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Análise: Trump e Kim cantam vitória, mas verdadeiro vencedor não foi a Singapura

Thiago Mattos*

Especial para o UOL, em Seul

12/06/2018 08h42

Neste dia dos namorados, Donald Trump e Kim Jong-un se juntam a Richard Nixon e Mao Tse-tung, Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev na lista dos casais improváveis que mudaram o curso da história com seus encontros indiscutivelmente históricos. Porém, como quase sempre acontece no amor e na guerra, o primeiro instinto é buscar um vencedor quando a poeira baixa.

Existem muitas narrativas possíveis quando se olha para o texto pouco substantivo que foi assinado pelos dois líderes no final desta cúpula, e antes mesmo que algo seja concretamente feito a batalha discursiva já começou para definir um campeão.

A tese dos que sustentam um sucesso de Trump é de que nenhuma concessão teria sido feita para organizar a cúpula, e que o súbito comprometimento de Kim com a desnuclearização seria fruto da postura irredutível do americano.

No entanto, é difícil não perceber a reunião em si como uma concessão do lado dos EUA e, consequentemente, uma vitória norte-coreana. Ao aceitar o convite de Pyongyang, os EUA concedem àquele governo um status que este vem buscando há décadas: o de um Estado normal e legítimo com o qual as grandes podem dialogar. As imagens de Kim Jong-un fazendo seu tour e tirando selfies por Singapura e apertando a mão de Xi Jinping em raras viagens a China só mostram o desejo do líder de superar o rótulo de seu país como um Estado ermitão.

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Mais notável ainda é a controversa promessa de que os EUA 'forneceriam garantias de segurança' para a Coreia do Norte durante o processo de desnuclearização - um termo vago, mas que em subsequente coletiva de imprensa por Trump foi esclarecido como a suspensão dos exercícios militares na costa norte-coreana (condenados por gerações pela Coreia do Norte).

A redução das tropas na Coreia do Sul, outra demanda antiga de Kim, ainda não acontecerá, segundo Trump - apesar de expressar, como na época de campanha, seu desejo para que isto acontecesse, para o pavor dos conservadores nos EUA e na Coreia do Sul. Nestes termos tão ambíguos e tímidos, contudo, tampouco é claro, ou no mínimo prematuro, declarar vitória a Kim.

Com as figuras erráticas dos dois líderes, fica fácil esquecer que talvez os verdadeiros vencedores e reais estrategistas estejam do outro lado da península coreana. A condução diplomática da Coreia do Sul na atual montanha-russa diplomática que se tornou o Leste Asiático tem sido mais consciente e criativa do que a de Trump.

Muito disso se deve à figura do presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in. Como um advogado liberal de direitos humanos e detentor de uma história pessoal e emocional conectando-se à parte norte da península, Moon assumiu um papel ativo nas negociações. Foi Moon quem enviou o convite à delegação norte-coreana para participar das festividades dos Jogos Olímpicos (um ato friamente recebido por Pyongyang nos estágios iniciais que exigiram muito esforço diplomático - e financeiro - para ser realizado).

Foi também ele quem tem reunido quase semanalmente equipes de especialistas sul-coreanos, na surdina, para visitar o Norte e traçar planos de cooperação conjunta.

Para além de todo o ceticismo e dramaturgia envolvida neste encontro, se a paz realmente for assinada na península coreana, talvez a melhor postura seja de fato a de Moon Jae-In - ciente dos absurdos, deixar que o casal Kim-Trump tome seus louros e aplausos, pois existem coisas mais importantes.

*Thiago Mattos é Mestre em Relações Internacionais pela UERJ e pesquisador de Políticas Públicas no Korean Development Institute (KDI). Atualmente mora em Seul e trabalha para a Embaixada do Brasil no país.