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Escândalos dos anos 90 deixam feministas desconfiadas de Hillary Clinton

Li Muzi/Xinhua
Imagem: Li Muzi/Xinhua

Amy Chozick

22/01/2016 06h00

Neste mês, Lena Dunham, estrela da série "Girls", foi vista usando um vestido suéter vermelho, branco e azul com a palavra "Hillary" escrita no peito, e dizia aos eleitores como Hillary Clinton superou o sexismo em sua carreira política.

"A forma como ela é tratada é apenas mais uma evidência do fato de que nosso país nutre muito ódio por mulheres bem-sucedidas", disse Dunham, criadora e protagonista da série da HBO, em um evento de campanha de Hillary em Manchester, New Hampshire.

Mas em um jantar em Manhattan poucos meses atrás, Dunham expressou sentimentos mais conflituosos. Ela disse aos convidados, no apartamento na Park Avenue de Richard Plepler, o presidente-executivo da HBO, que estava perturbada pela forma como, nos anos 90, o casal Clinton e seus aliados desacreditavam mulheres que diziam ter tido encontros sexuais ou foram atacadas sexualmente pelo ex-presidente Bill Clinton.

A conversa, segundo várias pessoas com conhecimento da discussão e que falaram apenas sob a condição de anonimato, captura o debate mais profundo em andamento entre as mulheres de inclinação liberal sobre como conciliar a liderança de Hillary Clinton em assuntos da mulher e seu envolvimento no passado nos esforços de seu marido de rechaçar as acusações de mau comportamento sexual.

A questão surgiu no mês passado, quando Hillary Clinton acusou o candidato presidencial republicano Donald Trump de ter uma "queda por sexismo" e ele, por sua vez, a acusou de hipocrisia, diante da forma como o marido dela travava as mulheres. E nas últimas semanas, os escândalos dos anos 90 e o papel de Hillary neles acabaram ganhando vida própria, provocando uma dor de cabeça inesperada em uma campanha que pretende inspirar o eleitorado feminino.

Hillary Clinton esperava mobilizar as mulheres no final do mês passado com sua crítica a Trump. Em vez disso, restando duas semanas para a primária de Iowa, a campanha dela se vê tentando assegurar o apoio entre as mulheres, à medida que as discussões sobre os velhos escândalos de Bill Clinton passam dos críticos conservadores para a consciência pública geral.

"Ela não é uma vítima. Ela é uma facilitadora", disse Trump na "Fox News" na semana passada. "Algumas dessas mulheres foram destruídas e Hillary trabalhou com" seu marido, ele disse.

Dunham recusou o pedido por comentários. A porta-voz dela, Cindi Berger, disse que Dunham "apoia plenamente Hillary Clinton e seu retrospecto de defesa das mulheres", e que a descrição de seus comentários no jantar é uma "descaracterização total".

Mas o ressurgimento dos escândalos dos anos 90 fez com que algumas feministas repensassem sobre como mulheres proeminentes defenderam Bill Clinton e denegriram suas acusadoras depois das "erupções de 'bimbos' (mulheres bonitas e burras)", como uma assessora próxima dos Clinton, Betsey Wright, chamou as alegações de ataques sexuais contra Bill Clinton na campanha dele de 1992.

Até mesmo alguns democratas que participaram do esforço para desacreditar as mulheres reconhecem de modo privado que hoje, quando Hillary Clinton e outras mulheres pedem às autoridades nos campi universitários e nos locais de trabalho que levem qualquer alegação de ataque sexual e assédio sexual a sério, uma campanha como essa de ataque ao caráter das mulheres seria inaceitável.

Naquela época, os assessores de Bill Clinton, após acabarem as esperanças presidenciais de Gary Hart devido ao seu relacionamento com Donna Rice nas primárias democratas de 1988, estavam determinados a esmagar quaisquer acusações contra Bill Clinton cedo e agressivamente, explicaram ex-assessores de campanha. Hillary Clinton apoiou o esforço de reação contra as histórias das mulheres.

Grande parte do envolvimento dela transcorreu nos bastidores e motivado, em parte, pela sensação dela de que as forças de direita estavam usando as mulheres e histórias devassas para prejudicar as ambições políticas de seu marido. O reflexo dela foi proteger a ele e seu futuro e, desde cedo, recorreu a uma amiga leal, Wright, para defendê-lo contra as alegações, segundo múltiplos relatos da época, documentados em livros e histórias contadas.

