Há 20 anos, Bush mentia ao declarar 'Guerra ao Terror', diz veterano da CIA
O veterano da CIA Bruce Riedel estava na Casa Branca quando o governo dos Estados Unidos recebeu a notícia de que um segundo avião havia caído no World Trade Center. Era 11 de setembro de 2001, e o país sofria o seu maior atentado terrorista.
Hoje, 20 anos depois, uma série de erros, mentiras e omissões abriu caminho para a volta da Al-Qaeda, orquestradora do ataque.
"Como todo o mundo, eu fiquei chocado com a escala do ataque, não havia nada parecido em nossa experiência", relatou Riedel ao UOL. O atentado deixou 2.996 mortos e milhares de feridos. Quatro aviões foram sequestrados por membros da Al-Qaeda. Dois foram jogados contra as Torres Gêmeas, o terceiro caiu no Pentágono e o quarto em um campo na Pensilvânia.
Na época, Riedel era assistente especial do presidente para o Oriente Médio e o norte da África e estava ao lado da então conselheira de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, quando ela soube que os Estados Unidos estavam sob ataque. Ele também era oficial da CIA (Agência de Inteligência Americana, em inglês) e sabia que aquele ataque havia sido premeditado.
Logo após os atentados, o presidente George W. Bush declarou a "Guerra ao Terror", que tem repercussões até hoje no mundo. A ação, no entanto, foi deliberadamente errada. Ao declarar guerra ao terrorismo, e não à Al-Qaeda, o presidente mentiu sobre suas reais intenções e abriu margem para atribuir esta "culpa" a quem lhe interessasse.
Usar o rótulo de 'guerra ao terror' foi deliberado ao abrir a porta para invadir o Iraque, algo por que Bush estava obcecado na noite de 11 de setembro. Foi um grande erro.
Bruce Riedel, ex-conselheiro da Casa Branca e diretor do Brookings Intelligence Project
No fim de semana anterior aos ataques, as agências de inteligência já possuíam relatórios de que um atentado estava para acontecer. Em 6 de agosto, um relatório ao presidente alertava que a Al-Qaeda estava determinada a atacar dentro dos Estados Unidos.
Seus colegas na inteligência, conta, foram capazes de evitar que o ataque ocorresse muito antes. Mas faltou seriedade por parte do governo de George W. Bush para lidar com a questão, diz.
"O ataque de 2001 estava originalmente programado para o final de junho", conta. "Osama bin Laden queria que o ataque ocorresse enquanto o primeiro-ministro israelense Ariel Sharon visitava a Casa Branca. Isso teria ilustrado dramaticamente o ódio dos terroristas pelo apoio dos Estados Unidos a Israel."
Mohammed Atta, o comandante egípcio dos sequestradores, disse a Bin Laden que eles ainda não estavam prontos. Ao não abordarmos o conflito com seriedade, deixamos muito aberto um grito de protesto para os terroristas.
Bruce Riedel, ex-conselheiro da Casa Branca e diretor do Brookings Intelligence Project
Mais tarde, Mohammed Atta seria um dos terroristas a sequestrar um avião da American Airlines e jogar contra a primeira torre.
Naquela manhã de terça-feira, antes das 9h, Riedel soube por sua assistente que um avião havia colidido num dos prédios. Naquele momento, pouco se sabia sobre o que estava acontecendo. Ele então se dirigiu para a Sala de Situação da Casa Branca, o lugar onde as conversas secretas e as decisões importantes são tomadas.
Em menos de cinco minutos, um oficial entrou na sala e sussurrou no ouvido de Condoleezza Rice: "A América está sob ataque". Em dez minutos, toda a Casa Branca foi evacuada e ninguém pôde voltar nem para buscar os carros. Ele voltou para casa caminhando e pôde ver o Pentágono em chamas.
O Iraque como o falso inimigo
No dia seguinte, Riedel e seus colegas já estavam de volta aos seus escritórios planejando a resposta americana: invadir o Afeganistão, lar do Talibã e de onde partiu a ajuda a Bin Laden. Bush, porém, foi por outro caminho, o caminho planejado pelos terroristas, segundo o analista.
Em seu livro, "The Search for Al-Qaeda" (A Busca pela Al-Qaeda), Riedel explica que a guerra ao terrorismo foi o pretexto que Bush procurava para angariar o apoio público para seu plano: invadir o Iraque.
