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Psiquiatra diz ter sido procurada por membros da Casa Branca preocupados com Donald Trump

A médica Bandy Lee, psiquiatra forense da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale - Divulgação
A médica Bandy Lee, psiquiatra forense da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale Imagem: Divulgação

Isaac Chotiner

20/09/2018 11h21

Em abril passado, a médica Bandy Lee, uma psiquiatra forense da Faculdade de Medicina de Yale, organizou uma conferência chamada Dever de Avisar, abordando algo que ela e alguns colegas consideravam como uma necessidade: alertar os americanos para a ameaça representada pela saúde mental de Donald Trump.

Dessa conferência saiu um livro organizado por Lee: “The Dangerous Case of Donald Trump: 27 Psychiatrists and Mental Health Experts Assess a President” (“O perigoso caso de Donald Trump: 27 psiquiatras e especialistas em saúde mental avaliam um presidente”, em tradução livre).

A franqueza de Lee tem causado controvérsia, e algumas pessoas de sua área argumentam que ela está rebaixando a profissão da psiquiatria ao diagnosticar o presidente à distância. (Sua resposta a essa questão e muitas outras se encontra abaixo.)

Lee voltou a ser notícia mais recentemente, e não só por causa de todo o debate em torno da saúde mental de Trump gerado pelo lançamento do livro “Fear” (“Medo”) de Bob Woodward e pela publicação do infame editorial anônimo do “The New York Times”. A própria Bandy alegou recentemente que dois membros da Casa Branca a procuraram no ano passado, na época em que ela publicou seu livro, com seus próprios temores a respeito de Trump.

Conversei por telefone com Lee, que também é líder de projetos na Organização Mundial de Saúde e especialista em prevenção da violência. Durante nossa conversa, que foi editada e condensada para fins de clareza, falamos sobre como ela lidou com os funcionários da Casa Branca que a procuraram, sobre por que ela diz que não está “diagnosticando” o presidente, e se Donald Trump realmente está piorando.

Isaac Chotiner: Quais detalhes você tem permissão para compartilhar a respeito das pessoas da gestão Trump que a teriam procurado?

Bandy Lee: Não é questão de ter permissão. Eu não recebi muitas informações porque eu não queria comprometer meu papel de educar o público. Então eles me ligaram, em dois telefonemas separados, afirmando essencialmente a mesma coisa: que estavam assustados com o comportamento do presidente Trump e sentiam que ele estava perdendo a razão. Uma vez que tive certeza de que eles não se sentiam em perigo iminente, eu disse a eles que não poderia ouvir mais informações, mas precisava encaminhá-los para o pronto-socorro.

Chotiner: Então só para esclarecer: o perigo que essas pessoas sentiram era por estarem em contato direto com o presidente, não porque elas achassem que ele fosse fazer algo em termos de plano de ação?

Lee: Não, era algo de suas interações diárias.

Chotiner: E quanto tempo se passou entre os dois telefonemas?

Lee: Bastante. Cerca de cinco horas.

Chotiner: Certo, então não foi uma coincidência, essas pessoas claramente estavam conversando entre si.

Lee: Acho que sim. Não perguntei.

Chotiner: Quando elas disseram quem elas eram, você reconheceu os nomes?

Lee: Não, não mesmo.

Chotiner: E você imagina que elas a procuraram por causa de seu livro?

Lee: Elas disseram que sim. Falaram que por causa desse livro sabiam que eu era respeitável e confiável, ou algo assim. Que eu seria uma pessoa confiável para pedir conselhos.

Chotiner: Eles comentaram especificamente sobre algo que as pessoas que seguem o presidente no Twitter ou que acompanham as notícias diariamente achariam surpreendente, ou era mais desse tipo de comportamento, mas em privado?

Lee: Eram suas interações privadas.

Chotiner: Certo, mas o conteúdo dessas interações era similar ao que vemos em público?

Lee: Eu não perguntei a respeito do que de fato. Eu não perguntei o que as estava assustando.

Chotiner: Então quais eram as questões éticas envolvidas em você não querer falar mais com elas?

Lee: Depois de vários meses tentando entender como reagir [à eleição de Trump], quando falei com colegas foi bem unânime. Havia uma concordância universal de que o sr. Trump era perigoso devido à instabilidade mental, no entanto ninguém havia se pronunciado. Eu realizei uma conferência de ética para debater se profissionais da saúde deveriam ou não discutir isso, e eles chegaram à conclusão unânime de que deveríamos, por razões éticas. Mas poucos apareceram na conferência, e na hora poucos falaram, porque temiam por sua segurança pessoal e de suas famílias.

Eles também tinham medo de sofrer retaliação jurídica. Então àquela altura, mesmo após a publicação do livro, não eram muitos os profissionais de saúde mental que estavam falando publicamente sobre a questão. Senti que educar e alertar a população a respeito dos perigos era muito mais importante do que um tratamento individual.

