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Antes de Orlando, massacre antigay em Nova Orleans ficou praticamente esquecido

Incêndio criminoso em um bar de Nova Orleans deixou 32 mortos em 1973 - Reprodução/UpStairs Inferno
Incêndio criminoso em um bar de Nova Orleans deixou 32 mortos em 1973 Imagem: Reprodução/UpStairs Inferno

Liam Stack

15/06/2016 06h00

O ataque terrorista em Orlando, que matou 49 e feriu 53, foi a maior chacina de gays na história americana, mas antes de domingo, essa distinção sombria era de um incêndio criminoso em grande parte esquecido, ocorrido em um bar de Nova Orleans em 1973, que matou 32 pessoas em uma época de pernicioso estigma antigay. 

As igrejas se recusaram a enterrar os restos mortais das vítimas. Suas mortes foram em grande parte ignoradas e às vezes ridicularizadas por políticos e pela mídia. Ninguém nunca foi indiciado. Uma piada circulava nos locais de trabalho e até mesmo foi repetida no rádio: "Onde vão enterrar as bichas? Em potes de frutas!"

Foram muitas as manifestações de pesar por políticos e pessoas comuns após o massacre em Orlando, mas para aqueles que se recordam do incêndio no bar de Nova Orleans, o UpStairs Longe, sua lembrança solitária paira sobre as conversas sobre a carnificina nesta semana na boate Pulse. 

Mike Moreau, 72 anos, que perdeu vários amigos no incêndio, disse que ficou impressionado com as diferenças entre aquela época e agora, assim como também pela familiaridade da dor da tragédia. 

"O que aconteceu conosco teve que ser mantido de forma privada", disse Moreau. "O público não queria saber a respeito e, caso soubesse, não se importava. 'Graças a Deus eles morreram, eles mereceram'." 

"Ver a grande quantidade de manifestações de amor e apoio que essas pobres famílias receberam é fantástico", ele acrescentou sobre o massacre em Orlando. "Elas estão sofrendo da mesma forma que sofremos, mas ao menos sabem que o mundo as apoia e entende seu pesar." 

Moreau estava com amigos em outro bar próximo em 24 de junho de 1973, quando um incendiário encharcou as escadas do UpStair Lounge com fluido de isqueiro, tacou fogo e tocou a campainha. Quando alguém atendeu a porta, uma bola de fogo invadiu a sala. 

Um grupo de clientes escapou pela saída dos fundos, mas outro ficou preso do outro lado do salão, pego entre as chamas e as janelas do piso ao teto com barras de metal. Quando os bombeiros apagaram as chamas, eles encontraram uma pilha de corpos carbonizados, alguns abraçados e outros pressionados contra as janelas. 

Os fiéis Igreja Comunitária Metropolitana de Nova Orleans, um grupo de afirmação LGBT, estavam reunidos ali após o culto. O pastor Bill Larson estava entre os mortos. Seu corpo queimado foi deixado por horas inclinado contra as barras da janela, à plena vista dos transeuntes. 

Ele foi um dos muitos que morreram sem assumir para suas famílias, e sua mãe rejeitou seus restos mortais, disse Robert L. Camina, que dirigiu um documentário, "UpStairs Inferno", sobre o incêndio. 

"A mãe dele se recusou a buscar suas cinzas por estar embaraçada demais por seu filho ser gay", disse Camina. "E esse foi apenas um exemplo. Há três pessoas que nunca foram identificadas. Por quê? Alguém deve ter sentido falta delas." 

Essas três foram enterradas sem identificação em um cemitério de indigentes juntamente com uma quarta pessoa, Ferris LeBlanc, cuja família não sabia de seu destino até o ano passado, disse Camina. "Eles abriram um buraco no chão, colocaram um saco ali e cobriram", disse Moreau. 

Figuras públicas não demonstraram apoio. O prefeito, Moon Landrieu, não suspendeu suas férias. Quarenta anos depois, seu filho e atual prefeito, Mitch Landrieu, declarou um dia de luto público pelas vítimas do incêndio em seu aniversário. 

"As pessoas LGBT agora têm um lugar à mesa que não tinham na época", disse Clayton Delery-Edwards, que escreveu um livro sobre o incêndio que foi publicado em 2014. 

O incêndio foi uma ferida aberta para a comunidade gay de Nova Orleans por anos. Ninguém foi acusado pelo ataque e um homem visto por muitos como principal suspeito nunca foi preso. Ele cometeu suicídio um ano depois do incêndio. 

Johnny Townsend, que entrevistou sobreviventes no final dos anos 80 e finalmente publicou os relatos deles em 2014, disse que a lembrança do incêndio em seu 40º aniversário lhe deu uma atenção pública que não teve antes. "As pessoas agora têm um senso maior de sua própria história", ele disse. 

Para Moreau,  as manifestações de apoio às vítimas em Orlando são um "sinal encorajador de progresso", ele disse. "Em Orlando, essas pobres pessoas ao menos sabem que o mundo todo as apoia", ele disse. "Ninguém se importou conosco."

Sobrevivente de Orlando relembra momento do ataque

AFP