O 11 de setembro foi usado por Bush e [o vice-presidente Dick] Cheney para convencer os americanos a invadir o Iraque. Foi vergonhoso enviar nossos soldados ao perigo sob um falso pretexto.
Bruce Riedel, ex-conselheiro da Casa Branca e diretor do Brookings Intelligence Project
Anos depois, pesquisas mostraram como a narrativa do governo tentava conectar Saddam Hussein com o terrorismo e a Al-Qaeda, embora nunca tivesse apresentado essas provas. Com isso, grande parte da opinião pública acreditava que o Iraque estava diretamente ligado aos atentados e que Hussein era o inimigo, não Bin Laden.
Mesmo anos após a invasão, muitos americanos ainda acreditavam que o Iraque estava por trás do 11 de setembro, um erro que Bush deliberadamente havia encorajado.
Bruce Riedel, ex-conselheiro da Casa Branca e diretor do Brookings Intelligence Project
Essa narrativa foi o que garantiu que o país invadisse o Iraque quase dois anos depois. Em 2002, Bush passou a dizer que o país tinha "um estoque massivo" de armas de destruição em massa e em 2003 realizou a invasão sem qualquer respaldo internacional, mas com forte apoio popular. Mais tarde, a própria inteligência americana apontou que a justificativa para a invasão era falsa.
"O Iraque foi o maior erro. Nós desviamos recursos para a estabilização do Afeganistão no momento crítico", diz. Como um especialista em contraterrorismo, Riedel defendia já naquela época que os EUA deveriam focar seus recursos todos no Afeganistão, a fim de aniquilar os poderes da Al-Qaeda e do Talibã.
Segundo ele, o objetivo da Al-Qaeda ao atacar os EUA era justamente levar a uma retaliação no Afeganistão, onde o grupo esperava que os EUA "sangrariam até a morte", tal como aconteceu com a União Soviética nos anos 80.
Então, quando Bush não se dedicou integralmente ao Afeganistão e optou por dividir os recursos militares indo também para o Iraque, ele "atolou os EUA em dois pântanos", diz.
Retirada desastrosa do Afeganistão
Depois de 20 anos dessas memórias e longos trabalhos voltados ao contraterrorismo, Bruce Riedel vê com tristeza o retorno do Talibã, e consequentemente da Al-Qaeda, ao Afeganistão.
A retirada de Cabul devastou as capacidades da inteligência americana no Afeganistão. O país é agora um buraco negro onde a Al-Qaeda vai se regenerar. O Exército paquistanês continuará a ser o aliado do Talibã. Os generais em Rawalpindi [cidade do Paquistão] são os vencedores.
Bruce Riedel, ex-conselheiro da Casa Branca e diretor do Brookings Intelligence Project
"A administração [de Joe] Biden realizou uma retirada desastrosa, precipitada e mal planejada das tropas da Otan do Afeganistão, o que colocou a Al-Qaeda de volta em Cabul. É uma história triste", lamenta.
Além das quase 3.000 mortes diretas nos atentados de 11 de setembro, a guerra ao terror deixou quase 1 milhão de mortos ao longo dos seus 20 anos e custou 3 trilhões de dólares ao país, segundo um relatório do projeto "O Custo da Guerra", da Brown University.
Iraque, Afeganistão, Paquistão e Síria foram atingidos, enquanto o conflito envolveu mais de 80 países, de acordo com o relatório. Entre as vítimas diretas de bombas estão soldados americanos, aliados, civis, jornalistas e trabalhadores de ajuda humanitária.
O último soldado americano deixou o Afeganistão em 30 de agosto, em uma promessa dos Estados Unidos de acabar com suas "guerras infinitas". O futuro do Afeganistão, novamente sob o regime do Talibã, é incerto, em especial para aqueles que ajudaram os EUA ao longo dos últimos 20 anos.
O povo afegão é o grande perdedor. Eles lutam pela comunidade mundial desde 1979, quando os soviéticos invadiram o país. Mais de 1 milhão de pessoas morreram na batalha decisiva da Guerra Fria. Dezenas de milhares morreram lutando contra a Al-Qaeda e o Talibã. Eles mereciam mais da América.
Bruce Riedel, ex-conselheiro da Casa Branca e diretor do Brookings Intelligence Project
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.