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Vozes de Teerã: iranianos falam de medos com saída dos EUA do acordo nuclear

A arquiteta Shadi Gholami não sentiu diferença em sua vida com a assinatura do acordo em 2015 - Ebrahim Noroozi/AP
A arquiteta Shadi Gholami não sentiu diferença em sua vida com a assinatura do acordo em 2015 Imagem: Ebrahim Noroozi/AP

Da Associated Press

Em Teerã

09/05/2018 04h00

Dias antes de Donald Trump anunciar a saída dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã - fato consolidado na última terça-feira (8), o clima nas ruas de Teerã, a capital, era de medo e preocupação. As vitrines das casas de câmbio que mostravam a taxa de conversão entre o rial (moeda iraniana) e o dólar estavam apagadas, enquanto no mercado negro a moeda americana chegava a 70 mil riais (a taxa oficial mais recente eram 42 mil reais).

Por ora, embora os EUA tenham cancelado unilateralmente sua participação no acordo, os governos europeus e o iraniano demonstraram interesse em dialogar. Mas nada é certo para quem mora no Irã.

Às vésperas do anúncio, a agência de notícias norte-americana Associated Press ouviu a população iraniana sobre o assunto. Bairros comerciais geralmente lotados de recém-casados comprando geladeiras agora estão vazios, uma vez que as pessoas guardam dinheiro. Algumas falam abertamente sobre deixar o país rumo a qualquer outro lugar. 

Mohammad Khaleghi, 27, diz que o futuro do Irã parece mais incerto ante as ameaças de Trump - Ebrahim Noroozi/AP - Ebrahim Noroozi/AP
Mohammad Khaleghi, 27, diz que o futuro do Irã parece mais incerto ante as ameaças de Trump
Imagem: Ebrahim Noroozi/AP

Estamos todos pensando sobre o futuro incerto que nos aguarda" Mohammad Khaleghi, 27, comerciante

"Todos estão com medo do futuro - eu também. Não sei o que vai acontecer, se vou sobreviver nesse negócio ou não. Essa situação diz respeito a todos nós", completou Khaleghi.

O ambiente tenso da capital iraniana antes do anúncio de Trump contrastava com o clima festivo das ruas iranianas, quando o acordo foi feito em 2015.

Naquela época, os iranianos tinham esperança de que o país deixasse de ser visto como inimigo do Ocidente. E muitos elogiavam o presidente Hassan Rouhani e os políticos moderados por eliminarem as sanções econômicas que esmagavam o Irã devido a seu programa nuclear. 

Hoje, no entanto, poucos conseguem apontar um benefício do acordo nuclear. 

"Não sentimos nenhum impacto em particular em nossa economia, nem em nossa vida", diz Shadi Gholami, arquiteta de 25 anos. "É como se o tal acordo nem existisse."

Ainda que o tratado tenha oferecido um alívio ao permitir que o Irã vendesse petróleo e gás natural no mercado internacional, ele não ajudou a resolver os altos índices de desemprego, em particular entre os jovens do país de 80 milhões de habitantes. Os bancos continuam atolados em dívidas, devido a empréstimos feitos quando as sanções estavam em vigor. E a corrupção no governo também persiste. 

Ali Forouzi, 33, acha que iranianos não deveriam culpar sempre Donald Trump pelos problemas econômicos do Irã - Ebrahim Noroozi/AP - Ebrahim Noroozi/AP
Ali Forouzi, 33, acha que iranianos não deveriam culpar sempre Donald Trump pelos problemas econômicos do Irã
Imagem: Ebrahim Noroozi/AP

Não é legal sempre culpar os outros, como os EUA e o Trump, por nossos problemas", Ali Forouzi, 33, engenheiro

"Acredito que a raiz da questão está no próprio país", diz Forouzi. "Se formos fortes o suficiente internamente, ninguém de fora conseguirá nos atingir. Mas infelizmente nossos problemas vêm de dentro. Isso inclui a falta de coordenação entre o governo e os demais órgãos, assim como entre as pessoas", avaliou.

E o engenheiro não é o único a pensar assim.

Ladan Shiri, 33, acha que o maior problema do Irã é a corrupção interna, e não as decisões de Trump - Ebrahim Noroozi/AP - Ebrahim Noroozi/AP
Ladan Shiri, 33, acha que o maior problema do Irã é a corrupção interna, e não as decisões de Trump
Imagem: Ebrahim Noroozi/AP

Nossos problemas econômicos não têm nada a ver com o acordo, nem com Trump. Nosso problema é que nossos governantes só pensam no próprio bolso" Ladan Shiri, 33, gerente de uma empresa privada.

O Irã não é árabe

Apesar da autocrítica, muitos iranianos também criticam Trump. Em uma ocasião, ele chamou o país de "Golfo Árabe", em vez de Golfo Pérsico, despertando a ira dos iranianos, que têm língua e cultura persa - tradição que historicamente resistiu às tentativas árabes de se impor na região.

Trump também é rejeitado por suas críticas ao acordo nuclear e por ter vetado os iranianos de viajarem aos Estados Unidos. Mas nem essas críticas são unânimes. Para os iranianos "linha dura", as ações de Trump são bem-vindas, uma vez que permitem reforçar o discurso de que os EUA são o "grande satã" dos anos pós-revolução. 

Seyed Reza Mousavi, clérigo xiita de 58 anos, diz que o acordo "desarmou superpotências" e mostrou a força do Irã.

"Não temos medo da decisão de Trump, vamos resistir sem hesitar", diz ele. "Não vamos ser prejudicados mesmo que ele saia do acordo. Nós escolhemos nosso caminho e os Estados Unidos é que sairão prejudicados."

Uma das formas pelas quais os EUA poderiam ser prejudicados é em relação à Coreia do Norte, diz Alireza Yarmohammadi, diretor de 52 anos de uma empresa do ramo de saúde e cosméticos. Para ele, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, pode não levar Trump a sério com a aproximação da conversa entre os dois líderes. 

Alireza Yarmohammadi, 46, não acreditava que Trump fosse de fato deixar o acordo - Ebrahim Noroozi/AP - Ebrahim Noroozi/AP
Alireza Yarmohammadi, 46, não acreditava que Trump fosse de fato deixar o acordo
Imagem: Ebrahim Noroozi/AP

A Coreia do Norte não vai querer assinar um acordo com um país que foi desleal com outro acordo que tem apenas dois anos de vigência. Além disso, outro presidente pode vir depois e dizer que não aceita o que o anterior decidiu." Alireza Yarmohammadi, diretor de empresa de cosméticos

Diante desse contexto, cada vez mais, os iranianos falam em deixar o país em busca de uma vida melhor no exterior. A Europa ocidental permanece como uma opção para aqueles com laços na região. Pessoas com mais dinheiro vão para Armênia, Geórgia e Sérvia para comprar uma cidadania. 

"Por vezes eu penso que se quisesse ter uma vida melhor deveria migrar do Irã", diz Gholami, a arquiteta. "Esse pensamento está sempre comigo." E acrescenta: "Eu queria que aqui fosse um lugar onde eu pudesse viver em paz ao lado de meus amigos e de minha família. Mas por vezes as coisas ficam tão amargas que não temos opção."