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Cotidiano

Ação da polícia contra desmanche prende 15 operários e não localiza chefe

Policiais civis do Rio de Janeiro foram até uma empresa de reciclagem em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, em 25 de novembro de 2024, averiguar uma denúncia anônima que apontava que o local funcionaria como um desmanche de carros roubados no Complexo do Chapadão, zona norte da capital fluminense.

Na empresa, os policiais encontraram quatro carros que haviam sido roubados dias antes em já processo de desmanche. No momento da averiguação, havia 15 pessoas na sede da empresa, entre funcionários com carteira de trabalho registrada e trabalhadores terceirizados contratados para reformar o local.

Os 15 operários foram levados até a 59ª DP (Delegacia de Polícia), em Duque de Caxias, onde tiveram a prisão em flagrante lavrada. Depois da audiência de custódia, as prisões foram convertidas em preventivas. O MP (Ministério Público) ofereceu denúncia e a 3ª Vara Especializada em Organização Criminosa os tornou réus.

Carros em processo de desmanche em empresa de reciclagem em Duque de Caxias
Carros em processo de desmanche em empresa de reciclagem em Duque de Caxias Imagem: Reprodução/inquérito

Todos os 15 detidos moram em bairros com população de baixa renda na cidade da Baixada Fluminense. Eles estão na cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona central do Rio, desde então.

O dono da empresa ProRecicle, Rodrigo Barroso Pinheiro de Faria, 45, morador do bairro Humaitá, zona sul da capital, também denunciado pelo MP, já havia sido preso, em novembro de 2019, pelo crime de receptação no mesmo local: a sede de sua empresa.

Rodrigo Barroso Pinheiro de Faria, chefe da empresa de reciclagem que funcionava como desmanche de carros roubados
Rodrigo Barroso Pinheiro de Faria, chefe da empresa de reciclagem que funcionava como desmanche de carros roubados Imagem: Reprodução/inquérito

A empresa ProRecicle, no Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, foi aberta em julho de 2004. O local foi interditado pela Polícia Civil logo depois da averiguação e das detenções.

Segundo o MP, os carros roubados por integrantes do CV (Comando Vermelho) do Chapadão eram levados em um caminhão, semanalmente, para que Faria realizasse os desmanches.

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Policiais cumpriram mandado de busca e apreensão na casa de Faria, mas ele não foi localizado. Até esta publicação, permanecia foragido da Justiça. "Na ação penal a qual responde, nunca foi encontrado para ser citado, em uma clara tentativa de frustrar a persecução penal e permanecer impune", diz a Polícia Civil.

A reportagem não localizou a defesa de Rodrigo Faria.

Quem são os 15 operários

  • Adilson Ferreira da Silva, 49;
  • Amilton Venesiano Pereira, 28;
  • Antônio Carlos Siqueira Lima, 55;
  • Antônio José de Castro, 53;
  • Clayson Borda de Paula, 23;
  • Darllan Costa Rodrigues, 29;
  • Ismael Silva de Lima, 28;
  • José Carlos Nascimento de Melo, 51;
  • Lucas Jorge Silva, 30;
  • Matheus Araujo de Carvalho Martins, 29;
  • Nerivaldo Pereira da Silva, 51;
  • René Rogério Silvestre, 44;
  • Rodrigo Vieira da Silva, 37;
  • Wesley Gonçalves da Silva, 23;
  • Wesley Oliveira dos Santos, 32.
Operários manuseiam lixo em empresa de reciclagem alvo da Polícia Civil
Operários manuseiam lixo em empresa de reciclagem alvo da Polícia Civil Imagem: Arquivo pessoal

O que as defesas deles dizem

Darllan Costa Rodrigues é pai solo de um menino de 3 anos e nunca teve envolvimento com nenhum tipo de crime, diz a defesa. "O contracheque em anexo evidencia que Darllan era contratado como mero auxiliar administrativo, exercendo também a função de ASG, não deixando dúvidas que se tratava de um trabalho honesto", afirma o advogado.

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José Carlos Nascimento de Melo tem hipertensão arterial sistêmica, diabetes e estava no local errado na hora errada, diz a defesa. "O mesmo não possui nenhum vínculo formal com a empresa em questão, e no momento do flagrante, apenas estava prestando serviço de reparo de solda", afirma o advogado.

Matheus Araujo de Carvalho Martins cumpria aviso prévio na empresa, diz a defesa. "O mesmo trabalhava como auxiliar administrativo, possuindo carteira assinada. Todavia, Matheus já estaria com seu aviso prévio aprazado para ser devidamente assinado na sexta-feira na semana dos fatos, no dia 29 de novembro de 2024", afirma o advogado.

A versão se resguarda no fato de que Matheus recentemente concluiu seu ensino superior em Contabilidade. Assim, sairia da empresa para que pudesse trabalhar nos negócios da família, como contador
Defesa de Matheus Martins

Clayson Borba de Paula é faxineiro, com carteira registrada, e sustenta a mulher e a filha de 4 anos, diz a defesa. "É funcionário da empresa há dois anos, sendo sua atuação dentro dela meramente a de varrer, limpar e carregar alguns fardos", afirma o advogado.

Adilson Ferreira da Silva não tinha responsabilidade ou ciência sobre produtos que chegavam na empresa, diz a defesa. "A vida do indiciado é ir para o trabalho, bater o ponto, ligar a máquina que opera, aguardar as instruções e fazer o que determinam para pegar sucatas de um lado e colocar em um outro lado", afirma o advogado.

