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Por que o prefeito de Chicago se livrou do chefe de polícia

"Ele se tornou um problema, mais que uma solução", disse o prefeito Rahm Emanoel (direita) sobre Garry F. McCarthy, seu ex-chefe de polícia - Jim Young/Reuters
"Ele se tornou um problema, mais que uma solução", disse o prefeito Rahm Emanoel (direita) sobre Garry F. McCarthy, seu ex-chefe de polícia Imagem: Jim Young/Reuters

Monica Davey e Mitch Smith

Em Chicago

03/12/2015 06h03

Há uma semana, o prefeito Rahm Emanuel e o superintendente da polícia, Garry F. McCarthy, estavam juntos, lado a lado, quando a cidade divulgou o vídeo muito esperado de um policial branco que atirou 16 vezes contra um adolescente negro em uma rua de Chicago no ano passado. Mas depois de noites de manifestações que se seguiram à divulgação do vídeo e de apelos crescentes por mudanças no Departamento de Polícia da cidade e em outros órgãos, Emanuel apresentou-se sozinho na terça-feira (1) para dizer que tinha demitido McCarthy.

Foi uma mudança repentina para Emanuel, que havia trazido McCarthy a Chicago há mais de quatro anos e recentemente, ainda na semana passada, expressara confiança em seu trabalho. E salientou a intensa pressão pública e política que Emanuel enfrenta sobre a morte a tiros do adolescente Laquan McDonald, a integridade do departamento ao investigar essa morte e a resistência da Prefeitura a liberar o vídeo. A gravação foi conhecida pelo público na semana passada, somente depois de uma ordem judicial.

Diante de perguntas diretas sobre por que a Prefeitura não divulgou o vídeo no início deste ano, quando Emanuel estava em uma acirrada batalha pela reeleição, ele disse: "Temos uma prática, não só em Chicago, de não fazer nada que se relacione a provas materiais que possa prejudicar, obstruir ou comprometer uma investigação". E acrescentou: "Mas é claro que vocês querem e o público merece essa informação. São dois princípios conflitantes."

Emanuel, um democrata que foi eleito para o segundo mandato, também reconheceu que há necessidade de amplas mudanças no departamento de polícia de Chicago. Ele anunciou que uma força-tarefa examinará atentamente a contabilidade, supervisão e treinamento do departamento. E disse que precisa trabalhar para aumentar a confiança do público, tanto na polícia quanto nele mesmo.

"Há desafios sistemáticos que exigirão reformas sustentadas", disse Emanuel à imprensa durante uma tensa entrevista coletiva na Prefeitura. Ele disse que demitiu McCarthy, 56, na terça-feira de manhã porque "nesta altura e conjuntura da cidade, diante daquilo em que estamos trabalhando, ele se tornou um problema, mais que uma solução, e uma distração".

"Sou responsável", disse Emanuel sobre a necessidade de mudanças no Departamento de Polícia. "Não me esquivo dessa responsabilidade. Tomei certas medidas antes. Estou tomando medidas hoje. Como eu lhes disse, esta é uma obra em progresso e a busca por uma solução. Não é o fim do problema."

Os problemas de Emanuel com os eleitores negros e líderes comunitários antecedem a morte de McDonald. Ele foi obrigado a enfrentar um segundo turno eleitoral este ano por causa, em parte, da revolta da maioria dos bairros negros e latinos sobre a decisão de seu Conselho Escolar em 2013 de fechar quase 50 escolas públicas de Chicago. A alta criminalidade em alguns desses bairros e antigas queixas sobre a brutalidade policial também alimentaram a oposição ao prefeito.

Demissão é considerada insuficiente por líderes negros

Agora, muitos eleitores negros dizem que estão perturbados pelo tiroteio contra McDonald e o tratamento de jovens negros pela polícia. Enquanto a demissão de McCarthy era anunciada, críticos da condução do caso McDonald pela Prefeitura pressionaram por mais mudanças e alguns líderes exigiram mais investigações. Lisa Madigan, a secretária estadual de Justiça, pediu uma investigação do Departamento de Justiça [ministério] sobre as práticas do Departamento de Polícia de Chicago, como a que foi conduzida em Ferguson, Missouri, depois do tiroteio cometido pela polícia local.

Alguns críticos pediram a renúncia do promotor local por esperar 13 meses para acusar Jason Van Dyke, na semana passada, pela morte de McDonald. Outros disseram que Emanuel deveria renunciar ou pelo menos se submeter a uma investigação externa da condução do caso por seu governo.

"O prefeito tem de se responsabilizar", disse Ja'Mal Green, um ativista e líder de um grupo comunitário local. "Queríamos a saída de McCarthy, mas ele é o menor dos males." Green descreveu o superintendente como "assumindo a culpa" em nome do prefeito criticado.

O reverendo Corey Brooks disse que alguns negros de Chicago estão preocupados com os esforços da cidade para impedir a divulgação do vídeo enquanto Emanuel disputava a reeleição. Emanuel foi reeleito em 7 de abril; o Conselho da Cidade aprovou um acordo de US$ 5 milhões (cerca de R$ 20 milhões) para a família McDonald em 15 de abril. O acordo inclui um dispositivo que impede a divulgação do vídeo até a conclusão das investigações estadual e federal.

O vídeo mostra McDonald, que caminhava por uma rua segurando um pequeno canivete, a alguns metros de distância de Van Dyke e não avançando em sua direção quando o oficial abriu fogo. Ele pareceu continuar atirando mesmo depois que McDonald estava caído no chão.

Autoridades municipais, inclusive Emanuel, afirmaram que a divulgação do vídeo poderia interferir nas investigações. A Prefeitura afinal o liberou na semana passada, depois que um juiz determinou que tinha de acatar um pedido de registros públicos e que as investigações não isentavam a cidade das leis estaduais de registros públicos.

Van Dyke foi acusado de assassinato e foi libertado na segunda-feira (30) sob fiança de US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 6 milhões).

"Muita gente em nossa comunidade sente que o momento foi realmente suspeito", disse Brooks. "As pessoas estão muito contrariadas. Estão infelizes com toda a situação, e muita gente acha que ele tem a maior responsabilidade", acrescentou sobre o prefeito.

Emanuel disse que a investigação federal sobre o tiroteio também examinaria a condução pela polícia dos fatos que se seguiram. Que o inquérito poderá abordar questões como o desaparecimento da gravação da câmera de vigilância de um restaurante próximo e a falta de áudio no vídeo gravado pela câmera no painel do carro de polícia que capturou a morte de McDonald.

Críticos da investigação disseram que a falta de gravação e de áudio indicam um encobrimento pela polícia, mas os policiais negam isso.

Emanuel disse que o vice-superintendente do departamento, John Escalante, ficaria na direção do mesmo até que o sucessor de McCarthy seja escolhido. Escalante, um ex-chefe do Birô de Detetives do departamento, tornou-se primeiro vice-superintendente em outubro, quando dois altos cargos do departamento se aposentaram.