China pede que Câmara não fique a favor de Taiwan; deputados veem 'pressão'
Resumo da notícia
- Embaixada chinesa enviou carta à Casa na qual pede que parlamentares se abstenham de opinar sobre independância de Taiwan
- Há deputados que enxergaram pressão indevida do governo chinês no Parlamento brasileiro
- Apesar da parceria comercial estratégica, relação diplomatática entre Brasil e China tem enfrentado obstáculos
- Integrantes do governo Bolsonaro e filho do presidente atacaram o país asiático
A Embaixada da China no Brasil enviou uma carta à Câmara dos Deputados pedindo que os deputados federais não se manifestem a favor de Taiwan. A ilha é considerada pela China como parte de seu território, mas tem líderes eleitos e economia própria, e vive em torno de discussões de uma possível independência.
Há deputados que enxergaram uma pressão indevida do governo chinês no Parlamento brasileiro.
A presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, se reelegeu e tomou posse para seu segundo mandato em 20 de maio deste ano. Ela é um dos principais nomes do partido DPP, com viés pró-independência da China continental.
Assim como a maioria dos países, o Brasil mantém relações diplomáticas com a China sem considerar Taiwan uma nação independente. A China defende o princípio "Uma só China". Ou seja, a unificação de territórios hoje tidos como potencialmente rebeldes.
Por isso, a Embaixada da República Popular da China enviou uma carta à Câmara dos Deputados na semana passada pedindo que os parlamentares não exaltassem Taiwan ou parabenizassem a presidente.
"A questão de Taiwan é assunto interno da China e relacionada diretamente aos interesses fundamentais do país", escreveu a embaixada no texto.
"O lado chinês aprecia o fato de que a Câmara dos Deputados tem respeitado o princípio de 'Uma só China'. [...] Seria muito agradecido se a Câmara [...] pudesse tomar as medidas necessárias e preventivas com vistas a conscientizar os deputados da sensibilidade da questão de Taiwan, evitar gestos ou atitudes que possam ser prejudiciais ao princípio de 'Uma só China', como participar da posse referida, mandar mensagens de felicitação às autoridades de Taiwan, ou manter contatos oficiais com estas", acrescentou.
Nem todos os deputados enxergaram a atitude com bons olhos. Parte dos parlamentares critica o posicionamento duro dos chineses, mas prefere não tornar as reclamações públicas. O deputado Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), porém, reclamou da carta explicitamente nas redes sociais.
À reportagem ele disse que a embaixada intimidou os deputados e feriu a independência da Câmara. Para ele, houve uma ofensa ao Parlamento e não era admissível se calar.
"Foi uma tentativa de intimidação clara. Tenho respeito, o Brasil tem relações oficiais super importantes com a China, mas não é por termos relações que dá o direito à República Popular da China apontar o dedo para o parlamento brasileiro e determinar o que vai falar ou não", disse Martins.
Nesta terça-feira (26), no Twitter, Tsai Ing-wen agradeceu a todos os "amigos no Brasil pelas gentis congratulações" e disse esperar que todos estejam seguros e saudáveis, por causa da pandemia do coronavírus.
O secretário de Relações Internacionais da Câmara, deputado Alex Manente (Cidadania-SP), afirmou que o órgão responsável pelo contato com delegações e Parlamentos estrangeiros segue os rumos da diplomacia brasileira.
Procurada pelo UOL, a assessoria da Presidência da Câmara informou que não se manifestará. O Escritório Econômico e Cultural de Taipei no Brasil inicialmente também disse que não se manifestaria. Porém, nesta quinta-feira (28), enviou à reportagem a seguinte nota:
"O Ministério das Relações Exteriores de Taiwan afirmou na coletiva de imprensa que a liberdade de expressão é o direito fundamental do povo, e que a democracia é o valor em comum compartilhado entre Taiwan e o Brasil, mas obviamente a ditadura não consegue compreender isso. O Ministério das Relações Exteriores [de Taiwan] expressou sua admiração pela coragem do deputado Paulo Eduardo Martins em defender a democracia. O governo taiwanês mais uma vez expressa sua sincera gratidão aos estadistas do Brasil e de outros países do mundo por felicitarem a presidente Tsai por sua reeleição e posse, e também, pelo apoio e amizade demonstrados à comunidade internacional".
A reportagem também procurou a Embaixada da República Popular da China no Brasil e o Ministério das Relações Exteriores, e aguarda resposta.
Tensão após declarações de Eduardo Bolsonaro
Embora o Brasil e a China mantenham uma parceria comercial forte — inclusive com visitas dos respectivos presidentes já realizadas —, a relação do país asiático com o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não tem sido das melhores.
Além de críticas reservadas do presidente Bolsonaro à China, seu filho e deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), responsabilizou o governo chinês pela pandemia do novo coronavírus, em março. A China foi o primeiro lugar a registrar casos do vírus no mundo.
"Quem assistiu Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. Mais uma vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas", escreveu Eduardo Bolsonaro.
A reação veio quase que de forma imediata por meio de mensagem do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, nas redes sociais. Ele afirmou que Eduardo é uma "pessoa sem visão internacional nem senso comum, sem conhecer a China e o mundo", entre outras críticas. O deputado negou que tenha ofendido o povo chinês.
Na época, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que as declarações de Eduardo não representavam o posicionamento brasileiro, porém, pediu uma retratação à embaixada chinesa. Ao fim, a situação foi amenizada apenas quando Jair Bolsonaro conversou ao telefone com o presidente da China, Xi Jinping.
"Aquele cara que você tem que aguentar"
Nesta semana, a Embaixada da China no Brasil divulgou uma nota em que afirma que a parceria entre os dois países "corresponde aos interesses dos dois estados e dos dois povos".
A manifestação chinesa aconteceu após a liberação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Na ocasião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que "a China é aquele cara que você sabe que tem que aguentar" ao falar sobre as exportações do Brasil para o país asiático.
*Colaborou Antonio Temóteo, do UOL, em Brasília
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