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Turistas temem a guerra, e Belém vive em silêncio durante conflito em Gaza

Basílica da Natividade, em Belém (Cisjordânia) Imagem: Rafael Carneiro

Rafael Carneiro

Colaboração para o UOL

07/10/2024 12h00Atualizada em 07/10/2024 13h10

Na Praça da Manjedoura, onde está situada a Basílica da Natividade, o silêncio predomina. Ele é interrompido somente pelas badaladas do sino a cada hora ou pelos chamados à oração muçulmana vindos de uma mesquita nas proximidades.

Sem os turistas que costumam visitar o local do nascimento de Jesus, as quilométricas filas de peregrinos na praça já não existem mais. Desde o início do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas, há um ano, esta tem sido a realidade de Belém, na Cisjordânia ocupada, que tem o turismo como principal receita.

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Dados atualizados do Escritório Central de Estatísticas Palestino (PCBS, em inglês) apontam que no primeiro semestre de 2024 a Cisjordânia ocupada, território da Palestina, recebeu 464 mil visitantes estrangeiros. O número é inferior em comparação com o mesmo período de 2023, quando a região recebeu 1,9 milhão de pessoas, e de 2022, quando vieram 1,1 milhão de turistas do exterior.

Segundo Sameer Hazboun, presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Belém, a cidade santa vive uma situação drástica. "Após o começo desta guerra, ou como queira chamá-la, não temos ocupação nenhuma nos hotéis. Costumávamos oferecer 5 mil refeições por dia, por exemplo, e agora não estamos oferecendo nada. No setor de turismo, são pelo menos 10 mil pessoas sem trabalho", ressalta.

Amal Abandak, 57, é uma delas. Em conversa com a reportagem, em Belém, a guia explicou que toda a sua família vive do turismo. O marido trabalha em uma cooperativa e o filho tem um restaurante.

"Estamos sobrevivendo das poucas economias que tínhamos juntado antes. É muito, muito difícil. Acredito que em mais dois meses não teremos como sobreviver", disse.

Amal Abandak, guia há 18 anos em Belém (Cisjordânia) Imagem: Rafael Carneiro

Há 18 anos no ramo, Amal relata que apenas nos últimos dois meses começaram a chegar alguns grupos, mas poucos e que não se pode considerar. Segundo ela, nada se compara com os milhares de peregrinos que visitam cidade e que vêm de vários países, principalmente do Brasil. "Na última década, o Brasil é o número um do mundo em termos de visitantes. É uma loucura a quantidade de católicos e evangélicos que vêm para cá. De repente vem um grupo de 2 mil, 3 mil pessoas", destaca a guia.

Apesar disso, Amal também é otimista. "Espero que em algum dia exista paz. Na Terra Santa tudo é possível. Você pode dormir e acordar no dia seguinte e ter um acordo".

Nos últimos anos, Belém já havia passado por uma grande queda no setor de turismo por conta da pandemia de covid-19. Mas, segundo a Câmara de Comércio e Indústria, os números voltaram a crescer em 2021 e a cidade chegou a receber 1,8 milhões de visitantes.

"Nesse período, investidores começaram a construir novos hotéis, mas com o início do conflito na Faixa de Gaza — situada a 93 km de distância — muitas obras agora estão paradas. Fora isso, temos 65 lojas de souvenirs, cerca de 250 oficinas de artesanato. Existe toda uma rede conectada que está parada", explica Hazboun.

Se virando até voltar à normalidade

Issa Khaliliyeh Imagem: Arquivo Pessoal

Aos 69 anos, Issa Khaliliyeh vive uma situação parecida com a de Amal. Morador de Beit Jala, cidade vizinha a Belém, ele não vê a hora de voltar a trabalhar, apesar de estar pessimista com toda a situação política da região.

O guia encontrou na tradução uma maneira de ganhar um pouco de dinheiro, enquanto não retorna à normalidade. "A minha esposa é arquiteta e trabalha como chefe do Departamento de Projetos de Beit Jala. Graças a ela, nós conseguimos pagar os gastos da casa", diz.

Antes do conflito, muitos guias palestinos que são moradores da Cisjordânia ocupada cruzavam a fronteira para trabalhar em solo israelense. Pouco depois do 7 de outubro de 2023, porém, tiveram suas permissões suspensas pelo governo de Israel.

Estamos justamente na alta temporada. Ela começa em setembro e vai até novembro, fim do ano. Estamos perdendo muito
Issa Khaliliyeh

Sob controle de Israel

Mapa mostra Israel, Faixa de Gaza e Cisjordânia Imagem: Arte/UOL

Desde os anos 90, a Autoridade Palestina supervisiona Belém no âmbito administrativo. Mas, a partir de 1967, Israel passou a controlar as entradas e saídas da cidade, o que também tem colaborado para a complicada situação da região, localizada a menos de 30 minutos de Jerusalém.

O prefeito de Belém, Anton Salman, aponta outro complicador para a economia da cidade: Israel tem o controle econômico, incluindo a arrecadação de impostos. Estes, devem ser repassados à Autoridade Palestina, segundo o estabelecido pelo Acordo de Paris, de 1995.

Nossos impostos são pagos por uma conta administrada pelos israelenses. Eles, por sua vez, estão controlando o dinheiro e a forma de transferi-lo para a Autoridade Palestina. Os israelenses têm 7 bilhões de shekels (cerca de 2 bilhões de dólares) nas mãos e se recusam a transferir. Isso tem gerado um déficit enorme no orçamento da Autoridade Palestina. Não é fácil encontrar soluções enquanto as fontes de renda são muito limitadas
Prefeito de Belém, Anton Salman

"A situação, especialmente em Belém, é muito difícil e muito perigosa. Esperamos que tudo isso acabe e os turistas voltem para a cidade como era antes do dia 7 de outubro", diz o prefeito esperançoso.

Frequentemente, governos israelenses de direita, como o atual de Benjamin Netanyahu, retém os repasses para a Autoridade Palestina. O argumento é de que o dinheiro seria usado para financiar o terrorismo contra os judeus, e apoiar prisioneiros palestinos condenados por atos terroristas.

Segundo o especialista em Oriente Médio, Gabriel Ben-Tasgal, estima-se que a Autoridade Palestina utilize 8% da sua receita para bancá-los, com base no tempo em que eles ficam na prisão.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Oren Marmorstein, afirmou que a acusação de Salman é falsa. "As acusações feitas são falsas e incorretas. Israel transfere dinheiro de impostos para a Autoridade Palestina todos os meses, com a dedução das quantias que a Autoridade Palestina insiste em transferir para prisioneiros que foram condenados por terrorismo e que têm sangue nas mãos", disse, em resposta aos questionamentos da reportagem.

O desprezível incentivo da Autoridade Palestina chama-se 'Pagar para Matar' - quanto mais judeus são assassinados, mais dinheiro você receberá - e isso tem que acabar imediatamente a fim de construir um futuro diferente para todas as crianças da região
Ministério das Relações Exteriores de Israel, Oren Marmorstein

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