Ex-preso de Guantánamo, sírio recomeça vida vendendo comida no Uruguai
Em um stand no Mercado Agrícola de Montevidéu, o sírio Ahmed Adnan Ahlam, 41, espera que alguém se aproxime para comprar os doces e salgados que produz. O espaço é pequeno, tem cerca de dois metros quadrados, mas está em um dos corredores centrais de um dos principais pontos turísticos da capital uruguaia
Sua rotina hoje é bem diferente de quatro anos atrás, quando estava na prisão militar da base naval dos Estados Unidos em Guantánamo, Cuba. O sírio esteve preso lá por “13 anos e 4 meses”, como lembra com exatidão. Também se recorda que chegou ao Uruguai em dezembro de 2014 e que há 20 anos está longe de seu país.
Perguntado sobre o tempo que esteve preso, diz: “não penso; não gosto de me lembrar do que aconteceu. Estou pensando no futuro, nada mais”. A resposta é parecida quando questionado sobre as circunstâncias de sua prisão: “prefiro olhar para o futuro”.
O máximo que Ahmed aceita retroceder na memória é 7 de dezembro de 2014, data de sua chegada a Montevidéu.
Pouco depois de se estabelecer na cidade, ele começou a pensar em formas de se sustentar. Descartou voltar a se dedicar ao seu antigo ofício de joalheiro, “porque aqui não tem muita matéria-prima”. “Busquei o que era mais viável economicamente para conseguir dinheiro e me sustentar”, fala de forma tranquila e em espanhol claro.
Conversando com parentes na Síria, surgiu a ideia de produzir e vender doces e salgados árabes, mesmo nunca tendo cozinhado durante o tempo que viveu em seu país.
“Eu pedi receitas aos meus parentes e também tenho amigos que têm restaurantes, lojas de doces especiais. Fui testando uma, duas, três, várias vezes até chegar ao ponto de conseguir fazê-los bem”.
Ahmed demorou entre seis a oito meses testando e aperfeiçoando as receitas, até começar a vender o que produzia pela internet. “No começo foi um pouco difícil para mim porque não tinha os materiais, os ingredientes típicos, mas agora está muito melhor”. O sírio conta que o passo seguinte foi vender seus produtos nas feiras da cidade.
Foram cerca de três anos assim até conseguir o apoio de uma empresa incubadora ligada à prefeitura da capital uruguaia para ter um espaço fixo. “No Facebook, muita gente faz pedidos, o problema é para levar os produtos até os clientes ou onde eles possam ir buscar. Tendo um ponto fixo, mesmo que seja pequeno, é melhor”.
Presos de Guantánamo no Uruguai
Há quase quatro anos, Ahmed chegou a Montevidéu junto com outros cinco ex-presos de Guantánamo. Eram quatro sírios, um palestino e um tunisiano. Todos tinham sido presos suspeitos de ligação com o grupo terrorista Al Qaeda. Em território uruguaio, eles receberam o status de refugiados.
A transferência foi fruto de um acordo entre os então presidentes dos EUA e do Uruguai, Barack Obama e José Pepe Mujica, respectivamente, dentro do esforço do governo norte-americano da época de encerrar as atividades da base naval em Cuba -- alvo de denúncias de tortura e violação aos direitos humanos por parte da comunidade internacional. Presos também foram transferidos para outros países.
Segundo a imprensa uruguaia, o sírio Ali Shabaan vive atualmente com sua companheira e dá aulas de inglês e árabe. O sírio Omar Faraj e o tunisiano Adel Bin Mohammed El Ouerghi trabalham em um estacionamento que funciona no térreo de um centro islâmico; ambos foram denunciados por violência doméstica por suas ex-companheiras. O palestino Mohammed Tahamatan se casou com uma uruguaia convertida ao islã e tem um filho.
O sírio Jihad Diyab foi o que mais gerou problemas ao governo do país. Ele protagonizou manifestações em frente à embaixada dos Estados Unidos em Montevidéu, fez greves de fome e tentou sair do Uruguai repetidas vezes. Reivindicava poder reencontrar sua família e protestava pela liberação dos que ainda estavam presos em Guantánamo.
De acordo com a agência de notícias russa Sputnik, em junho deste ano, Jihad foi detido na Turquia com um passaporte falso e deportado para a Síria. Na Turquia, vivem sua mulher e filhos. O governo uruguaio não se manifestou sobre o paradeiro de Jihad.
Prisão de Guantánamo
Em 2002, foi criada uma prisão militar na base naval dos Estados Unidos em Guantánamo, para onde passaram a ser levados suspeitos de terrorismo. Das cerca de 800 pessoas que foram mantidas presas no local, atualmente restam em torno de 40, segundo a imprensa norte-americana.
A base naval ocupa um espaço de pouco mais de cem quilômetros quadrados no sudeste de Cuba. O território está sob o controle do governo norte-americano desde o começo do século 20, por causa de um acordo entre os presidentes dos dois países da época como contrapartida pelo apoio dos EUA à independência cubana da Espanha.
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