e seus assessores. Assessores, não: companheiros, me corrigiu um deles. O São Paulo havia sido eliminado da Libertadores na noite anterior, e esse foi o tema do bate-papo, com direito a provocações.
Na porta do HU, Altino começou, ele mesmo, a distribuir panfletos. "Bom dia, sou candidato à prefeitura de São Paulo", se apresentava a cada pessoa que passava.
"Candidatura dos trabalhadores para enfrentar os grandes empresários", continuava, enquanto funcionários andavam apressados.
Papo sobre bolchevique
Entre um panfleto e outro, o papo dos companheiros continuava, agora mais ideológico —eles comentavam sobre um texto que discutia se Trotsky, revolucionário bolchevique, errou.
O próximo compromisso de Altino era na TV Globo —daria uma entrevista de 2 minutos.
No caminho, brincou sobre a "produção". "Às vezes passam laquê no cabelo e fica durinho." Já na Globo —me contou depois— não teve laquê, mas recebeu uma camada de pó de maquiagem sobre o rosto.
"Não querem que eu brilhe", brincou.
A entrevista, como planejado, foi rápida. Apesar do pouco tempo, a campanha via uma oportunidade de projeção, já que o PSTU não tem direito à propaganda gratuita.
Antes da entrevista, combinaram que ele responderia à única pergunta de forma sucinta e terminaria falando seu número na urna e suas redes sociais.
Altino, porém, se empolgou na resposta e não se atentou ao tempo. Os dois minutos passaram sem que conseguisse fazer a propaganda final, o que realmente o chateou.
"Não estava olhando para o cronômetro", remoeu pelo resto do dia.
'Quase deixei meu currículo'
O socialista trata com bom humor o fato de ser desconhecido da maior parte do eleitorado paulistano. Ele conta, sem ressentimentos, situações em que passou batido. Em 2022, concorreu ao governo do estado e teve 14.859 votos, 0,06% do total do primeiro turno.
Uma vez, cheguei na portaria de uma emissora e disse: 'Vim fazer uma entrevista'. O porteiro perguntou: 'Para qual vaga?'. Quase deixei meu currículo lá mesmo.
Na parte da tarde, mais panfletagem. Acompanhei Altino até o bairro Socorro, na zona sul, onde ele participaria de uma ação em frente a uma fábrica. Nesse momento, tensão: a direção da fábrica não queria caixa de som.
A situação foi resolvida com conversas exaltadas e trocas de olhares nada amigáveis entre membros do PSTU e seguranças da fábrica, que chegaram a um acordo: poderiam ficar no local, mas com volume baixo e a alguns metros da entrada.
"Contra burguês, vote 16!", disse Altino no microfone após o fim imbróglio.
Os burgueses, no entanto, não foram o maior desafio naquele dia. Fazia 35°C em São Paulo e o sol —"uma lua para cada um", como brincou Altino— batia forte.
O compromisso teve de ser encerrado mais cedo e Altino teve seu primeiro tempo livre no dia. A próxima agenda começou apenas às 17 horas, quando fomos à Brasilândia, na zona norte, para uma caminhada.
Ao todo, foram cerca de 15 minutos distribuindo panfletos pelo bairro.
Possivelmente esgotados pelo dia longo —como, confesso, eu também estava—, os militantes do PSTU decidiram encerrar as atividades.
Voltei no carro com Altino e seus companheiros, escutando a conversa por telefone da filha adolescente com o pai, até que ela pediu para ele colocar o fone de ouvido porque ia "contar uma fofoca".
Terminamos o dia na sede do PSTU. Como na hora em que cheguei, o sol já não estava mais no céu.
Bebetto Haddad: entre takes e o rodízio
O encontro com Bebetto estava marcado para o estúdio do partido Democracia Cristã, no último andar de um prédio da Faria Lima, centro econômico da cidade.
Logo que cheguei, recebi a ligação do assessor do partido. Bebetto não estava mais lá. O candidato tinha ido direto para a agenda de campanha no Mercadão da Penha, na zona leste, a cerca de 20 km.
Corri para lá, onde o encontrei, com cerca de 20 pessoas, entre assessores e candidatos. Também estava um cinegrafista, que documentava a campanha para vídeos na TV e redes sociais.
Pouco depois de cumprimentar um a um, eles se juntaram para um take. Todos cantaram o "grito de guerra" em frente à câmera. "Be-be-be, Bebetto! É 27!"
Logo depois, outro compromisso: uma caminhada na Vila Sabrina, também na zona leste.
