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Superpotências mundiais disputam influência política e posições econômicas no Ártico

Icebergs em região montanhosa da Groenlândia, onde o derretimento do gelo está em ritmo acelerado - Andrew Testa /The New York Times
Icebergs em região montanhosa da Groenlândia, onde o derretimento do gelo está em ritmo acelerado Imagem: Andrew Testa /The New York Times

Elisabeth Rosenthal

Em Nuuk (Groenlândia)

20/09/2012 06h00

Com o derretimento do gelo ártico em ritmo recorde, as superpotências do mundo estão cada vez mais disputando influência política e posições econômicas em postos avançados como este, antes considerados como terras desoladas.
 
Em disputa estão as reservas abundantes do Ártico de petróleo, gás e minérios que estão, graças à mudança climática, se tornando acessíveis às rotas polares de transporte cada vez mais navegáveis. Neste ano, a China se tornou uma jogadora bem mais agressiva neste campo frígido, dizem especialistas, provocando alarme entre as potências ocidentais.

Enquanto os Estados Unidos, a Rússia e vários países da União Europeia possuem território no Ártico, a China não tem, e em consequência, tem usado sua riqueza e força diplomática para conseguir fincar o pé na região.
 
“O Ártico cresceu rapidamente na agenda de política externa da China nos últimos dois anos”, disse Linda Jakobson, diretora do programa para Leste da Ásia do Instituto Lowy para Políticas Internacionais, em Sydney, Austrália. Logo, ela disse, os chineses estão explorando “um modo de se envolverem”. 

Em agosto, a China enviou seu primeiro navio pelo Ártico até a Europa e está fazendo um lobby intenso pelo status de observador permanente no Conselho do Ártico, uma entidade internacional composta por oito países árticos e que desenvolve políticas para a região, argumentando que é um “Estado próximo do Ártico” e proclamando que o Ártico é “uma riqueza herdada de toda a humanidade”, nas palavras da Administração Oceânica Estatal da China.
 
Para promover sua oferta ao conselho e melhorar as relações com os países árticos, seus ministros visitaram a Dinamarca, Suécia e Islândia recentemente, oferecendo acordos comerciais lucrativos. Diplomatas de alto nível também visitaram a Groenlândia, onde empresas chinesas estão investindo no desenvolvimento do setor de mineração, com propostas para importação de equipes de operários chineses para obras de construção.
 
Os países ocidentais estão particularmente ansiosos com as aberturas chinesas para a ilha pobre e esparsamente povoada, um território autônomo da Dinamarca, porque o recuo de sua calota de gelo revelou depósitos minerais cobiçados, incluindo terras raras que são cruciais para novas tecnologias, como celulares e sistemas de orientação militares. O vice-presidente da União Europeia, Antonio Tajani, correu para cá, para a capital da Groenlândia, em junho, oferecendo centenas de milhões em ajuda para desenvolvimento em troca de garantias de que a Groenlândia não daria à China acesso exclusivo às suas terras raras, chamando sua viagem de “diplomacia de matéria-prima mineral”.

A Groenlândia está próxima da América do Norte e abriga a base mais ao norte da Força Aérea dos Estados Unidos, em Thule. Em uma conferência no mês passado, Thomas R. Nides, vice-secretário de Estado para gestão e recursos, disse que o Ártico está se transformando “em uma nova fronteira em nossa política externa”.
 
Nos últimos 18 meses, a secretária de Estado, Hillary Rodham Clinton, e o presidente da Coreia do Sul, Lee Myung-bak, realizaram suas primeiras visitas ao território, e o primeiro-ministro da Groenlândia, Kuupik Kleist, foi recebido pelo presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, em Bruxelas.
 
“Estão nos tratando de modo bem diferente do que há apenas poucos anos”, disse Jens B. Frederiksen, o vice-primeiro-ministro da Groenlândia, e umas das poucas dezenas de autoridades groenlandesas, em seu gabinete simples aqui. “Nós estamos cientes de ser porque agora temos algo a oferecer, não porque repentinamente descobriram que os inuit são um povo agradável.”
 
A atividade chinesa no Ártico espelha até certo ponto a de outros países não árticos, à medida que a região aquece.
 
União Europeia, Japão e Coreia do Sul também pediram nos últimos três anos pelo status de observadores permanentes no Conselho do Ártico, o que lhes permitiria apresentar seu ponto de vista, mas não votar.
 
Essa entidade antes obscura, antes voltada para questões como monitoramento das populações animais do Ártico, agora tem tarefas mais substantivas, como definir futuras taxas portuárias e negociar acordos de indenização por vazamento de petróleo. “Nós passamos de um fórum para uma entidade de tomada de decisão”, disse Gustav Lind, um embaixador sueco para o Ártico e atual presidente do conselho.
 
Mas a China vê sua inclusão “como um imperativo, para que não fique de fora das decisões sobre minerais e transporte”, disse Jakobson, que também é um pesquisador do Ártico pelo Instituto de Pesquisa da Paz Internacional de Estocolmo. A economia da China é altamente dependente das exportações e a rota polar economiza tempo, distância e dinheiro entre qualquer ponto na Ásia e Europa, em comparação com a travessia do Canal de Suez.
 
