Nova rota de imigração na Europa tem seus próprios riscos
Eles chamam o lugar de "a floresta", mas na verdade é apenas de um emaranhado de trilhas no meio de árvores raquíticas perto de uma fábrica de tijolos abandonada.
Entre 150 e 200 pessoas –-a maioria homens, e algumas famílias jovens-– estão aglomeradas em grupos separados por acampamentos espalhados pela área, a maioria descansa em cobertores empoeirados, a terra enegrecida aqui e ali pelos restos das fogueiras da noite anterior.
"Temos pessoas do Iraque, Paquistão, Irã, Afeganistão, Eritreia, Somália, Marrocos", disse Mohamd, 42, ex-motorista de caminhão de uma fábrica perto de Alepo, na Síria, que espera chegar à Holanda. "Eu estou esquecendo alguém?"
Seu primo, Walid, 45, arrastou a sandália gasta na terra batida. "Argélia?"
Mohamd acenou para ele. "Esse grupo entrou na Hungria duas noites atrás", ele disse. "Não os vimos voltar."
À medida em que a guerra continua assolando o Médio Oriente e o Afeganistão, e milhares tentam fugir da pobreza da África, a onda de refugiados e migrantes com destino à Europa Ocidental não mostra sinais de diminuir neste verão.
Nos últimos anos, a rota mais popular tem sido atravessar o Mediterrâneo em barcos de contrabandistas líbios com destino às ilhas mais próximas na costa da Itália. Mas como essa rota ficou cada vez mais perigosa –-entre os diversos riscos estão o afogamento, o abandono por contrabandistas sem escrúpulos e a repressão das patrulhas de fronteira europeias-– a maré humana está mudando de direção. Cada vez mais, os migrantes estão seguindo uma rota terrestre para a Europa através da Grécia e dos Balcãs Ocidentais.
Mas, com o caminho alternativo vêm outros perigos: violência, exploração, intolerância. Embora a maioria dos países europeus estejam sobrecarregados por essa onda, alimentando uma reação anti-imigração em muitos lugares, países do leste europeu como a Hungria, Sérvia e Bulgária são considerados particularmente hostis.
Ainda assim, os migrantes continuam chegando.
Mohamd, assim como mais de duas dezenas de migrantes entrevistados na fábrica de tijolos e em outros locais ao longo da fronteira com a Hungria, recusou-se a dar seu sobrenome por medo de represálias contra os parentes que ficaram para trás e de autoridades pouco amigáveis no caminho pela frente. Sua história é típica.
Ele deixou a Síria em 16 de maio, chegou à Turquia e atravessou a fronteira para a Grécia.
Ao longo do caminho, pode haver viagens curtas de ônibus ou quilômetros percorridos de trem. Mas para muitos dos migrantes –-inclusive quase todos os entrevistados na fábrica de tijolos-– a viagem foi em grande parte feita a pé. Eles andam ao longo de ferrovias ou seguem caminhos indicados por contrabandistas ou pela rede comunicação dos refugiados que já estão à frente.
Para um pássaro, a viagem em linha reta de Damasco, na Síria, até Szeged, do outro lado da fronteira húngara, é de 1.900 quilômetros. De Cabul, no Afeganistão, é de 3.390 quilômetros. A rota do migrante, no entanto, dificilmente é a mais curta.
A viagem de Aleppo, na Síria, até Szeged tem 1.770 quilômetros em linha reta, mas mais de 2.400 quilômetros pelas estradas, e mais do que isso para contornar os postos de vigilância e seguir caminhos sinuosos nas florestas e linhas de trem.
"Fiz algumas viagens curtas de trem e uma de ônibus", disse Mohamd. "Mas, principalmente, caminhamos".
Levou 10 dias para chegar à Grécia. A Macedônia foi cruzada rapidamente, mas ele ficou preso na Sérvia por um mês. Ele conseguiu se infiltrar na Hungria duas vezes e foi preso rapidamente, passando 16 dias na prisão da primeira vez e cinco na segunda. Ele também recebeu um documento oficial que o proíbe de entrar no país por três anos.
"Vou tentar de novo hoje à noite ou amanhã", disse ele, dando de ombros. "O que mais posso fazer? Não há mais vida na Síria, só bombardeios.”
Em um relatório da Anistia Internacional deste mês, a organização reconheceu os perigos da rota terrestre. "Os refugiados enfrentam obstáculos consideráveis para conseguir asilo em qualquer país ao longo de sua jornada", disse o relatório.
"Refugiados e migrantes estão em constante risco de exploração, detenção arbitrária e maus-tratos."
A cidade húngara de Asotthalom fica localizada, de forma convidativa, no ponto onde a estrada nacional chega mais perto da fronteira, não muito longe da fábrica de tijolos. Seu prefeito, Laszlo Toroczkai, ex-ativista de um grupo de jovens antissemitas que desde então se juntou ao partido de extrema-direita Jobbik, chamou a atenção do país por sua oposição feroz à onda migratória.
"Eu de fato respeito o Islã", disse ele, em seu escritório pequeno e pouco decorado na Câmara Municipal. "Mas a Europa não é um continente do Islã. É por isso que lutamos com eles na Idade Média, para tirá-los daqui."
Embora a Hungria tenha a responsabilidade de cuidar de refugiados genuínos, ele acredita que muitos que atravessam a fronteira para a Hungria são apenas imigrantes ilegais buscando uma vida melhor em uma sociedade mais aberta.
Diz-se que Toroczkai foi o primeiro a propor a ideia de construir uma cerca ao longo de toda fronteira da Hungria com a Sérvia, que se estende por mais de 160 quilômetros –-uma coisa que o governo atual começou a fazer.
"Não importa quem teve a ideia primeiro", disse ele. "Para mim, o importante é proteger o vilarejo, o país e a Europa."
Na pequena cidade sérvia de Kanjiza, quilômetros a leste de Subotica, um grupo um pouco mais rico de migrantes estava reunido num parque ao lado de uma garagem de ônibus.
O trajeto a pé para atravessar a fronteira até Szeged, terceira maior cidade da Hungria, é de apenas 32 quilômetros.
Muitos deles disseram que eles, ao contrário dos que acampam na fábrica de tijolo, ainda têm dinheiro suficiente para dormir em hotéis, e para pagar valores altos para contrabandistas confiáveis.
Annas, 26, estudante de engenharia mecânica de Damasco, abrigava-se na sombra exígua. "O exército sírio queria me chamar para o serviço militar", ele disse, "então eu fugi."
Gangues sérvias perseguem pequenos grupos de migrantes na fronteira, disse ele.
"Se você está em apenas quatro ou cinco pessoas, você perde tudo. É por isso que viajamos em grupos de 50.”
Ele descreveu o plano: eles sairiam em menos de uma hora e tentariam chegar em Szeged pouco depois da meia-noite. Um ponto de táxi é conhecido por ter carros esperando todas as madrugadas, entre 3h e 5h, para levar qualquer um numa viagem de duas horas até Budapeste por 100 euros, sem perguntar nada.
De lá, minivans continuariam a viagem para a Alemanha por mais 400 euros por pessoa.
"É possível, se você sabe para onde ir e você tem dinheiro suficiente", disse Annas.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.