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Análise: Só dolarização não explica crise no Equador, mas facilita tráfico

Colaboração para o UOL

10/01/2024 19h28Atualizada em 10/01/2024 19h31

A dolarização que o Equador sofreu no início do século não explica por si só o aumento da violência e crise de segurança pública que o país vem sofrendo, mas facilita o tráfico de drogas, analisa Sergio Florencio, ex-embaixador do Brasil em Quito, durante entrevista ao UOL News desta quarta-feira (10).

Até as últimas eleições presidenciais, o Equador estava relativamente fora desse grande problema de tráfico, de cocaína, de violência policial e de explosão da população carcerária. De certa forma, isso era um fenômeno estranho porque o Equador é um país pequeno entre dois dos maiores produtores de cocaína no mundo: Peru e Colômbia. Sergio Florencio, ex-embaixador do Brasil em Quito

A compreensão dessa explosão da violência, da população carcerária tem que ser vista à luz de desenvolvimentos que ocorreram no interior do Equador. O fenômeno da dolarização é importante nesse sentido [mas não só isso]. Sergio Florencio, ex-embaixador do Brasil em Quito

O ex-embaixador cita a vizinha Colômbia e as Farcs, que começou como movimento ideológico e se transformou em movimento ligado ao narcotráfico — que teria sido neutralizado após um acordo com o governo em 2016.

[Esse acordo] provocou uma migração desse comércio de cocaína da Colômbia para o Equador. Esse fenômeno foi facilitado pelo fato do Equador ser uma economia dolarizada [a partir de 2000], portanto, a dolarização não explica por si só a integralidade desse fenômeno, mas a dolarização facilita muito o comércio e exportações de cocaína porque elas se dão em dólar. Sergio Florencio, ex-embaixador do Brasil em Quito

Ao mesmo tempo, a dolarização é uma camisa de força sobre a política econômica, porque ela obriga o país a não ver expansão das despesas públicas. Nesse sentido, o Equador reduziu muito os investimentos em segurança, inclusive privatizou grande parte do sistema de segurança, o que facilitou essa expansão do narcotráfico, violência e população carcerária. Sergio Florencio, ex-embaixador do Brasil em Quito

Conflito no Equador é situação muito nova para população; parecia cenário de pandemia, diz professor

Conforme Milton Reyes, professor do IAEN (Instituto de Altos Estudios Nacionales), em Quito, o atual conflito no Equador que levou o presidente Daniel Noboa a decretar estado de conflito armado interno é uma situação nova para a população e o cenário nesta terça-feira parecia com o da pandemia de covid.

A história do Equador sempre foi de um país muito pacífico em meio à violência estrutural de Peru e Colômbia. Então, para nós é uma situação muito nova e efetivamente as ações que os criminosos fazem tem uma conotação de terror, é terrorismo mesmo. Ontem, as principais cidades no Equador ficaram paralisadas. A gente foi muito cedo para casa e parecia um cenário pandêmico. O problema da segurança deteriorou muito rápido. Milton Reyes, professor do IAEN (Instituto de Altos Estudios Nacionales)

Antes da dolarização, já havia aqui um espaço para lavagem de dinheiro do narcotráfico. Acontece que o Equador era olhado por grupos criminosos como uma espécie de Suíça: vinham para cá, faziam pequenos investimentos e tinham uma família, mas isso mudou. [...] A guerra [do narcotráfico] provoca as capacidades de poder e eles ganharam poder nessa guerra interna e temos a guerra entre grupos criminosos que tentam controlar [o tráfico] localmente versus os grupos transnacionais que operam com outros atores aqui, é um cenário complexo. Milton Reyes, professor do IAEN (Instituto de Altos Estudios Nacionales)

Reyes diz que a problemática de segurança pública equatoriana se relaciona com fatores geopolíticos e falta de investimento e integração entre países do continente, citando a Unasul (União das Nações Sul-Americanas).

Os fatores internos estão relacionados aos fatores geopolíticos e infelizmente a região não aproveitou para ocupar esses espaços para projetar, por exemplo, [financeiramente] a região sul-americana até que foram ocupadas por esses negócios criminosos transnacionais. Milton Reyes, professor do IAEN (Instituto de Altos Estudios Nacionales)

Se o Estado equatoriano em conjunto à Unasur (Unasul, em português), e outros países sul-americanos, terminassem uma projeção regional de integração, poderiam ocupar esses espaços [que hoje são do narcotráfico] na Amazônia, nos portos. Seria muito proveitoso no Equador e na região. Milton Reyes, professor do IAEN (Instituto de Altos Estudios Nacionales)

O professor fala também de outros problemas estruturais, como enfraquecimento institucional com menor ação do Estado, além da própria marginalização da população mais pobre.

Temos também uma população estruturada marginalizada que é um caso de 'cultivo' de grupos criminosos que teriam soldados e soldadinhos de muito fácil cooptação, que não têm outra saída para sobreviver. [...] Isso foi muito descrito no caso colombiano, gente que não tem nenhuma saída e está quase morto na vida e o que deseja é sobreviver ou deixar alguma coisa para a família antes de serem mortos por gangues criminosas ou confronto com o Estado. Milton Reyes, professor do IAEN (Instituto de Altos Estudios Nacionales)

Também temos outro campo, que faz com que o campo institucional, legal e material se combine também com o campo das ideias [com] essa dupla visão: uma legitimação do estilo de vida do narcotraficante por uma série de imagens em filmes, novela e produções audiovisuais que romantizam o dinheiro e legitimam essas ideias criminosas. Milton Reyes, professor do IAEN (Instituto de Altos Estudios Nacionales)

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