Topo

"A Primavera Árabe começou no Irã", diz ilustrador de HQ que denuncia desaparecimentos após as eleições de 2009

Andréia Martins

Do UOL, em São Paulo

02/03/2012 06h00

A campanha eleitoral para as eleições legislativas da República Islâmica do Irã, que acontecem em 2 de março, começaram silenciosas na semana passada, sem propaganda nas ruas e com muito pouca informação na maioria dos meios de comunicação. Bem diferente da forma como a eleição presidencial de 2009 terminou, barulhenta e comentada em boa parte do mundo, com centenas de manifestantes nas ruas em protesto contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad.

Conhecidas como Revolução Verde, essas manifestações mostrara um outro Irã ao mundo e destacaram o uso de celulares e da internet como ferramentas de mobilização social, algo que seria visto em larga escala dois anos depois, em 2011, com o início dos protestos da Primavera Árabe. Para o ilustrador árabe Khalil, que acaba de lançar um livro sobre o assunto, a onda de manifestações que ficou conhecida como Primavera Árabe começou por influência do Irã.

“Não há dúvidas para mim de que a revolução na Tunísia, a primeira da Primavera Árabe, foi diretamente inspirada pela Revolução Verde do Irã. Os slogans, os gestos e até mesmo o estilo adotado pelos jovens manifestantes, o uso do celular e das mídias sociais, tudo baseado nas cenas que haviam sido mostradas pela TV no Irã. Até acho que a Primavera Árabe deveria ser chamada de Primavera do Oriente Médio, para incluir os iranianos”, diz.

Khalil ilustra o livro "O Paraíso de Zahra", feito em parceria com o jornalista e ativista iraniano Amir, que acaba de ser lançado no Brasil. O livro, uma graphic novel, aborda a onda de protestos de 2009 e acusa a República Islâmica de encobrir os acontecimentos que levaram à morte e ao desaparecimento de dezenas de manifestantes. Por segurança, Amir e Khalil, usam nomes fictícios.

Amir deixou seu país de origem aos 12 anos, logo após a Revolução Islâmica de 1979. Viveu por alguns anos no Reino Unido e hoje mora nos Estados Unidos. Khalil conta que Amir ficou motivado a produzir o livro após assistir a um vídeo no YouTube, em que uma mãe confrontava a polícia em Teerã. Ela segurava uma fotografia do filho de 19 anos, desaparecido durante as manifestações de 2009.

Para Amir, o levante iraniano deu ao mundo outra visão do país. “Por mais de 30 anos, os iranianos têm vivido sob a sombra da morte. E o mundo olha para o Irã e os iranianos como terroristas e sequestradores. Em 2009, o mundo teve outra visão do Irã, um Irã que é jovem, vibrante, colorido e criativo”.

Além disso, ele acrescenta, o movimento serviu para abalar a força do regime. "Este regime corrupto e ilegítimo que governa o Irã nos últimos 33 anos está profundamente dividido, fragmentado, esclerosado. Como disse Abraham Lincon: ‘uma casa dividida não se mantém de pé’. E se o presidente sírio Bashar al-Assad cair, o Irã ficará mais isolado”, diz Amir, que espera um resultado desfavorável ao regime nas eleições parlamentares desta sexta-feira (2).

Amir avalia que existe apenas uma possibilidade de os iranianos ficarem do lado do regime. "No caso de uma invasão militar dos Estados Unidos e Israel ao Irã, somente nesse caso, toda a população iraniana se uniria ao regime”.

Brasil e Irã

Se, por um lado, os protestos mostraram ao mundo um Irã jovem, mostraram também seu pior lado. Nas páginas do livro, cenas ilustram tortura, abusos, perseguição e corrupção.

Um dos casos colocou o Brasil na rota dos protestos: a morte da iraniana Neda Agha-Soltan durante os protestos, com um tiro no peito, e que foi filmada por um manifestante e divulgada na internet. As imagens se transformaram em símbolo da opressão das forças de segurança aos protestos.

No vídeo, um homem aparece tentando ajudar Neda. Trata-se do médico Arash Hejazi, que mora em Oxford, na Inglaterra e, curiosamente, é o único tradutor para o persa das obras do escritor brasileiro Paulo Coelho. “Depois que o vídeo foi publicado no site do escritor, tornou-se um fenômeno global”.

Hejazi foi acusado de conspiração pelo regime e precisou deixar o país, retornado à Inglaterra, onde escreveu suas memórias em um livro cujo prefácio é assinado pelo próprio Paulo Coelho. “A história de Neda concretizou o sofrimento dos iranianos”, completa Amir.

A maioria dos manifestantes presos foi levada à prisão de Evin, onde ficam detidos os opositores do regime – o fato de muitos intelectuais terem sido presos rendeu ao local o apelido de Universidade de Evin.

No Irã...

Segundo a Fundação Boroumand, uma organização iraniana de direitos humanos, cerca de 16.901 pessoas foram mortas no regime da República Islâmica desde 1979

“Ao longo dos anos, milhares de iranianos desapareceram na prisão de Evin. Mehdi [o jovem desaparecido cuja busca acompanhamos no livro] é o nome e a cara de todos eles. Muitas famílias ainda estão procurando seus parentes. Não sabem se seus filhos estão vivos ou mortos, o motivo da prisão, onde são mantidos, como foram julgados ou onde estão enterrados. De muitas maneiras, a República Islâmica pretende reduzir o Irã a um cadáver e o Islã a um caixão. E o sistema judiciário do país encobre e aprova o estrago causado por essas mentiras”, diz Amir.

Embora o livro tenha sido traduzido em diversas línguas e lançado em 12 países, Amir e Khalil ainda esperam pela repercussão no Irã.

“Sabemos que muitos iranianos estão ansiosos pelo livro e que o "Paraíso de Zahra" terá o mesmo destino que outros livros subversivos: será censurado, mas vai circular debaixo do radar do regime. O fruto proibido é sempre mais doce. Esperamos mostrar aos iranianos que as pessoas ao redor do mundo se importam e são solidários com eles”, diz Khalil.