Atentado reforça imagem de Trump 'escolhido por Deus' contra Biden 'frágil'
Desde o início da campanha eleitoral, Donald Trump tem tentado passar a imagem de que é mais forte e preparado do que o presidente Joe Biden. A estratégia foi reforçada após o atentado do último dia 13, na Pensilvânia, do qual Trump saiu apenas com ferimentos na orelha. Agora, o Partido Republicano deve se aproveitar do ataque e do já existente culto à personalidade do ex-presidente para tentar convencer eleitores de que ele foi "escolhido por Deus" para governar os Estados Unidos.
Trump forte, Biden 'frágil'
Atentado reforça estratégia de apontar 'fraqueza' de Biden. Na prática, o ataque alimentou o fervor quase religioso entre os Republicanos e seus apoiadores, elevando Trump de líder político a um homem que eles acreditam ser "protegido por Deus". "Do ponto de vista simbólico, é uma demonstração de que Trump é mais forte e mais apto [do que Biden] para enfrentar um novo mandato", diz ao UOL Layla Ibrahim Abdallah Dawood, professora de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Dúvidas sobre a indicação de Trump foram superadas no partido. Os Republicanos se uniram em torno do ex-presidente, que nunca teve um controle tão forte sobre o partido. Se vencer a eleição, Trump estará em uma posição muito mais sólida do que em seu primeiro mandato (2017-2021), sem as divisões internas que o atrapalharam. "A partir do atentado, qualquer controvérsia que ainda houvesse foi silenciada. O que a gente nota é um aumento do culto à personalidade de Trump", explica Dawood.
Situação beneficia também o futuro do Partido Republicano. O maior exemplo disso é J. D. Vance, escolhido para compor a chapa de Trump como candidato a vice. Antes crítico ao ex-presidente, o senador por Ohio agora é tido como seu principal herdeiro político. "Vance é muito novo, muito articulado, e tem uma história de vida que também fala com essa base mais nova dos Republicanos", analisa a professora da Uerj. "Ele está sendo preparado para ser o futuro do partido".
A forma como ele reagiu após o atentado, com o punho erguido e pedindo à multidão que 'lute, lute, lute', acaba sendo mais uma prova [de força]. (...) O que a gente nota é um aumento do culto à personalidade de Trump. É um culto até religioso, você vê que ele fala muito de Deus, que foi 'escolhido' por Deus. É um tipo de discurso que fala muito a esse público [que apoia Trump].
Layla Dawood, da Uerj
Democratas vivem drama
Aumenta a pressão sobre Biden, que pode perder doações. Alguns dos principais doadores dos Democratas recentemente ameaçaram congelar o repasse de cerca de US$ 90 milhões (R$ 501 milhões, pela cotação atual) enquanto o presidente não desistir de tentar a reeleição, segundo informações do jornal The New York Times. Biden, que pegou covid-19 e está isolado, disse na sexta (19) que planeja voltar à campanha na semana que vem e que confia na vitória sobre Trump.
Vice seria substituta natural, mas não foi 'preparada'. Para Layla Dawood, da Uerj, o passado de Kamala Harris como promotora poderia servir como demonstração de força em uma eventual disputa contra Trump, mas acabou sendo "escondido" pelo próprio partido nos últimos anos. "É complicado pensar se ela tem possibilidade de vencer", analisa. "A figura dela foi muito apagada pelos Democratas, que escolheram não mostrar as forças que ela tem".
Momento de Trump preocupa todo o Partido Democrata. Os críticos veem esse "culto à personalidade" como uma base a partir da qual Trump, se eleito, poderia adotar políticas extremas. O partido de Biden teme que uma possível vitória de seu adversário crie a primeira presidência "imperial" dos EUA. "Trump é um mentiroso, mas acreditamos nele quando diz que governará como um ditador", disse Ammar Moussa, porta-voz da campanha democrata.
A visão sombria de Donald Trump para o futuro não é o que somos como americanos. Juntos, como um partido e como um país, podemos e vamos derrotá-lo nas urnas. Estou ansioso para voltar à campanha na próxima semana para continuar expondo a ameaça da agenda do Projeto 2025 de Donald Trump.
Joe Biden, em comunicado divulgado na sexta (19)
Reação de Trump
Em 1ª entrevista, republicano disse que 'não deveria estar aqui'. Dois dias após o atentado, Trump definiu a experiência como "muito surreal" e falou até em "milagre". Ele também contou que queria ter continuado seu discurso, mesmo ferido, mas foi impedido por agentes do Serviço Secreto. "No hospital, o médico disse que nunca viu nada assim. (...) Eu não deveria estar aqui. Eu deveria estar morto", disse o ex-presidente ao New York Post.
Depois, Trump falou de Deus, reforçando a estratégia dos republicanos. Na quinta (18), quando foi indicado formalmente como candidato do partido, ele disse ter se sentido seguro porque "tinha Deus" consigo e prometeu ser o presidente "de todos os EUA, não só da metade". Trump também voltou a elogiar o trabalho do Serviço Secreto. "Tinha balas passando muito perto. (...). Eu não deveria estar aqui esta noite", repetiu.
Eu só estou aqui pela graça do 'Deus Todo-Poderoso'. (...) Se eu não tivesse movido minha cabeça naquele último instante, a bala do assassino teria atingido seu alvo e eu não estaria aqui esta noite. Nós não estaríamos juntos.
Donald Trump, na Convenção Nacional Republicana
Demonstrações de apoio
Republicanos usaram curativo na orelha em homenagem a Trump. Imagens gravadas na quarta-feira (17), terceiro dia da Convenção Nacional Republicana, mostram apoiadores com um curativo na orelha direita, em uma manifestação de "solidariedade" ao ex-presidente. Ray Michaels, delegado eleitoral do Arizona, explicou o movimento à agência Associated Press (AP): "Percebemos que isso [atentado] foi uma tragédia que nunca deveria ter acontecido, e queremos que ele [Trump] saiba que estamos passando por isso juntos".
Atentado na Pensilvânia também foi transformado em mercadoria. A foto da AP em que o republicano aparece olhando para a multidão com o braço erguido e o rosto ensanguentado virou estampa de camisa, boné e caneca. Plataformas como Amazon e eBay foram inundadas com esses produtos, e alguns também apareceram durante a Convenção Republicana. Questionada pela CNN, uma vendedora (foto abaixo) negou que estivesse tentando ganhar dinheiro em cima de "algo tão terrível".
[Quando soube do atentado] Meus olhos ficaram marejados e eu estava apenas tentando processar todas essas emoções. Depois de processar essas emoções, foi tipo? 'Isso precisa virar uma camiseta'.
Andrea Neuser, vendedora, em entrevista à CNN
(Com AFP e Reuters)