Poderosas e 'terroristas': quais são as facções que dominam o Equador
Maurício Businari
Colaboração para o UOL
11/01/2024 13h41Atualizada em 12/01/2024 08h17
No Equador, ações coordenadas das facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas, em resposta a medidas de austeridade promovidas pelo atual presidente do país, Daniel Noboa, estão deixando um rastro de destruição e mortes. Mas a instalação do caos é estratégica. A maioria das 22 facções criminosas existentes, apontadas como organizações terroristas por Noboa em seu decreto de "estado de conflito armado interno" atua de forma coordenada, agindo como uma federação devido à sua influência limitada.
"Desde meados de 2017, com a cassação dos direitos políticos de Rafael Correa, o susto de impeachment de Guillermo Lasso, a dissolução do Congresso, o assassinato do candidato à presidência, Fernando Villavicencio, conjuntamente com a pobreza da população, agravada com a pandemia, e com um sistema de justiça facilmente corruptível, os índices de criminalidade saltaram no país, com uma taxa de homicídio indo de 5,8 para 36 para 100 mil habitantes", afirma Marcelo Valio, especialista em Direito Constitucional, com pós-doutorado em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha).
Esse conjunto avassalador de aumento da criminalidade afetou a política interna e fez com que as gangues se aproveitassem da situação. A facilitação na aquisição de armas no governo Guillermo Lasso também provocou o fortalecimento das gangues que se aparelharam ainda mais, segundo Valio.
Para Luiz Philipe Ferreira de Oliveira, professor de Direito Internacional da Universidade São Judas, a decretação das 22 facções criminosas como organizações terroristas permite agora o apoio das forças armadas para combater os criminosos. "As três mais poderosas facções no Equador possuem relações próximas com organizações no México, Colômbia e Porto Rico. Com relacionamentos indiretos com facções no Brasil, até por não termos fronteiras físicas com o Equador. Se suspeita de uma parceria no crime de lavagem de dinheiro", aponta o professor.
Na opinião de Vladimir Feijó, professor de Relações Internacionais da Faculdade Arnaldo Jannsen, o foco principal dessas gangues é o controle de espaços estratégicos para o tráfico de drogas, especialmente aqueles com alto fluxo de carga e baixa fiscalização, como os portos de Esmeraldas, Guayaquil e Posorja.
"Los Tiguerones são uma das gangues médias a operar nesse cenário, aproveitando-se do vácuo deixado pela instabilidade no governo e na liderança dos Los Choneros. As disputas entre Los Choneros e Los Lobos, ambos envolvidos em uma guerra territorial, têm impactado significativamente o tráfico internacional, sendo Los Choneros associados ao cartel mexicano de Sinaloa", explica o especialista.
A produção e importação de cocaína são realizadas pelas facções menores, enquanto as principais, Los Choneros e Los Lobos, disputam espaço nas grandes cidades. A droga é destinada principalmente aos Estados Unidos, mas também é enviada ao cartel mexicano e à Guatemala, utilizando rotas pelo Panamá para alcançar a Europa.
No Brasil, acredita o professor, a atuação do PCC tem sido uma ponte de diálogo entre cartéis sul-americanos e a Ndrangheta calabresa italiana, responsável pelo trânsito de drogas para a Europa, consolidando-se como um elo estratégico na cadeia internacional do tráfico.
Segundo o Insight Crime, entidade que monitora e investiga de forma acadêmico-jornalística o crime organizado e a segurança dos cidadãos nas Américas, os grupos criminosos nacionais do Equador têm sido tradicionalmente fragmentados, operando como subcontratantes de organizações criminosas estrangeiras, especialmente grupos colombianos e mexicanos. A entidade aponta, entre as 22 organizações existentes, as três mais relevantes do país:
Los Lobos
Los Lobos emergiu como a principal organização criminosa do Equador, desbancando os Choneros e assumindo um poder estimado em 8 mil membros. Em 2023, acabaram com a hegemonia dos Choneros, marcando sua ascensão com o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio.
