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Interrogado nu por 12h: brasileiro lembra prisão secreta de Assad na Síria

Germano Assad ficou preso em 2011 sob acusação de espionagem Imagem: Arquivo pessoal

Do UOL, em São Paulo

23/12/2024 05h30

"Que vergonha um Assad assim". Essa foi uma das primeiras frases que Germano Assad, 39, ouviu de um carcereiro ao ser levado para uma prisão secreta no centro de Damasco, em 2011, e implorar por um pouco de água.

O jornalista brasileiro, especialista em Síria e Líbano, foi preso naquele ano pelo regime de Bashar Al-Assad —que acabou deposto no início de dezembro de 2024.

Ao UOL, Germano lembra os dias angustiantes em que permaneceu preso sob acusação de espionagem, em meio à Primavera Árabe, quando era um correspondente que assinava com pseudônimo à Folha de S.Paulo.

Germano foi prisioneiro por seis dias e nunca descobriu o nome e nem a localização exata de onde estava, por ter sido levado vendado. Ele acredita ter ficado detido em uma prisão secreta no subsolo do parque parque Tishreen, no centro da cidade.

Os moldes de sua carceragem se assemelhavam a Sednaya, prisão a 30 km de Damasco conhecida como matadouro humano, que teve seus encarcerados libertados no início do mês com a queda do governo Sírio e a tomada pelos rebeldes.

Como tudo começou

Em 2011, Germano estava de saída do país e dentro de um táxi com destino à Turquia. Ele havia sido alertado dias antes por um amigo, por mensagens no Facebook, de que poderia estar sendo espionado.

Então, seu veículo foi interceptado por agentes do serviço secreto que o venderam e o algemaram.

Estava vendado, mas conseguia ver por baixo, fiquei detido em uma prisão que ficava no centro de Damasco. Era próximo ao parque Tishreen, um lugar que frequentava e nunca poderia imaginar que existiria uma prisão no subsolo. A venda foi retirada apenas quando abriram o alçapão, em uma área arborizada.
Germano Assad

Prisão secreta no coração de Damasco

Dentro da prisão, ele encontrou uma estrutura cheia de corredores estreitos e celas superlotadas. "Serviam um copo de água e uma refeição por dia: um pão sírio velho e um ovo cozido."

A comunicação entre os presos era limitada, mas Germano interagiu com duas pessoas que estavam ao seu lado. "Tentávamos nos ajudar trocando informações pessoais e descobrindo se tínhamos amigos em comum."

Entre o quarto e o quinto dia, Germano foi surpreendido com uma refeição diferente: uma sobrecoxa assada. Mas não viu motivos para comemorar. "Isso me deu medo. Muitos diziam que, quando servem uma boa refeição, no dia seguinte vem a tortura."

Interrogado nu por 12 horas

No quinto dia, Germano foi conduzido sem roupas ao interrogatório, que durou 12 horas em uma sala durante o rigoroso inverno sírio.

"Tiraram toda a minha roupa e me levaram para o primeiro interrogatório. Fiquei 12 horas respondendo em inglês, com medo de falar algo errado em árabe. E eles diziam que eu estava fingindo não saber falar árabe."

Ele revela que todas as suas ligações e contatos foram analisados pelo governo. "Pegaram todos os documentos da empresa telefônica estatal, questionaram cada contato da minha agenda e insistiram em saber por que eu interagia tanto com palestinos e curdos", explica.

O brasileiro fazia um trabalho como jornalista e era estudante do Centro Internacional de Pesquisa de Imigração e Cultura, uma ONG com financiamento do Qatar —o que levantou desconfianças. "Para o governo sírio, isso poderia implicar em espionagem."

Durante o interrogatório, Germano ponderava o que revelar: "Comecei a me perguntar o que era pior. Será que digo que sou jornalista?". Ele sustentou a versão de que era estudante.

Nos dias em que permaneceu preso, enfrentou condições difíceis. A cela era apertada e sem espaço para se mover. "Não havia posição confortável. Ao tentar olhar pela janelinha da cela, era repreendido com batidas na porta."

Traição e medo

Germano suspeita que sua amizade com uma cidadã paquistanesa pode ter complicado sua situação. Ele acabou revelando algumas informações pessoais para ela e, mais tarde, descobriu que ela delatava jornalistas que interagiam com a oposição.

"Muitos me alertaram para tomar cuidado com ela", afirma. A relação, somada às viagens frequentes e ao contato com pessoas ligadas à oposição, tornou-se um dos pontos centrais do interrogatório.

"Quando fui preso, me questionaram dizendo que ela havia dito que eu me mudava muito", lembra.

O maior medo de Germano era revelar informações sensíveis de suas fontes, realmente opositoras ao governo. No entanto, como medida de segurança, ele mantinha os contatos sensíveis em um chip com informações criptografadas, que foi descartado antes de ser apanhado.

"Sabia desde o início que eu não iria morrer, a relação do Brasil com a Síria é boa, mas os sírios opositores eram tratados com muita violência", diz Germano.

Certa vez cobri a história de um menino de 13 anos, na periferia de Damasco, que urinou sobre a foto do presidente. Ele foi torturado até a morte, seu órgão genital cortado e colado à boca, o corpo foi entregue à sua família, que mais tarde deu entrevista à TV estatal dizendo que o filho estava desviado e andando com más companhias, claramente foram forçados.
Germano Assad

'Bem-vindo à Síria, desculpe por prendê-lo'

Após o interrogatório, Germano foi levado à sala do diretor do presídio, que o recebeu com um cigarro na boca e desculpas acompanhadas de fumaça

"Ele disse: 'bem-vindo à Síria. Desculpe por prendê-lo'", conta. A frase dita pelo diretor do presídio foi título de um de seus textos à época para a Folha de S.Paulo.

O diretor explicou que o Brasil era considerado um país amigo e que a situação de Germano havia sido um erro. Todos os seus pertences foram devolvidos, inclusive o celular, que estava carregado, e ele foi escoltado até a embaixada brasileira.

Depois de dois dias na embaixada, Germano deixou a Síria e retornou ao Brasil.

Nunca levantei a informação sobre o que me fizeram assinar, mas pelo pouco que consegui entender, eram confissões de crimes que não cometi, como espionagem e envio de informações sensíveis.
Germano Assad

"Meu maior medo era virar moeda de troca. Tive pavor de ser usado pelo regime", diz.

Ele se manteve em contato com a Síria por meio de fontes e amigos, viajou até a fronteira com a Turquia, onde fez a cobertura de campos de refugiados meses depois, mas nunca mais pisou em território sírio.

Hoje, Germano reflete sobre a experiência e alerta jornalistas que planejam cobrir zonas de conflito.

Não vejo isso como um troféu, mas como um grande erro da minha carreira. O orgulho que tenho é de não ter prejudicado ninguém. Ainda carrego alguns traumas: recentemente, fui fazer um exame e tinha de ficar em uma cabine, não consegui, pedi para colher meu sangue na recepção.
Germano Assad

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