'Hotel da morte' só aceita check-in de quem está nos momentos finais
O hotel Mukti Bhawan, ou Casa da Salvação, localizado na cidade de Varanasi — mais conhecida como Benares —, na Índia, é uma hospedagem que tem como premissa receber pessoas em uma condição específica: que estejam a menos de duas semanas de sua morte.
Detalhes sobre o hotel
O prédio, que existe desde 1958, fica a uma curta distância do rio Ganges, em Benares. Por este motivo, segundo a tradição hindu, ele se torna um local sagrado.
Sua estrutura conta com dois andares e 12 quartos que ficam em volta de um pátio central. Com paredes acinzentadas e descascadas, o lugar não é conhecido por ser luxuoso.
A hospedagem é beneficente. Cobra-se apenas uma taxa de utilização da eletricidade do local, o que torna a estadia acessível.
No momento do registro, o hóspede precisa estar acompanhado de pelo menos dois familiares. Eles podem permanecer junto de seu ente por todos os dias até o que chamam de "libertação".
Os hóspedes deste hotel são de maioria do próprio estado de Uttar Pradesh ou do vizinho Bihar. Em algumas ocasiões chegam em ambulâncias.
A história do hotel chamou atenção mundo afora. A Casa da Salvação virou filme em 2016. Intitulado "Hotel Salvation" (em português, Hotel Salvação) acabou sendo um fracasso nas bilheterias dos cinemas indianos, arrecadando pouco mais de US$ 100 mil (R$ 577 mil). Já no Japão, o filme fez sucesso e permaneceu em cartaz por mais de 100 dias.
A despedida na "Casa da Salvação"
No hinduísmo a morte é descrita como 'a grande partida'. Nas tradições, ela é vista como uma transição entre vidas e um ciclo contínuo de morte e renascimento (samsara).
A libertação (moksha) do samsara ocorre quando se encerra o ciclo de vida, morte e reencarnação. Assim, quando a pessoa morre, ela se une ao divino e transcende o sofrimento material - ela deixa de reencarnar. É na tentativa de alcançar o moksha que os hóspedes do hotel o escolhem para passar seus últimos dias.
Para terem a completa libertação, são feitos alguns rituais, que consistem em realizar diariamente uma oração e fazer duas oferendas. No dia da morte, os mortos são levados à beira do Ganges.
Ser banhado pelo rio é capaz de lavar os pecados, segundo a crença popular. Já ter o corpo incinerado às margens dele, livra a alma da reencarnação. Esse é o destino de quem morre no Mukti Bhawan.
O ritual por si só não garante a libertação do moksha: são as meditações, boas ações e a devoção daquele hindu que influenciam seu destino após a morte.
'A morte é um tabu'
Para Martinho Tota, doutor em Antropologia Social pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e professor e coordenador do Laboratório de Antropologia da Morte da UFC (Universidade Federal do Ceará), diferentemente dos hinduístas, a morte para os ocidentais impõe um limite à nossa compreensão, se tornando um tabu para quem vivencia.
Para ele, embora haja uma variação muito grande de como a morte é compreendida no mundo, ainda existe um padrão que pode ser visto em quase todos os rituais: "As sociedades promovem uma série de rituais no sentido de separar o espírito do morto do mundo dos vivos. [...] Há um complexo ritualístico no sentido de fazer com que esse morto vá em paz para o mundo dos mortos. Como esses rituais vão se dar, isso varia enormemente. Mas existe, de fato, um padrão".
E assim é no hinduísmo. A cremação dos corpos faz, segundo a crença, com que o espírito se desprenda da matéria (corpo).
Os rituais também são um processo de purificação da própria sociedade. Isso é dito em muitos trabalhos antropológicos. Ou seja, a morte polui. Ela contamina a própria sociedade. A sociedade entra em desordem, e ela se desorganiza principalmente em sociedades de pequena escala.
Martinho Tota
Para ele, o "Hotel da Salvação" humaniza a morte principalmente de pessoas idosas. Citando o sociólogo alemão Norberto Elias, que retratou moribundos em uma de suas obras, ele traz a reflexão de que essas pessoas já se desconectam da sociedade antes mesmo da morte: "Todo esse complexo ritualístico é para purificar o morto e a sociedade. É para conduzir o morto a uma outra ordem no mundo dos mortos e para reorganizar e restabelecer a ordem social, comprometida com a morte daquele ente querido".