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EUA têm a Nasa, mas por que ainda votam em papel? Entenda sistema eleitoral

Colaboração para o UOL

04/11/2024 05h30Atualizada em 04/11/2024 13h06

Os EUA têm o principal projeto aeroespacial do mundo, um dos mais prolíficos berços tecnológicos no seu Vale do Silício, mas ainda vota majoritariamente em cédulas de papel. Por quê?

Como são as eleições hoje por lá

Apenas 5% de todos os votos das eleições presidenciais de 2024 devem ser obtidos por meio de urnas eletrônicas (DREs). Segundo a Fundação Verified Voting, organização não-partidária que estuda o processo eleitoral americano, cerca de 3,6% destes votos eletrônicos são de equipamentos que geram um recibo em papel do voto e 1,4% daqueles que não produzem a impressão dele.

Dos 50 estados americanos, apenas 14 utilizarão as urnas eletrônicas. São eles: Alasca, Illinois, Indiana, Louisiana, Mississippi, Missouri, Nevada, Nova Jérsei, Ohio, Tennessee, Texas, Utah, West Virginia e Wisconsin. Ainda segundo a Verified Voting, a maioria destes estados os utilizará junto com outras formas de votação. Apenas Louisiana vota exclusivamente com as DREs, mas há forte presença delas em Nevada e Tennessee.

Joe Biden, presidente dos EUA, votando antecipadamente nas eleições norte-americanas em 28 de outubro Imagem: ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP

Papel ainda é principal maneira de votar. 69,9% dos votos serão entregues por meio de cédulas de papel preenchidas a mão, apontou ainda a Verified Voting, sejam entregues pelo correio, na zona eleitoral no dia da eleição ou antecipadamente. Já outros 25,1% dos votos serão feitos com BMDs, equipamentos eletrônicos que marcam as cédulas de papel com as opções do eleitor — uma tecnologia considerada indispensável a pessoas com deficiência.

Como os votos são contados? Na maioria dos estados em que o voto como papel é opção, o resultado é contado a mão e/ou com um equipamento para fazer o escaneamento ótico da cédula. Já onde há os BMDs, há máquinas que realizam a tabulação dos votos. Na Louisiana, onde a urna eletrônica reina absoluta, o método é similar ao brasileiro: a própria urna entrega a contagem final.

Há ainda uma terceira via às urnas, mas ela não está disponível em 2024. Segundo a rádio pública NPR, é possível votar em eleições locais pela internet, através de máquinas de fax, e-mail ou portais, em duas situações: eleitores com deficiências e militares ou outros cidadãos que se encontram fora do país. No entanto, o governo dos EUA informa que o voto via internet não é disponibilizado em eleições federais, como as de 5 de novembro.

Por que eles preferem o voto no papel?

Uma das razões é financeira. Mudar o sistema eleitoral americano ou simplesmente atualizá-lo com o uso de máquinas mais modernas custaria centenas de milhares de dólares, apontou um levantamento de 2022 do Brennan Center for Justice, instituto não-partidário de pesquisa sobre políticas públicas e legislação. Não é como se os EUA não tivessem o dinheiro em caixa, mas o público e suas autoridades parecem não ter chegado um consenso a respeito da direção das reformas.

Há enorme resistência ao voto eletrônico. Em 2022, nas eleições locais, a agência Reuters projetava que 7% dos americanos votaria com DREs. Em 2024, a proporção caiu. Existe enorme desconfiança da capacidade de recontar ou garantir a segurança do voto contra hackers em urna eletrônica no país, especialmente entre o público conservador. Donald Trump e Robert Kennedy Jr. garantem que há fraudes no sistema de audições de votos nos EUA por causa de dispositivos eletrônicos — paradoxalmente, lá o cenário é de votação esmagadora com o papel.

Debate em torno de contagem eleitoral se iniciou em 2000. Na época, o resultado das eleições foi atrasado em um mês devido à recontagem de votos na Flórida que deu a vitória a George W. Bush, um processo que foi falho, comprovaram estudiosos das universidades Cornell, Harvard, Northwestern e da Universidade da Califórnia em Berkeley, já que cerca de 2.000 votos de Al Gore foram erroneamente destinados ao candidato da terceira via, Pat Buchanan.

Em 2002, o Congresso americano aprovou o Help America Vote Act. Como resposta ao fiasco de 2000, a legislação proibia o uso de máquinas de alavanca e equipamentos de perfuração de cédulas em eleições federais. A proposta era modernizar as eleições e as urnas eletrônicas começaram a ser cada vez mais usadas no país.

No fim da década de 2010, o jogo virou. O Laboratório de Eleições do MIT (Massachusetts Institute of Technology) aponta que divergências e ativismo político dentro da comunidade de ciências da computação acabaram se espalhando pela sociedade em geral, alimentando controvérsias sobre a segurança do voto eletrônico. No entanto, o golpe de misericórdia teria sido o que os americanos chamam de "Big Lie", o argumento de Trump após as eleições de 2020 de que o pleito havia sido roubado e que a vitória era sua e não de Biden. Segundo os cientistas políticos da instituição, desde então a confiança na tecnologia cai progressivamente.

A questão russa. Em 2016, um ataque cibernético russo à base de dados de votos das eleições gerou preocupações de segurança com a compilação digital dos votos — sejam eles feitos por DREs ou por papel, mas depois digitalizados. O diagnóstico dos especialistas? Os sistemas estavam ultrapassados tecnologicamente e permitiram o ataque. Portanto, foi feito um investimento de US$ 800 milhões em infraestrutura e, segundo o Brennan Center for Justice e documentos do Senado americano, os estados atualizaram suas tecnologias.

Houve problemas com as urnas eletrônicas por lá? A única análise forense até hoje realizada em urnas eletrônicas aconteceu no estado da Geórgia e foi divulgada em 2020, por um especialista contratado pela organização Coalition for Good Governance, que afirmou em tribunal que votos das eleições de 2016 foram apagados do servidor de um computador que programou DREs do estado e havia ficado exposto na internet por pelo menos seis meses. Uma avaliação do FBI da mesma máquina de 2017, no entanto, não encontrou indícios de vazamentos ou invasões e os resultados são até hoje polêmicos.

Voto de papel também não se prova seguro. Além da famosa batalha entre Al Gore e Bush, de 2000, há outros casos de problemas de contagem de cédulas ou de casos de "lotes" perdidos ou que chegam às seções eleitorais depois de contagens terem sido encerradas. Mas as preocupações de segurança ganharam novas dimensões na última semana, quando urnas cheias de votos enviados pelo correio foram queimadas nas ruas de estados de Oregon e Washington. O FBI investiga a possibilidade de crime eleitoral, já que democratas costumam votar mais pelo correio do que republicanos.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A recontagem foi no estado da Flórida.

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