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Mutilados no atentado na maratona de Boston resistem, um ano depois

Katharine Q. Seelye

Em Stoneham, Massachusetts (EUA)

15/04/2014 06h00

Quando duas bombas transformaram a Maratona de Boston do ano passado em uma zona de guerra, a família Norden teve uma dose dupla de pesar. J.P., 34 anos, e seu irmão Paul, 32, ambos operários de construção no seu auge que estavam lá para torcer para um amigo, perderam uma perna cada na carnificina.

Desde então, eles estão reconstruindo de forma lenta e dolorosa as suas vidas. Após longas internações hospitalares e mais de 50 cirurgias somadas entre eles, eles estão caminhando com próteses. Eles estão conversando sobre abrirem um negócio de telhados juntos. Ambos se mudaram para a casa da mãe deles neste subúrbio operário ao norte de Boston e estão vivendo com suas namoradas. Paul está noivo.

Os Nordens não querem ficar lembrando do que aconteceu na maratona e nem ser definidos por isso. Mas a proximidade do primeiro aniversário está os atraindo de volta. A ocasião ganhou enorme importância simbólica à medida que os sobreviventes e a própria Boston estão determinados a mostrar seu desafio e resistência. O aniversário formal se estenderá por quase uma semana a partir de 15 de abril, a data do atentado do ano passado –que matou três pessoas, feriu pelo menos 260 e fez com 16 perdessem membros– e prosseguirá até 21 de abril, a data da maratona deste ano.

Como muitos outros, os Nordens estão sobrecarregados pela atenção que o aniversário está atraindo. Tributos, painéis de discussão, concertos, eventos para arrecadação de fundos e especiais de televisão lotam o calendário público. E como os Nordens estão promovendo um livro sobre a experiência deles, a necessidade de dedicarem tempo se intensificou. Para eles, o aniversário é um obstáculo a superar. Por ora, os irmãos não têm tempo para se exercitarem. Eles adiaram cirurgias necessárias. Paul e sua noiva, Jacqui Webb, que também foi ferida na explosão, adiaram os planos do casamento.

Liz Norden, 51 anos, uma mãe solteira de cinco, disse que agora que seus meninos, como ela os chama, estão se recuperando, o pesar teve início para ela.

"Agora é que tudo vem à tona –minhas emoções, as emoções deles, o aniversário, a mídia", ela disse. "Tudo se soma. Eu agora choro à toa."

Todos eles agora são atraídos para aqueles momentos horríveis naquele dia fresco de primavera do ano passado, quando, como Liz colocou, as vidas deles mudaram "num piscar de olhos".

A primeira explosão, a uma quadra de onde estavam, confundiu J.P., Paul e Webb. Enquanto outros espectadores, gritando, começaram a fugir, eles tentaram fazer o mesmo. Paul e J.P. começaram a puxar Webb por sobre as barricadas de metal, na direção da rua.

Doze segundos depois, uma segunda bomba explodiu do lado de fora do restaurante Forum, a poucos metros de onde estavam os Nordens e Martin Richard, 8 anos, um dos mortos na explosão.

J.P ficou deitado na calçada.

"Eu tentava me levantar primeiro com esta perna", ele disse outro dia, apontando para sua perna direita enquanto se sentava em um sofá confortável na casa de seu irmão. "Mas não conseguia. Eu olhei para ela e ela não estava mais lá, e não conseguia me levantar. Minhas calças estavam pegando fogo. Minha camisa estava pegando fogo."

Ele rolou para apagar as chamas e foi rapidamente cercado pelos médicos e espectadores que arrancaram suas camisas e cintos para aplicar torniquetes em ambas suas pernas. Ele estava encharcado de sangue, Quando chegou ao hospital, ele mal estava vivo.

Paul estava sentado a poucos metros de J.P., mas atordoado. Ele olhava para sua perna direita, que estava decepada, jogada na rua com outros detritos da explosão.

"Minha mente queria que eu fosse pegá-la, mas meu corpo não me deixava", ele lembrou.

Nenhum irmão conseguia ouvir o outro gritando. A explosão perfurou seus tímpanos.

A explosão arremessou Webb na rua, onde ela caiu de quatro. Suas mãos estavam queimando a ponto de seus anéis começarem a derreter, e sua perna direita ficou talhada por estilhaços. Ela ficou com medo de a bomba conter substâncias químicas, de modo que se despiu e ficou só com a roupa de baixo. Um bombeiro arrancou sua camisa e a vestiu. Outros a cobriram com toalhas de mesa.

Os irmãos foram levados para hospitais diferentes –J.P. para Brigham and Women's e Paul para o Beth Israel Deaconess Medical Center. Ambos se recuperaram posteriormente no Spaulding Rehabilitation Hospital. A namorada de J.P., Kelly Castine, ficou com ele todas as 45 noites em que permaneceu hospitalizado; Jonathan Norden, 28 anos, o mais novo dos irmãos, permaneceu com Paul todas as 31 noites de sua hospitalização.

