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Até pele é visada: o que se sabe sobre tráfico humano para retirar órgãos

Redes de tráfico humano para retirada de órgão podem ser mais complexas de serem investigadas Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colaboração para o UOL

23/12/2024 05h30

Phelipe de Moura Ferreira, um dos brasileiros que foram traficados desde outubro para Mianmar, foi ameaçado de ter seus órgãos retirados pelos criminosos. As famílias dele e de Luckas Viana dos Santos pedem socorro ao governo federal para trazê-los de volta ao Brasil em segurança.

O que se sabe sobre o tráfico humano para retirada de órgãos?

A retirada de órgãos é uma das formas menos denunciadas e compreendidas do tráfico humano. Apesar de ser frequentemente confundido com o tráfico de órgãos, são crimes diferentes. O alvo do tráfico de órgãos é o órgão em si, ou seja, o traficante pode oferecer dinheiro, outro tipo de "isca" ou coagir a vítima com violência física e/ou psicológica para obter aquele coração, pulmão etc. Já no caso do tráfico humano para retirada de órgãos, o foco é a pessoa, que será coagida e levada para a retirada de quantos órgãos o traficante quiser.

Violência nem sempre é física ou visível. O Protocolo de Palermo, texto resultado da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional de 2000, foi ratificado pelo governo brasileiro em 2004. Ele define, de maneira simples, como acontece este tipo de crime, e há diversas maneiras, o que o torna mais complexo de ser identificado e denunciado. Um indivíduo que engana outra pessoa, dizendo que seres humanos têm três rins ou que a remoção do órgão não possui riscos, por exemplo, para conseguir uma doação "espontânea", também pode se enquadrar na definição de fraude.

Como funciona o tráfico de pessoas, segundo o Protocolo de Palermo Imagem: Reprodução/MInistério da Justiça

Há casos em que o tráfico de pessoas pode ter mais de uma finalidade, o que torna o registro deste crime mais complicado. O brasileiro Phelipe, por exemplo, suspeita de duas intenções dos criminosos que o abordaram: trabalho forçado e remoção de órgãos. Segundo o relatório global sobre tráfico de pessoas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês) de 2022, o tráfico para remoção de órgãos era responsável por 0,2% de todas as vítimas reportadas de tráfico humano; os números de traficados para exploração sexual e trabalho forçado eram muito maiores.

Classificação errônea ou cruzada com outros tipos de tráfico pode tornar incorretas as estatísticas deste crime. É provável que diversos casos de tráfico de pessoas para remoção dos órgãos tenha sido registrado apenas como tráfico de órgãos ou tráfico humano para outra finalidade, justamente pela possibilidade de mais de um tipo de exploração da mesma pessoa. Além disso, investigação frequentemente envolve cooperação entre países — e nem todos assinaram os mesmos compromissos internacionais, como o Protocolo de Palermo, ou possuem estrutura policial preparada para a colaboração.

Rim é o órgão mais buscado neste tipo de tráfico, embora haja procura por fígado, córneas e pele. Vítimas podem ser pagas ou não, mas é importante ressaltar que mesmo recebendo compensação financeira, o indivíduo ainda pode ser vítima deste crime.

Tráfico de pessoas para retirada de órgãos pode estar em crescimento. Em 2017, foram registrados 25 casos de tráfico humano para remoção de órgãos, já em 2018 este número era 40. Entre 2008 e 2022, a UNODC contabilizou cerca de 700 vítimas, apesar de estimar que o problema seja ainda maior. "Barreiras existentes para as denúncias sugerem que a escala completa do fenômeno ainda não seja conhecido", alertou a organização no relatório de 2022.

Luckas Viana dos Santos e Phelipe de Moura Ferreira, brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar: o jovem de 26 anos (à direita) teme que traficantes queiram retirar seus órgãos Imagem: Reprodução / Redes Sociais

Negociações nestes casos têm acontecido online e se tornaram mais sofisticadas, alerta o Departamento de Estado dos EUA. Por isso, surgiram redes menores e até traficantes de órgãos independentes, que não agem junto com as grandes máfias, o que dificulta o rastreio de vítimas e criminosos.

Norte da África e Oriente Médio teriam maior percentual de vítimas detectadas, apontou relatório de 2021 da Interpol, a polícia internacional. Parte do motivo é o grande número de comunidades vulneráveis (educacional e/ou financeiramente), acesso limitado a cuidados de saúde e corrupção. Nestes casos, a pessoa não tem conhecimento de que foi traficada ou que passou por uma coleta de órgãos, já que as vítimas são atraídas para hospitais sob outros pretextos.

Investiga-se ainda o tráfico humano para retiradas de órgãos em contextos políticos de outras partes do mundo. O governo da China já foi acusado de forçar sistematicamente a retirada de órgãos de prisioneiros políticos. "A coleta forçada de órgãos na China aparenta ter como alvo minorias religiosas, linguísticas e étnicas específicas de presos, que frequentemente não receberam explicações para suas detenções ou receberam mandados de prisão, em locais diferentes", afirma um relatório de grupo de especialistas em direitos humanos da ONU de 2021.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) estimou, em 2007, que entre 5% a 10% de todos os órgãos transplantados no mundo venham do mercado clandestino. Este número pode ser ainda maior em 2024, reconhece a ONU. Mais de 150 mil transplantes são realizados anualmente em todo o mundo, mas eles representam apenas 10% da necessidade global por órgãos.

A Interpol e a ONU ainda reconhecem que há casos em que o tráfico humano para retirada de órgãos não têm motivação financeira e/ou de saúde. Acredita-se que são para rituais religiosos. Já a International Review of the Red Cross, publicação ligada à Cruz Vermelha Internacional, apontou em artigo de 2023 casos de tráfico de órgãos (de combatentes mortos) e de tráfico de pessoas para retirada de órgãos em zonas de conflito armado, como uma extensão da violência de guerra contra o inimigo, ou por outras motivações diversas já citadas.

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