Radicalização, Bolsonaro, menção a Deus: o que surpreende os estrangeiros cobrindo eleições
“O Brasil não é para principiantes” diz a italiana Valeria Saccone, correspondente do canal de televisão France 24, parafraseando Tom Jobim. Há quase cinco anos no Rio, ela já cobriu as eleições presidenciais de 2014 e, ainda assim, acha o processo eleitoral e a campanha aqui difíceis não só de entender, mas principalmente de explicar para os espectadores no exterior.
“Às vezes você vê uma coisa, mas acaba entendendo que é justamente o contrário, ou aparece uma liminar que anula tudo”, concorda o espanhol Joan Royo, correspondente no Brasil para o serviço em castelhano da agência russa Sputnik.
Para os correspondentes estrangeiros no Brasil, além de imprevisibilidade nacional, chama atenção aquilo que classificam de "radicalização" do pleito deste ano. Eles também citam os ataques entre candidatos, a onipresença das menções a Deus e os jingles nas campanhas como elementos que surpreendem.
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Polarização
"Estamos diante de um tabuleiro muito polarizado, eu não tinha visto isso nos últimos 13 anos que levo no país”, diz Francho Barón, correspondente da CNN en Español
Polarização e radicalização da política brasileira, aliás, são elementos centrais nas crônicas dos correspondentes no Brasil.
O jornalista argentino Alberto Armendáriz relata para os leitores de La Nación que esse ambiente de radicalização já ultrapassou a política e pode ser percebido na rua, algo que ele diz não ter notado no país antes, há oito anos morando aqui.
Nesse ambiente de "Fla-Flu" que domina a política nacional, os correspondente ouvidos pela reportagem do UOL avaliam que os brasileiros parecem mais focados em votar “contra” um candidato do que achar um da sua preferência.
Para Peter Prenganman, da agência Associated Press, dos Estados Unidos, isso é consequência em parte do sistema eleitoral em dois turnos, diferente do país norte-americano. “Muitas pessoas votam em um candidato, mas no segundo turno têm que escolher outro. Isso não existe nos Estados Unidos”, diz.
Bolsonaro versus Trump
Líder nas pesquisas de opinião, o candidato Jair Bolsonaro (PSL) protagoniza os relatos e as conversas dos jornalistas estrangeiros.
Para Barón, da CNN hispana, os correspondentes foram surpreendidos pela ascensão rápida de um candidato que considera "tão radical". Armendáriz, de La Nación, diz ter preocupação com as "ideias extremistas do candidato” -- as quais, segundo ele, não teriam espaço no país vizinho.
Sobre a comparação do capitão reformado brasileiro e Donald Trump, o magnata à frente do governo dos EUA, Prengaman contemporiza.
Bolsonaro é parecido com Trump por falar com clareza, sem se importar se ofende. Mas se apresenta como uma proposta de fora do sistema, sendo basicamente um político, ao contrário do Trump, que era homem de negócios.
O tom da campanha também grita aos olhos dos estrangeiros. "O Brasil permite publicidade contra. Isso na Europa seria proibido. Não pode falar mal de outros candidatos. É considerado antiético", diz a italiana Saccone.
Propaganda, musiquinhas e debates
Os correspondentes também se impressionam com o malabarismo dos candidatos brasileiros para conquistar a preferência dos eleitores.
“Nos Estados Unidos não tem horário eleitoral gratuito, aqui a propaganda é massiva, até na rua", diz o fotógrafo americano Douglas Engle, há 18 anos no país, com trabalhos publicados em veículos como The New York Times e Al Jazeera.
Valeria Saccone, do France 24, se admira "da capacidade musical dos brasileiros: tem jingles com funk, samba ou sertanejo: não acontece isso na Europa”.
"Eu particularmente adoro, diz muito da cultura musical do brasileiro, que está em tudo", diz Royo, da Sputnik.
Para os jornalistas estrangeiros, tanto esforço para convencer os eleitores pode estar ligado ao número elevado de partidos e candidatos no país.
"O que mais me chocou quatro anos atrás, quando cobri eleições no Brasil pela primeira vez, foi a questão dos números: um para cada pessoa! E também um logotipo, panfletos, jingle, bandeiras.. tem toda uma indústria ao redor das eleições", diz Royo.
Ele também aponta os debates como um marcador de diferença nas campanhas daqui. "Como ponto positivo, os candidatos estão muito expostos o tempo todo. Na Espanha, no máximo fazem um ou dois debates. Os partidos lá têm tanto medo de deixar o candidato falar que colocam mil condições... Os brasileiros reclamam dos debates daqui por serem muito engessados, mas poderia ser bem pior!", diz.
Royo também avalia que a exposição é importante levando-se em conta que “ainda tem no Brasil muita população sem conexão a internet. Nem tudo se decide nas redes sociais”.
Prengaman, da AP, discorda e lembra que Bolsonaro, com muito menos tempo de TV do que Geraldo Alckmin, lidera as pesquisas. Para ele, é reflexo do poder do Whatsapp nas campanhas brasileiras.
Diante de um cenário tão complexo, nenhum correspondente se arrisca a cravar uma previsão de quem será o próximo presidente do Brasil.
“Brasil sempre surpreende, tudo pode acontecer” diz Issac Risco, da agência alemã DPA. Para Royo, os próximos “não vão ser meses fáceis, a crise atual pode até ser aprofundada, o próximo governo vai ter poucos votos de diferença em relação ao segundo candidato, não será muito forte e será muito contestado”.
Em uma crítica velada às menções religiosas no debate, Saccone brinca e diz que "não dá para deixar o futuro em mãos de Deus".
“É inexplicável que todos os candidatos falem em Jesus e em Deus. [Na Europa], a gente tem separação, e o Estado é laico. Para um votante médio lá, seria um ponto negativo ouvir um candidato falando em Deus”.
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