Vice com poder de cura
No caminho, conheci e conversei com a candidata a vice de Bebetto, Camila Consci. Ela me contou que não liga para política: queria mesmo era que suas ideias fossem disseminadas.
Dizia ter o poder da cura, em humanos e animais. Adepta da homeopatia, passou grande parte da conversa me alertando sobre supostos interesses obscuros da indústria farmacêutica.
"Óbvio que não tomei essa vacina aí da covid, né?", confessou.
Já uma das candidatas a vereadora que acompanhava Bebetto me explicou por que seu número de urna, recheado de "setes", era assim. "Sete é um número com um grande significado para o cristianismo. Sabe por quê? Porque representa Pai, Filho, Espírito Santo e os quatro elementos: ar, fogo, terra e água."
A temperatura batia os 35°C e a caminhada pela Vila Sabrina passou pelos principais pontos de comércio do bairro, sempre com o cinegrafista à frente. Bebetto parava e conversava com quem estava na rua.
"Sou candidato a prefeito", dizia todas as vezes, apontando para o adesivo colado no peito.
Bebetto é mais reservado que seus correligionários: conversamos poucas vezes.
No caminho a São Miguel Paulista, onde teria seu próximo compromisso, ele me falou sobre a situação da sua campanha, que chegou a ser impugnada pela Justiça e agora concorre sub judice. Para o candidato, a decisão foi arbitrária.
Bebetto também confessou que sua entrevista para a Globo, também de 2 minutos, precisou ser regravada. Na versão original, ele mencionou o processo na Justiça. Aparentemente, isso não caiu bem e o candidato teve de gravar uma nova versão, dessa vez focando nas propostas.
Em São Miguel Paulista, o compromisso de campanha começou na Praça do Forró, tomada por wind banners (aqueles paineis de tecido que ficam na beira da calçada) — com campanha para outro candidato, Ricardo Nunes (MDB).
Entre roupas e manequins de lojas da região, Bebetto cumprimentava eleitores . "Eu te conheço", disse uma mulher que passava. "O senhor vai fazer um bom trabalho", completou a primeira eleitora declarada durante todo o dia de campanha.
A caminhada terminou no Mercadão de São Miguel Paulista, quando, por volta das 17h, Bebetto finalmente decidiu parar para almoçar.
Depois, mais vídeos para o cinegrafista e o dia de campanha havia terminado, mas quem disse que era hora de voltar para casa?
Teríamos de esperar mais duas horas para ir ao centro de São Paulo: é que a placa do carro terminava em um dos números do rodízio.
Então, resolvemos aguardar em uma padaria até as 20 horas, quando o rodízio acabaria. E o clima era de happy hour: soube da vida e carreira de quase todos.
Por volta das 19 horas, os olhares se concentraram na TV: Bebetto apareceria no SP2, em uma atualização das agendas dos candidatos. Quando a matéria acabou, foi pura festa. "É 27!", berraram todos, contagiando até um atendente da padaria que gritou junto.
Na volta de carro, Bebetto comentou mais sobre os esforços. Lamentou não ter tido oportunidade de fazer pré-campanha.
Já a vice me deu indicações de filmes e contou a história de uma gata que, segundo ela, está na 9.ª dimensão, o que significa ter "energia vital equilibrada". Também disse que o nome do animal "pesa" muito na sua evolução ou não.
Desci do carro na Praça Panamericana, por volta das 21 horas, e me despedi, pensando o que ela acharia dos nomes das minhas gatas.
Onde a esquerda e a direita se encontram
Um argumento comum nas candidaturas de PSTU e DC é que são contra o sistema. E, por mais que "sistema" possa significar algo diferente para cada uma delas, há paralelos: os partidos têm menos recursos e menos exposição midiática.
Segundo o TSE, o total líquido de recursos recebidos por Altino é de R$ 425 mil; e Bebeto, R$ 119 mil. Os números são muito distantes das campanhas de Nunes (R$ 44 milhões) e Boulos (R$ 65 milhões), por exemplo. O PSTU conseguiu comprar só três daqueles wind banners.
Ambos os partidos também caem na cláusula de barreira e, por isso, não há a obrigação de convidá-los para debates.
Quando comentei sobre as dificuldades de campanhas menores com filiados ao DC, mencionando o que havia presenciado no meu dia com o PSTU, encontrei um raro acordo entre os campos políticos opostos. "Viu só? É com esquerda e direita", disse um assessor.