Até o momento, há pouca exploração de fato dos recursos do Ártico. A Groenlândia tem apenas uma mina ativa, apesar de mais de 100 novos locais estarem sendo mapeados. Aqui, assim como no Alasca, Canadá e Noruega, as empresas de petróleo e gás ainda estão em grande parte apenas explorando, apesar de especialistas estimarem que mais de 20% das reservas de gás e petróleo do mundo estejam no Ártico. O clima mais quente já ampliou a estação de trabalho em mais de um mês em muitos locais, tornando o acesso mais fácil.
 
Em um momento neste verão do Hemisfério Norte, 97% da superfície da imensa calota de gelo da Groenlândia estava derretendo. Nas taxas atuais, as águas do Ártico poderiam ficar livres de gelo no verão até o final da década, disseram os cientistas.
 
“As coisas estão acontecendo muito mais rápido do que qualquer modelo científico previu”, disse Morten Rasch, que dirige o programa de Monitoramento de Ecossistemas da Groenlândia, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca.
 
A propriedade do Ártico é governada pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que dá aos países árticos uma zona econômica exclusiva que se estende até 200 milhas náuticas da terra, e aos recursos submarinos até mais longe, desde que estejam na plataforma continental. O Oceano Ártico no extremo norte não pertence a nenhum país e as condições lá são severas. Em um local onde fronteiras exatas nunca foram uma preocupação, as discussões sobre fronteiras já começaram entre os principais países –entre o Canadá e a Dinamarca, e os Estados Unidos e o Canadá, por exemplo.
 
Os Estados Unidos estão sendo atrapalhados na atual corrida porque o Senado se recusou a ratificar a Convenção sobre o Direito do Mar, apesar de tanto o governo Bush quanto o governo Obama terem fortemente apoiado fazê-lo. Isso significa que os Estados Unidos não conseguiram estabelecer formalmente suas fronteiras submarinas. “Nós estamos ficando para trás”, disse o vice-secretário Nides.
 
Mas especialistas dizem que as disputas de fronteira provavelmente serão resolvidas rapidamente por meio de negociação, para que todos possam prosseguir no negócio de ganhar dinheiro. Há “muito pouco espaço para uma corrida para tomada de território, já que grande parte dos recursos está em uma área já claramente demarcada”, disse Kristofer Bergh, um pesquisador do Instituto Estocolmo.
 
Mesmo assim, os países do Ártico e a Otan estão reforçando as capacidades militares na região, por precaução. Isso deixou a China com pouca opção, exceto estabelecer influência por meio de uma estratégia que funcionou bem na África e na América Latina: investir e se associar a empresas locais, assim como financiar boas obras para conquistar boa vontade. Seus cientistas se tornaram pilares da pesquisa multinacional no Ártico, e seus navios quebra-gelo são usados em expedições conjuntas.
 
E as empresas chinesas, algumas com laços estreitos com o governo, estão investindo em peso por todo o Ártico. No Canadá, as empresas chinesas adquiriram participação acionária em duas companhias de petróleo que podem lhe dar acesso a depósitos no Ártico. Durante uma visita em junho à Islândia, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, assinou vários acordos econômicos, cobrindo áreas como energia geotérmica e livre comércio.
 
Na Groenlândia, grandes empresas chinesas estão financiando o desenvolvimento de minas em torno de descobertas de gemas ou minérios por pequenas empresas de prospecção, disse Soren Meisling, chefe do setor para China do escritório de advocacia Bech Bruun, em Copenhague, que representa muitas delas. Uma mina imensa de minério de ferro em desenvolvimento perto de Nuuk, por exemplo, é de propriedade de uma empresa britânica, mas é financiada em parte por uma fabricante de aço chinesa.
 
As empresas de mineração chinesas provaram ser capazes de trabalhar em locais desafiadores e até mesmo propuseram construir pistas de pouso e decolagem para jumbos no gelo do extremo norte da Groenlândia, para transporte dos minérios até que o gelo derreta o suficiente para o transporte marítimo.
 
“Já há um senso de concorrência no Ártico, e eles sentem que podem sair à frente”, disse Jingjing Su, um advogado para China da Bech Bruun.
 
Os esforços contam claramente com apoio político. O ministro da indústria e recursos minerais da Groenlândia foi recebido pelo vice-primeiro-ministro da China, Li Keqiang, em novembro. Poucos meses depois, o ministro das terras e recursos da China, Xu Shaoshi, viajou à Groenlândia para assinar acordos de cooperação.
 
Analistas ocidentais temem que a China possa empregar sua riqueza, particularmente em alguns cantos pobres de recursos financeiros no Ártico, como a Groenlândia e a Islândia.
 
Mas as autoridades chinesas apresentam seus motivos em termos mais generosos. “As atividades da China visam propósitos de investigação ambiental regular e investimento, e não têm nada a ver com pilhagem de recursos e controle estratégico”, escreveu a agência estatal de notícias “Xinhua” neste ano.
 
Michael Byers, um professor de política e direito da Universidade da Colúmbia Britânica, disse que é improvável que os chineses exagerem seus direitos em uma região repleta de membros da Otan. “Apesar das preocupações que tenho com a política externa chinesa em outras partes do mundo, no Ártico ela está se comportando de modo responsável”, ele disse. “Eles só querem ganhar dinheiro.”
 
Em fevereiro, o Conselho do Ártico deverá escolher os países que receberão o status de observadores permanentes, o que exige votação unânime. Apesar da Islândia, Dinamarca e Suécia apoiarem abertamente o pedido da China, o Departamento de Estado dos Estados Unidos, contatado para comentários, se recusou a dizer como votará.