Ela não tem os braços, virou pilota e quer construir 'avião impossível'
Jessica Cox, 41, não era uma grande fã de aviões na juventude. Tudo mudou depois que a americana, nascida no Arizona, teve sua primeira experiência como passageira em um monomotor.
Aquilo despertou nela a vontade de aprender a pilotar. Com um detalhe: Jessica não tem os dois braços.
Formada em psicologia e comunicação, ela foi até o fim para realizar o sonho e entrou para o Guinness Book —o livro dos recordes— como a primeira mulher a pilotar um avião com os pés.
"Andar de avião comercial era sempre aterrorizante para mim. Mas, quando eu estava no final da faculdade e já dava palestras sobre minha história, um piloto de monomotores me assistiu e me convidou para andar com ele. Eu não queria, mas meu pai estava ao lado e falou: 'ela adoraria'", lembrou Jessica, em entrevista ao UOL.
O resultado do primeiro contato com o monomotor foi uma sensação de "liberdade e confiança" que a motivou a fazer o curso para aprender a pilotar, mesmo diante das limitações.
'Meus pais se preocupavam até em como eu ia segurar boneca'
Jessica nasceu sem os braços por uma condição até hoje não nomeada pelos médicos.
Os pais, "seus apoiadores desde o dia 1", sofreram com a possível falta de independência da filha.
Foi muito difícil para eles no início, foi emocionalmente desafiador, eles se preocupavam até em como eu seguraria minha boneca, mas superaram isso. Temos muita fé no caminho que Deus dá e me sinto muito abençoada.
Na adolescência, Jessica chegou a usar braços protéticos, mas abandonou o hábito no início da vida adulta.
Com o passar dos anos, ela conquistou a independência quase total usando apenas a habilidade com os pés: a piloto consegue se maquiar, dirigir um carro e, inclusive, é faixa preta de Taekwondo.
3 anos para conseguir certificado
Sua licença para voar foi aprovada em outubro de 2008, com um certificado de "piloto esportiva" que permite que ela comande aeronaves pequenas em uma altitude de até 10 mil pés.
A especialidade de Jessica são os monomotores Ercoupe, uma aeronave criada pouco antes da Segunda Guerra Mundial e com um sistema mais simples, que permite que os seus pés sejam suficientes para o comando. Ela mexe no controle à sua frente com um deles e movimenta a coluna de direção ao lado com o outro.
Jessica conta que um aluno sem deficiência leva cerca de seis meses para ser certificado como piloto. Já ela precisou de três anos e três instrutores para conseguir uma formação completa.
Hoje deixando os voos em segundo plano e se dedicando mais às palestras sobre sua história, ela tem cerca de 200 horas de voo, sempre em aviões pequenos, em que faz viagens curtas e pode levar apenas um passageiro ao lado. Amigos e familiares, inclusive, já tiveram a chance de decolar ao lado dela.
A piloto afirma que não teve tanta dificuldade de entender as aulas e se enxergar no lugar dos instrutores, porque conseguia ver o que os professores faziam e adaptar à sua realidade
Meus pés são como minhas mãos, meus dedos dos pés a mesma coisa. Mas eu tive algumas adaptações, como fortalecer o core [a região do abdômen] porque eu tenho de pilotar com os pés para cima e isso exige uma estabilidade nesta região. Eu também tenho uma almofada de assento e um bloco de madeira sob as minhas pernas, entre o banco e o controle, tudo para garantir mais conforto e estabilidade.
Mas, claro, ser uma piloto sem braços ainda tem seus desafios. Abrir a porta da aeronave para entrar sozinha foi algo desafiador para Jessica, já que ela pilota uma aeronave com abertura de "asa de gaivota", porta localizada no teto e que abre verticalmente.
Por isso mesmo, Jessica faz parte de uma equipe, com estudantes de tecnologia da Universidade de Oregon, que está projetando um avião especialmente para pessoas sem braços, o "Impossible Airplane" - ou "Avião Impossível".
A previsão é que ele fique pronto em 2025.
O avião personalizado poderá servir de modelo para outros pilotos com deficiência. "Será um lembrete inegável de que 'deficiência não significa incapacidade'", explicou o site do projeto.
Apesar das inúmeras superações —e de já ter viajado para 29 países contando sua história— Jessica confessa que até hoje sente um "desconforto" em aviões comerciais.
"Mas é claro que minha relação com a aviação mudou quando virei piloto, isso porque entendo mais o que acontece, como as coisas funcionam", completou a norte-americana, que diz ter muita vontade de dar suas palestras na América do Sul, onde ainda não pisou.