Núcleo de médicos e pós-graduados: a origem do Hamas e pelo que ele luta
Colaboração para o UOL, em São Paulo*
25/10/2023 04h00Atualizada em 25/10/2023 10h05
Desde 7 de outubro Israel e o Hamas, grupo extremista que controla a Faixa de Gaza, voltaram a se enfrentar. A ofensiva maciça, que incluiu o lançamento de milhares de foguetes, infiltração e incursão de terroristas armados em território israelense e tomada de reféns, deixou dezenas de mortos.
Em resposta, as forças israelenses lançaram uma ofensiva aérea contra a Faixa de Gaza, um enclave habitado por palestinos e controlado pelo Hamas desde 2007. Os números já giram em volta das 6 mil mortes.
Qual a origem do Hamas?
O Hamas (Movimento da Resistência Islâmica) é um dos grupos extremistas na luta contra a existência do Estado de Israel — que por sua vez foi criado após o fim da Segunda Guerra Mundial, para abrigar os judeus. Fundado em 1987, o Hamas foi liderado por um núcleo de médicos e pós-graduados — Abdel Aziz al-Rantissi, Mahmmoud Zahar, Ismail Hanieh e Ismail Shanab.
Al-Rantissi voltou às manchetes na semana passada, já que Israel anunciou ter matado Jamila Abdallah Taha al-Shanti, viúva de um cofundador do Hamas, em um ataque aéreo. Ela era uma professora, nascida em Gaza. Al-Rantisi era médico e personalidade política da Palestina, chegou a assumir a liderança do Hamas, mas foi morto em abril de 2004, quando um míssil israelense foi disparado contra seu carro.
Mahmmoud Zahar é outro integrante com um passado na medicina, como cirurgião. Ele chegou a ser preso por Israel em 1988 e sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 2003 - seu filho mais velho foi morto.
Outro assassinato, de Ahmed Yassin, no dia 22 de março de 2004, que também fazia parte deste núcleo e era considerado líder espiritual do movimento, causou comoção e revolta na população palestina que prometeu vingança contra Israel. Yassin desempenhava um papel fundamental para convencer os seguidores do grupo a promoverem ataques terroristas suicidas contra judeus.
O grupo passou a ser classificado como terrorista pela União Europeia depois de agosto de 2003, quando atacou Jerusalém matando centenas de civis israelenses.
Considerado o segundo maior movimento de guerrilha palestino contra Israel, atrás apenas do Fatah, a entidade funciona em alguns casos como uma rede filantrópica e assistencial, que ajuda algumas famílias em regiões da Cisjordânia e de Gaza.
História e ideologia
O Hamas, ou Movimento de Resistência Islâmica, foi fundado em 1987 durante a primeira Intifada, ou revolta palestina, antes mesmo de ser considerado um dos grupos mais extremistas do Oriente Médio.
Sua carta fundadora de 1988 não reconhece a existência de Israel e exige a destruição do estado judeu. Seu emblema mostra o Domo da Rocha de Jerusalém e, entre bandeiras palestinas, o contorno de um Estado palestino incluindo também Israel.
Em contraste com outros grupos militantes palestinos anteriores, como a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que adotavam o nacionalismo palestino ou árabe como ideologia, a principal força motriz do Hamas é o radicalismo islâmico e o estabelecimento de um Estado muçulmano em todas as terras habitadas por palestinos e do território israelense.
As origens ideológicas do grupo remontam à Irmandade Muçulmana, movimento fundado no Egito nos anos 1920 e que influenciou diversos grupos radicais islâmicos, incluindo a rede terrorista Al-Qaeda.
O Hamas, no entanto, não atua apenas como um grupo armado, possuindo ainda um braço de serviços sociais chamado Dawah, que dirige escolas, orfanatos, restaurantes populares e clubes esportivos, que atuam sobretudo na Faixa de Gaza, um enclave empobrecido e superpopuloso habitado por palestinos ao sul de Israel.
