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Debater a mulher muçulmana não pode se limitar à burca, diz autora de "O Livreiro de Cabul" na Sabatina Folha/UOL

Do UOL Notícias

Em São Paulo

29/09/2011 15h25

Durante sabatina realizada nesta quinta-feira (29) pela "Folha" e pelo UOL, a escritora e jornalista norueguesa Asne Seierstad, autora dos best-sellers "O Livreiro de Cabul" e "101 Dias em Bagdá", disse que a questão da opressão à mulher muçulmana não deve se limitar apenas ao uso da burca. Para ela, há outras questões que devem ser debatidas, como a liberdade destas mulheres. “Se o foco é esse, você coloca estas mulheres na linha de frente e elas se tornam um alvo. Pessoalmente, sou contra [o uso da burca], mas acho que isso está dominando demais a conversa em detrimento de outros assuntos”, disse.

Seierstad, que cobriu a invasão do Afeganistão e a Guerra do Iraque, foi sabatinada pelo editor de Internacional do UOL Notícias, Edilson Saçashima; pelo editor da Ilustríssima, Paulo Werneck; pelo repórter de Mundo da "Folha" Samy Adghirni; e pela professora de história e cultura árabe da USP Arlene Clemesha.

Cobertura na Líbia
Seierstad comentou a expectativa de sua próxima importante cobertura: os conflitos na Líbia. Ela disse que não sabe exatamente o que esperar, pois será sua primeira vez no país. “Não é o tipo de lugar em que você marca as coisas antes de ir. Quero conhecer pessoas comuns e saber quais são os sonhos delas, pois a gente não fica sabendo disso. Talvez estas pessoas que estão se manifestando não sejam tão próximas entre si, por exemplo”, diz.

A escritora e jornalista também disse que, "evidentemente", torce para que tenha um furo durante sua estadia no país. “Quero ver se consigo um furo, quero que o Gaddafi caia”, diz.

A capacidade da autora em transformar histórias reais em temas para livros que fazem sucesso entre leitores acostumados à ficção e aos romances também foi discutida durante a sabatina. Sobre essa característica no seu trabalho, ela citou o jornalista polonês Ryszard Kapuscinski, correspondente de guerra, um de seus ‘heróis’.

“Eu o ouvi [Kapuscinski] falando uma vez: como a gente pode descrever uma selva, a Amazônia, por exemplo, com o jornalismo? As palavras do jornalismo são pobres, fracas, estereotipadas para descrever a selva. Como descrever uma guerra civil? Há um ódio profundo, conflitos, o estilo precisa ser mais literário para transmitir o que está acontecendo. É aí que o livro e a reportagem se distanciam. 'O Livreiro de Cabul' parece ficção, mas ele está baseado em fatos.”

Para Asne Seierstad, todos os escritores precisam da literatura. A principal diferença entre jornalismo e livro é a linguagem, mas a base é a reportagem.

"O Livreiro de Cabul"
A relação entre a escritora e o principal personagem de "O Livreiro de Cabul" hoje está bem prejudicada por um processo movido por ele na Justiça contra ela. De acordo com Seierstad, o livreiro afegão que a recebeu por três meses em sua casa e cuja vida é retratada pela jornalista não gostou do livro e chegou a ir até a Noruega com a proposta de ajudá-la a refazer o trabalho. Como isso não foi aceito pela escritora, houve algumas tentativas de acordo, sem êxito, e ele acabou pedindo US$ 25 milhões e que ela desistisse da obra.

Hoje, os dois praticamente só se cumprimentam quando se encontram e trocam informações por meio de advogados. “Do lado de fora, posso ver o ponto interessante disso. Os europeus, durante séculos, foram até os países do terceiro mundo, colonizaram, escreveram suas versões da história, que nunca foram questionadas. Dessa vez, uma pessoa que não concordou com a versão foi até um país europeu e resolveu questionar. Eu acho que isso tem a ver com o fato de que ele não está acostumado com críticas. Ele se colocou no lugar do leitor ocidental, que não vê como um herói. Ele queria ser um herói em ambos os mundos. Ele poderia ter me enganado, mas continuou vivendo como um patriarca afegão. Eu precisava escrever o que eu via, não só o que ele me falava.”