Fabricio Colón Pico, líder de Los Lobos, recentemente detido por suspeita de sequestro, escapou da prisão e se tornou um fugitivo de alto perfil. A atuação dos Lobos vai além do tráfico de drogas, envolvendo-se em áreas como mineração ilegal, extorsão ligada a vacinas e tráfico de pessoas.
Alianças internacionais, como a Frente Óliver Sinisterra na Colômbia, o Cartel Jalisco Nova Geração no México e grupos criminosos albaneses, solidificam sua presença global. No âmbito nacional, estabeleceram parcerias com os Los Tiguerones e os Chone Killers, especializados em extorsão e na facilitação do transporte de drogas, respectivamente.
As cidades de Latacunga, Cuenca e Machala servem como bases operacionais para os Los Lobos, que expandiram sua presença para 16 das 24 províncias equatorianas. Seu impacto vai além do crime organizado, influenciando significativamente a política do país, como evidenciado pelo assassinato de Villavicencio e as alegações de planos de atentado contra a procuradora-geral Diana Salazar.
Los Choneros
Os Los Choneros, liderados por Adolfo Macías, conhecido como Fito, são uma poderosa organização criminosa no Equador. Fito, condenado a 34 anos por narcotráfico, assassinato e crime organizado desde 2011, escapou da prisão regional de Guayaquil, tornando-se alvo de uma intensa busca envolvendo mais de 3 mil policiais e militares.
Originários de Chone, Manabí, os Los Choneros foram fundados nos anos 90 por Jorge Bismark Véliz España, conhecido como 'Teniente España' ou 'Chonero', tornando-se o braço armado de um cartel colombiano de narcotráfico.
Após a morte de 'Teniente España' em 2007, Jorge Luis Zambrano González, o 'Rasquiña', assumiu o comando. Aliando-se aos Fatales, liderados por Fito, 'Rasquiña' foi preso em 2011, escapando em 2013 e sendo recapturado em Bogotá. Com a morte de 'Rasquiña' em dezembro de 2020, Fito tornou-se o único líder dos Choneros, mantendo sua influência mesmo de dentro da prisão regional de Guayaquil.
Os Los Choneros estabeleceram alianças estratégicas com o Cartel de Sinaloa e ex-membros das FARC para transportar grandes cargamentos de cocaína da fronteira colombiana até o porto de Guayaquil. Embora tenham sido uma força dominante, as crescentes dissidências e as ações de grupos rivais, como os Los Lobos, têm enfraquecido a organização. Os Choneros, presentes em 12 das 24 províncias equatorianas, enfrentam desafios significativos em meio a uma complexa rede de tráfico de drogas e disputas territoriais.
Los Tiguerones
Os Los Tiguerones ganharam destaque ao invadir o canal TC Televisión em Guayaquil, resultando na prisão de 13 membros que agora enfrentarão acusações de terrorismo. Com uma presença dominante em Esmeraldas, a gangue conta com 4 mil a 5 mil membros e tem como origem antigos integrantes dos Los Choneros, estabelecendo uma aliança com os influentes Los Lobos.
Especializados em extorsão, os Los Tiguerones se destacam em Guayaquil, sendo responsáveis por mais que o dobro das tentativas de extorsão na cidade. Sua influência vai além do crime, infiltrando-se em instituições estatais, como o Conselho da Judicatura e o Ministério Público, de acordo com um relatório policial do ano passado.
A gangue adota estratégias para angariar simpatia da comunidade de Esmeraldas, realizando eventos para crianças, distribuindo presentes e persuadindo os jovens a verem a polícia como inimiga. As táticas lembram as utilizadas pelo falecido narcotraficante colombiano Pablo Escobar. Os Tiguerones têm presença em quatro das 24 províncias equatorianas, enquanto sua rede de influência e atividades criminosas continua a desafiar as autoridades.
Confira a lista completa das 22 organizações criminosas que atuam no Equador:
- Águilas
- ÁguilasKiller
- Ak47
- Caballeros Oscuros
- Chone Killer
- Choneros
- Covicheros
- Cuartel de las Feas
- Cubanos
- Fatales
- Gánster
- Kater Piler
- Lagartos
- Latin Kings
- Lobos
- Los p.27
- Los Tiburones
- Mafia 18
- Mafia Trébol
- Patrones
- R7
- Tiguerones