No âmbito do Processo de Oslo, a OLP de Yasser Arafat selou uma frágil paz com Israel em 1993, dando fim à primeira Intifada. Porém, o Hamas não reconheceu a decisão e seguiu perpetrando atentados em território israelense.
Nas eleições de 2006 na Faixa de Gaza, o Hamas obteve maioria absoluta, consolidada um ano mais tarde por uma espécie de golpe de Estado, que expulsou políticos palestinos moderados do enclave.
Desde então, nenhuma nova eleição foi realizada em Gaza, com o Hamas exercendo domínio absoluto na área. E, a partir dali, o território também passou a ser submetido a um duro bloqueio econômico por Israel.
Segundo organizações de direitos humanos, o Hamas também impôs medidas islâmicas radicais no enclave, como a obrigação do uso do véu pelas mulheres e repressão a outras religiões.
Com o golpe, os territórios palestinos estão separados não só geográfica, como também politicamente, já que a Cisjordânia é governada pelo partido Al Fatah, liderado por Mahmud Abbas.
Enquanto isso, a partir de Gaza, o Hamas prossegue os ataques a Israel, definidos como "legítima defesa", além de ter travado cinco acirrados combates com as Forças Armadas israelenses, em 2008/2009, 2012, 2014, 2021 e agora em 2023. Nessas campanhas, o Hamas lançou ataques suicidas e foguetes contra Israel.
Extremista ou terrorista?
O Hamas é classificado como organização terrorista por diversos países, incluindo Israel, Estados Unidos, Canadá, Japão, Reino Unido e todos os países membros da União Europeia.
O grupo, no entanto, não é classificado como tal pela China, Rússia e Brasil. Outros, como Noruega e Suíça, também evitam a classificação, evocando o princípio da neutralidade e mantêm contatos com o grupo, atuando como mediadores em conflitos.
Já a Nova Zelândia classifica apenas o braço militar do Hamas, os Batalhões do Mártir Izz ad-Din al-Qassam, como organização terrorista.
Apoio do Irã e do Qatar
Apoiadores do Hamas incluem o Irã, Síria e Qatar. O Qatar é um dos principais patrocinadores financeiros e aliados estrangeiros do Hamas, chegando a pagar os salários de funcionários de organizações civis do Hamas. Em 2012, seu emir foi o primeiro chefe de Estado a visitar a liderança do grupo islâmico em Gaza.
Outro apoiador importante do Hamas é o regime fundamentalista islâmico do Irã, que nos anos 2000 passou a ser responsável por um quarto do orçamento do Hamas. Parte desse apoio financeiro era canalizado por meio do grupo radical Hezbollah, baseado no Líbano, e também apoiado pelo Irã. No entanto, as sanções impostas contra o Irã no final dos anos 2000 dificultaram o envio de dinheiro, levando o Hamas a depender mais de doadores do Qatar e da Arábia Saudita.
No primeiro sábado de outubro, início do conflito entre o Hamas e Israel, o iraniano Rahim Safavi, conselheiro de autoridade máxima do país, o aiatolá Ali Khamenei, disse que Teerã estará ao lado dos palestinos "até a libertação de Jerusalém". Safavi parabenizou os membros do Hamas e garantiu o apoio do Irã ao grupo
Já o Qatar, também no começo do conflito, pediu aos palestinos e a Israel que exerçam "máxima contenção", mas responsabilizou "unicamente a Israel" pela nova escalada.
"O Estado do Qatar expressa sua grande preocupação com a situação em Gaza, apela a todas as partes para que exerçam a máxima contenção e parem a escalada", disse o Ministério das Relações Exteriores qatari em um comunicado.
A pasta afirmou, no entanto, que "responsabiliza unicamente Israel pela escalada em curso devido às suas contínuas violações dos direitos do povo palestino, incluindo os repetidos ataques (por colonos judeus), sob a proteção da polícia israelense, da Mesquita Al Aqsa", na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém Oriental, ocupada por Israel em 1967.
*Com informações da Deutsche Welle