Após decisão judicial, médicos se recusam a desligar respirador de peruana
Maria Angélica Oliveira
Colaboração para o UOL, em Lima (Peru)
28/04/2024 04h00
Doze médicos do EsSalud, a seguradora pública de saúde do Peru, se recusaram a desligar aparelhos que mantêm a administradora peruana Maria Teresa Benito Orihuela, 66, viva.
O que aconteceu
Em 1º de fevereiro, a Justiça decidiu que ela tem o direito de recusar o tratamento médico que a mantém viva artificialmente. É a primeira sentença do tipo no país, segundo a advogada Josefina Miró Quesada, que defende Maria Teresa.
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Maria vive presa permanentemente a um ventilador mecânico conectado a uma traqueostomia e se alimenta por sonda ligada ao estômago. Os médicos que recusaram a decisão judicial invocaram a lei de Liberdade Religiosa e a objeção de consciência, um direito que a categoria tem de não praticar atos que atentem contra seus valores pessoais.
A juíza encarregada do cumprimento da sentença deu 15 dias para que o EsSalud apresente um médico que concorde em desligar os aparelhos. O prazo começou a ser contado no último dia 22. Enquanto isso, a defesa já solicitou que um médico particular cumpra a decisão. A reportagem procurou o EsSalud, mas não teve resposta até a publicação deste texto.
A advogada de Maria disse que os profissionais têm medo de ficar marcados. "Existem mais de mil médicos na rede do hospital que atende Maria e que podiam ser consultados pelo EsSalud,mas é preciso que recebam a informação correta", afirmou Josefina.
O Peru, país conservador e de maioria católica, vive um debate intenso sobre o direto à morte digna depois que a psicóloga Ana Estrada se submeteu a uma eutanásia no dia 21. Foi o primeiro caso autorizado pela Justiça, apesar de a legislação local proibir a prática. Ana Estrada era portadora de poliomiosite, uma doença degenerativa e incurável.
A situação de Maria, no entanto, é diferente do caso de Ana. A eutanásia consiste em uma conduta ativa, em que se administra uma substância letal a um paciente. O que Maria pede é exercer o direito, que está previsto no Código de Saúde peruano, de se recusar a receber tratamento de saúde — no caso, o ventilador mecânico.
Tenham mais empatia, mais humanidade. Não sejam indiferentes à dor e ao sofrimento do próximo.
Pedido enviado por Maria Teresa Benito, por meio da advogada
Se dizem a um médico que é uma eutanásia, que vai se meter em um problema e que será estigmatizado, é claro que vai se recusar. Agora, se dizem que terá o apoio da instituição, que terá garantias e que pode ter a identidade preservada, tudo muda.
Josefina Miró Quesada, advogada que representou Ana Estrada e agora defende Maria Benito
Doença de Maria é incurável
Maria Teresa é portadora de esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença neurológica degenerativa e incurável. Quase todos os músculos de seu corpo estão comprometidos — da deglutição aos músculos respiratórios —, mas sua mente permanece intacta. A Justiça reconheceu que ela está lúcida.
"Claro que para nós, filhos, é muito forte. Mas eu não poderia julgar uma dor que não estou sentindo", disse Ketty Solano Benito, filha de Maria. Ela e o irmão apoiam a decisão da mãe.
Há seis anos, a paciente foi submetida a uma traqueostomia e conectada ao ventilador porque não conseguia respirar. Também passou por uma gastrostomia, cuja objetivo é conectar uma sonda ao estômago para receber alimentos, pois não podia mastigar. Ela pesa hoje cerca de 30 quilos.
Desde então, Maria se comunica com a ajuda de um aparelho que lê os movimentos que seus olhos fazem ao percorrer um quadro com letras e números. Mas sua única forma de comunicação com o mundo exterior está em risco. Desde dezembro, uma conjuntivite está deteriorando sua visão.
O tempo que ela consegue escrever é cada vez mais curto. Ela se cansa mais, usa cada vez mais lágrimas artificiais. O maior medo dela é em algum momento já não conseguir abrir e fechar os olhos porque a doença também afeta as pálpebras.
Ketty Solano Benito, filha de Maria
O que diz a defesa de Maria
A advogada Josefina Miró Quesada afirma que teve uma surpresa na primeira audiência do caso. "Era uma audiência virtual, e a juíza se conectou usando uma imagem de Jesus Cristo no perfil do juizado. Durante toda a audiência, fiz minhas alegações para uma imagem de Jesus." Ao final, o pedido de Maria foi negado.
Em outra etapa do processo, a defesa do EsSalud ignorou as diferenças entre os procedimentos que envolvem a morte digna e alegou que o tratamento de Maria Benito não pode ser chamado de desumano porque custa 30 mil soles ao mês (R$ 40,8 mil) ao Estado peruano. "Para nós, falar de desconexão, de eutanásia ou de retirada do suporte vital é a mesma coisa, se trata da mesma situação", disse um dos advogados.
Já na instância superior, a advogada pediu que Maria pudesse intervir em uma das audiências por vídeo, lendo uma mensagem aos juízes por meio do software que lê o movimento de seus olhos e o converte em voz. O pedido foi negado.