Legião na Ucrânia barra voluntários da América Latina, África e 21 países

Um email obtido pelo UOL atribuído à Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia informou a um ex-militar brasileiro o veto de recrutamento de voluntários de toda a América Latina, da África e de 21 países para se aliar às tropas ucranianas no conflito.

Entre eles, Belarus, Síria e a própria Rússia, que estão na lista dos cinco países que votaram contra a resolução da ONU (Organização das Nações Unidas) que condenou a invasão, aprovada pela Assembleia-Geral da entidade no começo do mês.

Embora não tenha citado diretamente o Brasil, a mensagem, enviada às 4h26 de segunda-feira (21), foi destinada ao ex-militar Fábio Júnior de Oliveira, 42, que gravou conversa com a unidade de combatentes estrangeiros dois dias antes, conforme revelou reportagem exclusiva do UOL.

No diálogo, o homem que se apresentou como responsável pela legião responsabilizou a postura do presidente Jair Bolsonaro (PL) pela recusa do alistamento.

O endereço do email enviado a Oliveira é o mesmo que consta no site oficial da Embaixada da Ucrânia na Polônia no espaço destinado ao recrutamento de voluntários. A reportagem enviou mensagem pedindo a confirmação da veracidade da informação, mas não obteve resposta até a conclusão deste texto.

Anteontem, a Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia confirmou em mensagem ao UOL o veto de voluntários de "alguns países". Contudo, não informou quais seriam as nacionalidades vetadas "por questões de segurança". Procurado, o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) não se posicionou.

'Email confirmou o que eu já sabia'

O mineiro Oliveira vem se correspondendo em inglês com os representantes da unidade na Embaixada da Polônia há duas semanas e enviou outras mensagens à reportagem com o detalhamento até das orientações sobre o ponto de encontro com o recrutador, que o levaria à unidade de combatentes estrangeiros na fronteira com a Ucrânia.

A mensagem neste último email só confirmou o que eu já sabia, porque já tinha sido informado do veto aos brasileiros por causa da postura do Bolsonaro no telefonema para a legião"
Fábio Júnior de Oliveira, ex-militar brasileiro

Bolsonaro tem evitado criticar a Rússia. Antes da invasão, ele visitou o presidente russo Vladimir Putin e expressou solidariedade ao país, que já fazia ações militares na fronteira com a Ucrânia. Após a deflagração da guerra, porém, o governo do Brasil votou a favor da resolução da ONU contra Moscou.

O primeiro contato foi feito pelo ex-militar brasileiro em email enviado no dia 8 deste mês, quando Oliveira disse integrar um grupo com 38 interessados em se alistar. Após responder a um rápido questionário, onde detalhou sua experiência no Exército, recebeu orientações com dois locais indicados para o recrutamento.

"Já no lado ucraniano, há uma tenda com a inscrição: 'ajuda para soldados estrangeiros', onde os voluntários se apresentam. Em um aeroporto [local não informado pela reportagem por questões de segurança], há pessoas esperando com uma placa amarela indicando serem da legião. Por favor, nos informe data, horário de chegada e local escolhido", orientou a mensagem.

Legião volta atrás após ministro russo citar o Brasil

Contudo, a postura da legião mudou em email enviado na última sexta-feira (18), horas após Sergei Lavrov, ministro de Relações Exteriores da Rússia, dizer que o Brasil está entre os países que, segundo ele, "não dançarão ao som dos Estados Unidos".

"Nós somos gratos pelo seu desejo de ajudar o povo da Ucrânia na luta contra a agressão russa. Atualmente, mudanças foram feitas nas regras de recrutamento de estrangeiros", diz mensagem assinada pela coordenação de recrutamento voluntário da Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia.

Veja os países listados pela Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia em email enviado ao ex-militar brasileiro :

• Afeganistão, Síria, Kosovo, Rússia, Belarus, Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Paquistão, Arábia Saudita, Qatar, Líbano, Uzbequistão, Turcomenistão, Tajiquistão, Quirguistão, Cazaquistão, Irã, Iraque, Tailândia, Índia e Armênia

'Parece retaliação', diz especialista

Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que os países na lista estão na esfera de influência dos russos —muitos deles se abstiveram na votação da resolução que condenou o país pela invasão ao território ucraniano.

Os países que se abstiveram da votação também estão mandando um recado ao Ocidente. Como se dissessem que o lado russo precisa ser considerado em uma eventual negociação"
Tito Lívio Barcellos Pereira, geógrafo e cientista político

"Parece uma retaliação simbólica para pressionar países que adotaram uma postura mais neutra. É uma forma de querer convencer o resto do mundo a isolar a Rússia", complementa o especialista, que integra grupos de estudo sobre a atuação das forças armadas no mundo.

O especialista também fez ponderações sobre a posição do governo brasileiro, que considera se abster em resolução com quase 50 países pedindo o isolamento diplomático da Rússia.

O Brasil não apoia a política de sanções e defende que o conflito seja resolvido de maneira política. Ou seja, vê um cenário em que os dois países sentem na mesa para chegar a um entendimento"
Tito Barcellos

Racismo ou filtro contra espiões russos?

Barcellos cogita a hipótese de racismo com pessoas vindas de países de África e América Latina, já que a mensagem atribuída à legião incluiu esses dois continentes na lista de voluntários vetados. "Pode ser uma atitude preconceituosa e até racista", afirma.

Com mestrado e doutorado sobre empresas militares privadas, o professor de Relações Internacionais Tomaz Paoliello admite essa possibilidade. Contudo, considera mais provável que esteja sendo feito uma blindagem para minimizar riscos de ingresso de infiltrados.

Pode ser que tenha um componente racial, mas acho pouco provável. Com esse tipo de recrutamento, abre-se brechas para agentes duplos ou espiões a serviço dos russos. Acredito que precaução"
Tomaz Paoliello, professor de Relações Internacionais

"[Os países na lista de vetados] estão na esfera de influência da Rússia. Muitos declararam neutralidade ou não quiseram se posicionar. Mas a legião está procurando voluntários, não aliados. Não são os governos que estão mandando as suas tropas. Considero um erro alinhar diretamente essas pessoas às posições políticas dos seus países", afirma.