Quando os encaminhei para o pronto-socorro, estava esperando que o psiquiatra do turno fosse atender e ajudar esses funcionários ou intervir, caso necessário. Mas nada aconteceu depois disso, que eu saiba. E tentei falar com o psiquiatra de plantão no pronto-socorro ao qual eu os encaminhei, mas não consegui obter nenhuma informação.

Chotiner: Qual foi a reação das pessoas de sua área ao seu livro, e qual o status do debate sobre algumas das questões que você estava tentando levantar?

Lee: O livro na verdade provocou uma reação tremenda. Virou um best-seller instantâneo da lista do “The New York Times”. Para um livro especializado de autores diversos, isso foi bastante surpreendente.

Para aqueles dentro de nossa área, dentro da saúde mental, nós ganhamos muito respeito depois que o livro foi publicado. Quem tem conhecimento especializado sabe que mantivemos um padrão bem alto, de revisão por pares, ao mesmo tempo em que mantivemos a linguagem acessível. E removemos todos os conflitos de interesse financeiro. Em outras palavras, nenhum de nós está ganhando nada com o livro. E toda a receita está sendo doada para o serviço de saúde pública mental.

Chotiner: Qual era a mensagem principal que você estava tentando passar com o livro?

Lee: A impressão inicial para aqueles que não leem o livro é de que estamos diagnosticando e violando a ética. Mas pessoas que leram o livro nos deram um retorno, afirmando que ficaram realmente impressionadas com o rigor ético e com a precisão e o rigor de nossa avaliação.

A mensagem era basicamente que queríamos que o público soubesse dos perigos que nós víamos. Perigo é diferente de diagnóstico, então tentamos explicar isso. Mas o principal problema é que a situação é pior do que parece, e que ela ficará pior com o tempo, até se tornar incontrolável.

Chotiner: Como se identificam perigos sem um diagnóstico?

Lee: Diagnosticar não é o que os profissionais de saúde mental fazem na maior parte do tempo, é só uma parte muito pequena do que fazemos. Para o diagnóstico, você precisa de todas as informações relevantes. E normalmente também de uma entrevista pessoal, embora a ciência esteja apontando na direção de não precisar de uma entrevista pessoal o tempo todo. No resto do tempo estamos avaliando, às vezes prevendo, protegendo o público ou o paciente do perigo. Então fazemos muitas coisas que não envolvem o diagnóstico.

Então este livro alerta para o perigo. Perigo tem mais a ver com a situação, não tanto com a pessoa. Em outras palavras, a mesma pessoa em uma situação diferente pode não ser perigosa. Ele também não requer todas as informações: você só precisa de informação suficiente para alertar as pessoas, e você pode agir sobre a periculosidade que você vê.

Chotiner: Qual é o perigo específico que você vê?

Lee: Sou especialista em violência. A melhor forma de prever a violência futura é olhando ações passadas de violência. E aqui temos alguém que já demonstrou agressões verbais, o que normalmente significa que a agressão física pode não estar longe, alguém que se gabou de ter cometido ataques sexuais, e isso diz mais sobre violência do que sexualidade. Ele incitou violência em eventos públicos, demonstrou atração por violência e armas potentes. Ele provocou uma nação hostil com poder nuclear várias vezes, e desde então instituiu políticas que traumatizam crianças inocentes.

Chotiner: Em janeiro, a Associação Americana de Psiquiatria disse que estava defendendo o fim do que se chama de “psiquiatria de sofá” e reafirmou a chamada “regra de Goldwater”, de 1973, que eles definiram como “evitar emitir publicamente opiniões médicas profissionais sobre indivíduos que eles não tenham avaliado pessoalmente em um ambiente ou contexto profissional”. Qual foi sua resposta?

Lee: A Associação Americana de Psiquiatria tem agido de maneiras alarmantes desde o início deste governo. Então em 2017, dois meses após a posse do presidente, eles reinterpretaram a regra de Goldwater de uma forma nunca intencionada e aplicada no passado. Eles disseram que a regra de Goldwater não envolve só diagnóstico, mas sim qualquer comentário de qualquer tipo sobre uma figura pública, não importa o quão perigosa seja a situação. E na verdade isso é muito alarmante. Eles disseram que seria uma reafirmação da regra de Goldwater, mas na essência é uma nova regra.

A regra de Goldwater foi acordada originalmente quase que de forma universal. Ela não era nada polêmica. Na verdade era tão arcaica, que a maioria das pessoas nem sabia que ela existia. Ela basicamente afirmava que não deveríamos fazer diagnósticos para a mídia sem ter examinado pessoalmente uma figura pública ou sem autorização.