Novas pernas e desafios

O One Fund Boston, o principal esforço de arrecadação de fundos para as vítimas do atentado, distribuiu mais de US$ 61 milhões no verão passado para 230 pessoas. Cada um dos irmãos Norden recebeu US$ 1,2 milhão.

Dadas as despesas médicas e das próteses que terão por toda a vida, os irmãos estão poupando esse dinheiro.

"Eu tenho medo de gastá-lo e desperdiçá-lo", disse J.P. "Eu não sei o que a vida me trará. Eu não sei como será o trabalho, eu não sei que tipo de trabalho eu serei capaz de fazer."

É estranho dedicar o que ganharam a algo que preferiam não ter e a qual ainda estão se acostumando. Isso vale especialmente para J.P. Apesar de sua amputação ter ocorrido abaixo do joelho e ser considerada menos traumática que a de seu irmão, ele ficou mais gravemente ferido de modo geral e precisou de mais tempo para se recuperar. Paul começou a caminhar com sua perna nova em 23 de junho; J.P. só conseguiu fazê-lo no início de março.

"O dia de que mais me orgulho foi aquele em que vi ele caminhando ao meu lado", disse J.P. sobre seu irmão, que é 16 anos mais novo. "Mas ao mesmo tempo, foi tipo, droga, que porcaria, eu não consigo levantar e andar com ele."

Uma das circunstâncias mais difíceis, disse J.P., é estar na cama quando precisa usar o banheiro. Ele precisa acender a luz, preparar seu coto, colocar sua perna, ir ao banheiro, voltar e retirar a perna. Mas àquela altura ele já perdeu o sono. Em vez disso, ele usa um penico, mas está tentando aprender a colocar sua perna mais rápido.

Ele também aguarda pelo dia em que um transplante de perna será possível. Seu médico disse que o procedimento poderá estar disponível daqui uma década. Mas ele alertou que até lá, J.P. pode estar tão acostumado com sua prótese que não vai querer a perna de outra pessoa ou passar pelo trauma de um transplante.

J.P. olhou para sua prótese.

"Se me perguntasse agora, eu provavelmente preferiria a perna de outra pessoa", ele disse. "Mas daqui 10 anos, provavelmente não vou querer."

Emoções diferentes

Liz se mudou para uma casa de fácil acesso para deficientes poucos meses depois da maratona. Mas quando Paul e J.P. saíram do hospital, eles foram para a antiga casa dela, em Wakefield. Os quartos ficavam no andar de cima, proporcionando a Liz um exercício interminável.

"Eu dizia, tipo, 'Mãe, dá para me trazer meus comprimidos?'" disse J.P. "Mãe, dá para fazer isso? Dá para fazer aquilo? Ou tocava um sino ou enviava uma mensagem de texto para ela. 'Mãe, estou na cama e não consigo me levantar de novo. Pode me trazer água?' E ela trazia."

"Eu fiz isso sua vida inteira!" sua mãe interrompeu, com bom humor. "Nada mudou."

Piadas a parte, ela disse que faria qualquer coisa pelos seus meninos.

"Mas para mim, é triste por serem adultos", ela disse. "Houve momentos em que Paul precisava de ajuda para colocar sua perna. Ele tem 32 anos. Ele não quer que sua mãe faça isso." Por mais próximos que sejam, ela disse, "às vezes você não sabe qual é o seu lugar".

Paul mal conseguia encontrar palavras para descrever tudo o que sua mãe fez.

"Ela sempre foi tudo para mim por toda minha vida", ela disse. "Eu sofria de ansiedade e ela sempre estava ali ao meu lado."

Foi o tipo de depoimento que valeu a Liz o prêmio de "Mãe que Não Pode ser Detida" no programa "Live with Kelly and Michael" da "ABC" no mês passado. Uma de suas filhas, Caitlin, a inscreveu, e Liz, que até a maratona ganhava a vida limpando casas, ganhou um troféu e US$ 100 mil. Ela planeja abrir uma organização sem fins lucrativos para ajudar seus filhos e outros que perderam pernas.

Mas isso também foi colocado na espera até depois do aniversário. A recente publicação do livro dos irmãos, "Twice as Strong", arrastou todos os Nordens para o frenesi da mídia. Eles sabem que para promover o livro, cujos lucros ajudarão a custear as despesas médicas deles, eles precisam estar disponíveis para entrevistas. E eles querem usar a exposição para agradecer as milhares de pessoas que doaram tempo e dinheiro para melhorar suas vidas.

"Você percebe quantas pessoas boas existem no mundo", disse J.P. "Você não deveria ter que esperar por uma tragédia para saber disso, mas foi preciso isso para que eu descobrisse."