"Temos que destruir a história dela", disse Hillary Clinton em 1991 sobre Connie Hamzy, uma das primeiras mulheres a se apresentarem durante a primeira campanha presidencial de seu marido, segundo George Stephanopoulos, um ex-assessor do governo Clinton que descreveu os eventos em seu livro de memórias, "All Too Human" (Tudo muito humano, em tradução livre, não lançado no Brasil). (Três pessoas assinaram declarações juramentadas dizendo que o relato de Hamzy era falso.)

Quando Gennifer Flowers surgiu posteriormente, dizendo que teve um longo caso com Bill Clinton, Hillary realizou uma "campanha agressiva, explícita, para desacreditar" Flowers, segundo uma extensa biografia de Hillary Clinton, "A Woman in Charge" (Uma mulher no controle, em tradução livre, não lançado no Brasil), de Carl Bernstein.

Hillary se referiu a Monica Lewinsky, a estagiária da Casa Branca que teve um caso com o 42º presidente, como uma "maluca narcisista", segundo uma de suas principais confidentes, Diane D. Blair, cujos diários foram doados à Universidade de Arkansas após sua morte em 2000. Lewinsky posteriormente disse que o comentário era um exemplo do impulso de Hillary Clinton de "culpar as mulheres".

Brian Fallon, um porta-voz de Hillary Clinton, disse que "essas são tentativas de arrastar Hillary Clinton para alegações de décadas atrás, por meio de invenções recentes infundadas". Ele acrescentou que Hillary "passou toda sua vida defendendo as mulheres e que as acusações do contrário são altamente injustas e falsas".

Um alerta a Hillary feito por Trump pelo Twitter –"Tenha cuidado Hillary com a forma como você joga a carta da guerra contra as mulheres ou das mulheres degradadas"– chamou inicialmente a atenção no mês passado. Então, Paula Jones, que acusou Bill Clinton de se expor enquanto ela era funcionária pública em Arkansas, e Juanita Broaddrick, uma executiva de uma casa de repouso do Arkansas que alegou ter sido atacada sexualmente por Bill Clinton em 1978, quando ele era o procurador-geral do Estado, ressurgiram na mídia.

Bill Clinton manteve a posição de que era inocente, mas acabou pagando a Jones o valor de US$ 850 mil para encerrar o caso de assédio sexual. Ele negou, por meio de seu advogado, ter atacado Broaddrick.

"É preciso dar crédito a Trump", disse Jennifer Weiner, uma romancista best-seller e feminista. "Ele é um gênio em cutucar e sondar seus adversários até encontrar pontos fracos."

Ao recordar aos eleitores os termos duros usados por Bill Clinton e seus assessores para descrever essas mulheres, Trump buscou diminuir um dos pontos mais fortes de Hillary: seu compromisso em ajudar as mulheres.

Os ataques de Trump fazem Hillary parecer menos uma "líder forte, uma feminista autorrealizada, que as mulheres podem orgulhosamente apoiar", acrescentou Weiner, e mais uma "oportunista covarde, assim como defensora de um predador".

Os defensores de Hillary Clinton rejeitam fortemente essa caracterização e dizem que não há verdade nas acusações dos adversários políticos de que ela amordaçou as acusadoras de seu marido. Eles notam que Broaddrick, por exemplo, não apresentou qualquer evidência que mostrasse que Hillary Clinton a pressionou a ficar calada sobre a acusação de abuso sexual.

Muitos dos defensores de Hillary dizem que trata-se do ato supremo de sexismo culpá-la pelas transgressões de seu marido.

"Mostre-me uma mulher que, ao descobrir que seu marido está tendo um caso com uma mulher mais jovem, diz: 'Oh, sinto uma irmandade muito grande com ela'", disse Katha Pollitt, uma poetisa feminista e colunista da revista "The Nation".

Após a postagem inicial de Trump no Twitter, o debate se espalhou rapidamente para escritoras proeminentes, que escreveram colunas de opinião na "Cosmopolitan", "Slate" e na "New York Magazine", entre outros veículos. Até mesmo as mulheres do programa de televisão "The View" se manifestaram.

"Não se trata dos pecados leves de Bill Clinton", disse Camille Paglia, uma escritora feminista e professora da Universidade das Artes da Filadélfia, e apoiadora de um dos rivais de Hillary Clinton, o senador Bernie Sanders, de Vermont. "Trata-se do comportamento de Hillary Clinton em relação às acusadoras de seu marido durante todos aqueles anos."