Espionagem na 2ª Guerra atrai filmes e livros, mas ainda é envolta em mistério
Setenta anos após a tomada de Berlim e a rendição da Alemanha, uma questão fundamental para entender com mais clareza o fim da Segunda Guerra Mundial permanece presente no imaginário popular e dos historiadores: o quão decisivo foi o papel dos serviços de inteligência durante os seis anos de conflito (1939-1945).
No ano passado, “O Jogo da Imitação” chegou aos cinemas contando a história de como o matemático Alan Turing e outros especialistas convocados pelas Forças Armadas britânicas decifraram os códigos da máquina alemã Enigma e passaram a interceptar mensagens trocadas pelos comandados nazistas. O sucesso do filme, indicado a oito Oscars (incluindo melhor filme), ajudou a chamar a atenção para o fato de que os conflitos não são vencidos apenas durante os combates armados.
Muito antes disso, a popularidade de personagens como James Bond –criado por Ian Fleming, que havia trabalhado efetivamente na inteligência britânica durante a Segunda Guerra– já mostrava o quanto o público seria atraído pela função dos agentes incógnitos que combatiam sem farda.
Mas mensurar o quanto a criptoanálise, a interceptação de mensagens inimigas e a espionagem propriamente dita encurtaram o tempo da guerra –argumento que é apresentado em “O Jogo da Imitação”, inclusive– ainda é uma tarefa árdua.
“É um terreno obscuro, justamente por essas atividades terem sido secretas. É muito difícil saber a amplitude disso, os resultados gerais. Existe uma tendência à supervalorização quando isso é representado [no cinema]”, diz o historiador Muniz Ferreira, doutor em história econômica pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).
“Sobre a quebra do Enigma, por exemplo, há quem atribua à decifração do código a responsabilidade pela aceleração do fim da guerra. Foi ação do Serviço Secreto britânico, mas não foram as atividades das forças militares britânicas que determinaram o fim da Segunda Guerra, e sim as ações do Exército soviético no combate aos nazistas”, afirma Ferreira.
“Também pelo lado da URSS, houve a chamada ‘orquestra vermelha’, que seria uma rede de espionagem soviética que operava na Suíça com contato com os altos escalões do Terceiro Reich. Atribui-se a ela, por exemplo, a conquista de informações que teriam tido um papel importante na Batalha de Kursk [ofensiva alemã próxima a Moscou, em julho de 1943, que terminou com vitória soviética]”, diz Ferreira.
Cuidado redobrado
Mesmo quando os serviços de criptoanálise ou espionagem conseguiam coletar informações valiosas, isso não significava uma vantagem automática no conflito. “Um espião russo de nome Richard Sorge, por exemplo, baseado em Tóquio, teria repassado para a inteligência informações detalhadas sobre a Operação Barbarossa, de invasão da URSS pela Alemanha. Mas elas teriam sido descartadas pelo comando soviético porque imaginaram que era uma provocação da inteligência ocidental para lançar a URSS na guerra contra a Alemanha, no momento em que havia um pacto de não agressão entre esses dois países”, conta o historiador.
A desconfiança com relação aos outros serviços de inteligência, que produziam informações falsas para confundir o oponente, se revelava outro grande obstáculo para elaborar uma estratégia de ataque ou defesa. “Como são informações clandestinas, muitas vezes com base em subornos de outros agentes, é muito difícil garantir autenticidade, consistência”, diz.
Essa cautela também se refletia nos trabalhos de criptoanálise. Os britânicos, por exemplo, se viram em uma situação delicada quando avançaram na quebra da Enigma, que já havia sido iniciada pelo Exército polonês: se a Alemanha percebesse que o oponente havia decifrado a máquina, seus agentes parariam de fornecer informações por esse meio. Ou seja, era preciso montar uma estratégia que permitisse usar esses dados sem que os nazistas desconfiassem da decifração.
“Se descobrissem um deslocamento da Força Naval alemã pela Enigma, os britânicos tinham que, por exemplo, enviar um avião para sobrevoar a região onde estava aquelas embarcações, permitir que ele fosse visto e ‘explicar’ o bombardeio a partir dessa detecção feita pela Força Aérea”, conta Ferreira.
Decisiva?
E mesmo mensagens corretamente interceptadas poderiam não refletir em sucesso, como relata o historiador britânico John Keegan no livro “Inteligência na Guerra”. Ele cita, por exemplo, a derrota dos britânicos para os alemães na Batalha de Creta mesmo depois de os primeiros terem conseguido decifrar informações vitais sobre os ataques que ocorreriam, como o contigente de soldados nazistas que desembarcaria –menor que o número das forças de defesa de Creta, inclusive. Mas problemas na interpretação das mensagens e estratégias de combate malsucedidas colaboraram para a vitória alemã neste caso.
Por outro lado, no mesmo livro, Keegan relata a importância dos serviços de inteligência norte-americano e britânico, respectivamente, para as vitórias nas batalhas navais de Midway (contra os japoneses) e do Atlântico (contra os alemães). Keegan argumenta que o êxito no combate direto entre as forças –“o antigo lema de lutar até o fim”, como ele define– determinou de fato a vitória nas batalhas. O conhecimento prévio das posições e das estratégias inimigas, fruto da inteligência, foi de grande importância, mas ainda assim secundário, segundo o autor.
A eficiência da inteligência de cada lado também foi pautada pelo desenrolar do conflito. Apesar de ter contado com um hábil trabalho de criptoanálise no período, a situação da Alemanha se complicou, naturalmente, a partir da entrada de Estados Unidos e União Soviética no conflito. “A inteligência alemã, na fase final da guerra, teve contra si a atuação dos serviços secretos de todas as potências inimigas. Sua derrota se deveu a uma eficiência superior destes ou ao desequilíbrio na correlação de forças? Acho que é a segunda opção”, afirma Ferreira.
Ele mesmo, no entanto, ressalta que “a história completa da atuação dos serviços de inteligência na Segunda Guerra Mundial ainda está para ser contada”. “A documentação referente a esse serviço de inteligência são segredos muito bem guardados, escondidos, e demoram mais tempo para serem publicados –mesmo pertencendo ao Estado, e não à sociedade.”
Enquanto a história ainda não for inteiramente contada, restam para estudo os livros sobre o assunto, os relatos de quem participou e, por que não?, as interpretações de Hollywood.
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