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O dia em que Jean Charles de Menezes salvou a feijoada de Zeca Pagodinho

Santuário em homenagem a Jean Charles na estação de metrô Stockwell, em 2007 - Alessia Pierdomenico/Reuters
Santuário em homenagem a Jean Charles na estação de metrô Stockwell, em 2007 Imagem: Alessia Pierdomenico/Reuters

Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

22/07/2015 00h02

Jean Charles de Menezes era um eletricista de confiança de Luis Carlos de Souza, conhecido como “Luis do Feijão”, que tinha um restaurante brasileiro que servia como um famoso ponto de encontro da comunidade em Londres. O local – apropriadamente chamado “Feijão do Luis” – teve toda a instalação elétrica feita pelo mineiro, meses antes de sua morte no metrô Stockwell, em 22 de julho de 2005.

Depois de concluir o trabalho no edifício de quatro andares na Oxford Street, Jean continuou requisitado para eventuais manutenções. E uma delas surgiu em um dia muito especial para o proprietário do restaurante self-service, que entrou em desespero quando a máquina que esquentava a comida parou de funcionar pouco antes da chegada anunciada de Zeca Pagodinho ao local.

“A porcaria queimou e eu entrei em desespero. Como ia fazer? Servir comida fria? Se queima o banho-maria no self-service, acabou. Liguei para o Jean, que estava fora de Londres naquele dia. Ele largou tudo, chegou e resolveu meu problema. Teve feijoada para o Zeca”, lembra Luis do Feijão em entrevista ao UOL.

A história, inclusive, inspirou uma cena do filme “Jean Charles” (2009), do diretor Henrique Goldman, quando o personagem principal, vivido por Selton Mello, ajuda a “salvar” um show de Sidney Magal em uma casa londrina, consertando o sistema de som e recebendo aplausos da plateia. “Não sei por que inventaram essa história. A salvação do Jean foi essa do Zeca Pagodinho.”

Luis Carlos de Souza, dono do restaurante "Feijão do Luis", local onde Jean Charles de Menezes trabalhou em Londres - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luis Carlos de Souza, o "Luis do Feijão"
Imagem: Arquivo pessoal

Jean conseguiu o serviço no “Feijão do Luis”, onde trabalhou por cerca de um ano, de forma natural – o restaurante era referência para os brasileiros não só no aspecto gastronômico, mas também como um pequeno polo cultural. “Era para os brasileiros que chegavam em Londres e buscavam casa, trabalho e sociedade, sem saber como funcionava a vida em Londres, quais os meios de sobrevivência ali. E o Jean era um cliente.”

“Eu sabia que ele era eletricista. Fiquei sabendo disso quando ouvi a história de que ele aprendeu a mexer com isso no Brasil porque não tinha luz na casa dele [na cidade mineira de Gonzaga]. Ele não entendia por que motivo a casa do amigo dele tinha luz e a dele não, daí fez um curso por correspondência para aprender.”

Segundo o proprietário, a lembrança que ele tem de Jean Charles era do mineiro “humilde, quieto e muito simples”, diferente do personagem interpretado por Selton Mello, falante e mais expansivo. “Quando ele me cobrava o serviço, por exemplo, ele ia ao restaurante, almoçava primeiro e só quando estava indo embora vinha falar, tímido: ‘Luis, dá para a gente acertar aquele negocinho?’ E aí, claro, eu falava para ele correr no caixa e pegar o dinheiro.”

Luis do Feijão não se lembra de Jean Charles trabalhar com documentação ilegal para brasileiros como é sugerido no filme – “não vou dizer que é mentira porque não sei, mas é muito estranho, nunca vi ele fazer nada de errado” – e guarda uma lembrança da sexta-feira em que ele foi morto pela polícia. “O Jean faria um trabalho para mim naquele dia. Eu ia pagar 80 libras, que acabei pagando aos pais deles quando eles foram a Londres.”

Hoje com 59 anos, após 28 na capital britânica, Luis do Feijão mora no Rio de Janeiro e cogita retornar a Londres, onde começou trabalhando como lavador de prato e vendedor de amendoim doce e sorvete. Assim, ganhou dinheiro para fazer um curso de chef e abrir seu próprio negócio, em uma história típica do imigrante brasileiro que chega para sobreviver em outro país – um paralelo com a trajetória do próprio Jean Charles.