Eles alteraram a interpretação, transformando-a basicamente naquilo que as pessoas têm chamado de regra da mordaça. Membros da categoria ficaram tão preocupados que dezenas deles renunciaram e têm pedido por uma votação. Isso deveria ser muito alarmante. A Associação Americana de Psicologia também mudou suas diretrizes éticas por pressão política durante o governo de George W. Bush, e isso levou ao uso de tortura por parte de psicólogos.

O termo psiquiatria de sofá não se aplica, porque não estamos falando nada que não pudéssemos afirmar à distância. Estamos falando exatamente sobre as implicações na saúde pública.

Chotiner: Por que eles fariam isso, na sua opinião?

Lee: Bem, de acordo com um dos membros da cúpula, era por medo de perder financiamento do governo. Independentemente dos motivos, é um ato alarmante.

Chotiner: Uma coisa que se ouve constantemente na cobertura que a mídia faz do presidente é que ele está piorando. Mas, ao mesmo tempo, quem assiste alguns daqueles primeiros discursos de Iowa, vê que já estava tudo lá. O ato de contar vantagem sobre a agressão sexual aconteceu anos atrás. Quase tudo que você está falando agora, a violência, já acontecia anos atrás. Sei que você não dará um diagnóstico, mas você tem motivos para pensar que as coisas estão ficando especialmente piores?

Lee: Ah, sim. Certamente. Você diz que tudo que ele diz já vem de tempos. Verdade. Sabíamos o suficiente para prever que durante a presidência, com a pressão do cargo, ele ficaria pior. E ele de fato vem piorando rapidamente. O “Washington Post” calculou que nos seis primeiros meses deste ano ele quadruplicou o número de mentiras contadas em relação ao ano passado. Em outras palavras, em seis meses ele [quase] dobrou o número de mentiras em comparação com o primeiro ano inteiro de sua presidência.

Chotiner: Certo. Mas seria possível dizer que ele esteja contando mais mentiras porque suas situações políticas e legais estão piores, então ele é obrigado a mentir mais para manter seu status político, ou algo assim.

Lee: Acho que esse é um dos motivos pelos quais o conhecimento em saúde mental pode ser útil: porque sabemos que não é simplesmente um sinal isolado. E podemos olhar para os padrões e descobrir se são estratégia ou são sintomas. Agora já temos muitos dados de alta qualidade, em termos de reações suas a situações em tempo real, ao longo de períodos consideráveis de tempo. Então através dos padrões, e também do conjunto de sintomas, conseguimos entender facilmente que uma grande parte disso não é estratégia, e seríamos capazes de lhe dizer isso um ano e meio antes que a maioria das pessoas percebesse.

Chotiner: A que tipos de coisas você está se referindo, além de mentiras?

Lee: A frequência cada vez maior de mentiras, os tuítes cada vez mais agressivos, sua incapacidade de variar suas respostas de acordo com a situação. Por exemplo, ele não consegue deixar passar uma crítica. Ele precisa fabricar realidades para situações que o incomodam. E a questão da patologia, em comparação com uma reação normal, é que a patologia de fato se torna mais rígida e mais previsível. Um indivíduo saudável pode ser capaz de variar sua resposta, especialmente se for estratégia. Ele pode optar por agir de forma diferente se algo não estiver funcionando, ao passo que a patologia tende a se tornar cada vez mais rígida à medida que vai piorando. E o que estamos vendo agora é uma simples repetição, e uma frequência maior e pior de sua deficiência em mecanismos para lidar com as situações.

Chotiner: Certo. Mas vamos pegar um exemplo diferente: é óbvio que o presidente é um racista com crenças racistas que age como um racista frequentemente. Às vezes acho que quando ele age como racista, é só para incitar seus seguidores, mais do que por qualquer crença particular arraigada que ele tenha. Então imagino que seja difícil separar em circunstâncias específicas e dizer que ele está mentindo por ser instável, em vez de dizer que ele está mentindo por estar em uma situação constrangedora.

Lee: Certo. É por isso que se deve olhar para os padrões. Você tem toda a razão. Quando simplesmente isolamos um único exemplo, fica quase impossível saber. Mas com o sr. Trump, temos décadas de informações e padrões para analisar. E agora temos mais informações sobre ele do que até mesmo para a maioria de nossos pacientes. São informações relevantes para avaliar a periculosidade. E na verdade o diagnóstico não tem nada a ver com a periculosidade. Mesmo que tivéssemos de fechar um diagnóstico hoje, isso não nos diria nada a respeito de sua capacidade de cumprir as funções de seu cargo, ou sobre sua periculosidade. São avaliações diferentes.

E, na verdade, se tivéssemos de fazer uma avaliação de saúde mental nele, eu recomendaria uma avaliação de capacidade, e uma avaliação de risco e periculosidade, mais do que um diagnóstico. Um diagnóstico tem mais a ver com a saúde mental pessoal do presidente que não é realmente uma prioridade quando ele tem uma função pública tão importante, e estamos preocupados principalmente com a saúde e a segurança pública.