Nerivaldo Pereira da Silva prestava serviço como pintor de caçamba na hora do flagrante, diz a defesa. "Presta serviços freelancer na função de pintor de caçamba, que, na verdade, trabalha para um terceiro que se responsabiliza em ajustar com o proprietário da empresa a empreitada. Ou seja, o acusado sequer tem contato com o dono da empresa", afirma o advogado.

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Antonio José de Castro trabalhava, com carteira registrada, desde 2022, como auxiliar de serviços gerais, diz a defesa. "Um homem pobre, com deficiência na perna, trabalhador com carteira assinada, primário, com residência fixa, sem passaporte. Com boa conduta social, que apenas exercia a sua função de trabalhador do setor de serviços gerais", afirma o advogado.

Operário manuseia lixo em empresa de reciclagem alvo da Polícia Civil
Operário manuseia lixo em empresa de reciclagem alvo da Polícia Civil Imagem: Arquivo pessoal

"Bandido não é CLT"

A operadora de máquina Edivania Borges de Oliveira, 52, mãe de Wesley Oliveira dos Santos, afirma que tanto seu filho como os demais colegas de trabalho dele não tinham como saber que, em meio à sucata, havia itens ilegais.

"Segundo os meninos, sempre foi passado pra eles que eram peças de carros de leilão. Patrão não vai chegar e te dar explicação do que entra e sai da empresa. Ainda mais para um peão. Eles não imaginavam que tinha coisa errada lá", diz, em entrevista ao UOL.

A delegada diz que eles foram presos em flagrante. Flagrante do quê? De estar trabalhando, com carteira assinada e uniforme da empresa?
Edivania, mãe de Wesley

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Faxineiro varre empresa de reciclagem alvo da Polícia Civil
Faxineiro varre empresa de reciclagem alvo da Polícia Civil Imagem: Arquivo pessoal

Wesley estava prestes a completar 4 anos de empresa. No local, ele fazia todo tipo de trabalho exigido pelo empregador: desde ajudar a retirar materiais de caminhão até coletar materiais e manusear equipamentos.

"Pegaram esses 15 funcionários que estavam no pátio falando que iam levá-los na delegacia para depor. Foram cinco em cada carro e ainda pegaram o carro de um dos funcionários da empresa para levar para depor. Era para depor apenas. E nunca mais voltaram para casa", afirma a mãe.

Edivania conta que os policiais gravaram os funcionários saindo da empresa e repassaram as imagens para a imprensa. As imagens foram transmitidas em emissoras de televisão.

"Todos eles são pais de família. Pessoas que estavam trabalhando para levar o sustento da casa. Meu filho era o provedor da casa. No dia que meu filho apareceu na televisão como bandido, meu neto ficou horrorizado e está impactado até agora", diz Edivania.

MP acusa, Direitos Humanos contrapõe

O Ministério Público afirma que "de forma livre, consciente e voluntária", os 15 homens integraram a organização criminosa que tinha como objetivo desmanchar os carros roubados a mando dos traficantes do Complexo do Chapadão.

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"A equipe policial se deparou com uma grande máquina fazendo a prensa de diversas partes de veículos já cortados e com dezenas de funcionários trabalhando simultaneamente na prensa e pesagem dos carros", diz a Promotoria.

O MP também afirma que, "apesar de ser formalmente destinada à reciclagem, [a empresa] realizava atividades espúrias de recebimento de veículos produtos de crimes anteriores, servindo como desmanche para outros grupos criminosos, e ao processo de compactação das peças e/ou dos veículos, para impedir sua ulterior identificação".

A polícia identificou no local peças de quatro carros que haviam sido roubados dias antes: dois Chevrolet Onix, um Nissan Sentra, um Mercedes GLA 200.

Policial civil usa arma para quebrar câmera em empresa de reciclagem alvo de averiguação
Policial civil usa arma para quebrar câmera em empresa de reciclagem alvo de averiguação Imagem: Arquivo pessoal

No dia seguinte das detenções, policiais civis voltaram à empresa. Imagens do circuito interno de segurança mostram parte dos policiais tentando quebrar as câmeras. Nessa data, os policiais afirmam ter encontrado na empresa uma maleta de arma, uma luneta para rifle, cinco notebooks e nove celulares.

O advogado José Agripino, que iniciou o acompanhamento do caso no fim do ano passado, à frente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, diz que as detenções refletem uma violação de direitos humanos "em muitos sentidos, principalmente na forma que eles foram tratados e encaminhados à delegacia".

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"Os 15 funcionários estão sob custódia desde o dia 25 de novembro e, nesse período, as famílias não têm muitas informações. Possivelmente, estamos diante de um retrato do racismo estrutural da sociedade em que vivemos. Principalmente por se tratar de um grupo de pessoas majoritariamente pretas", afirma Agripino.

9 comentários

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Ciro Lauschner

Rio de Janeiro continua lindo e previsível. Prendem os coitados e o chefe segue lépido e fagueiro sem problemas.

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Claudio Bruel

Estranho seria se o chefe do desmanche tivesse sido preso. É o de sempre né. Dentro dos padrões.

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Leandro Dutra

Claro que alguém ia dar um jeito de colocar o racismo no meio. 

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