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Milhões de árvores mortas correm risco de pegar fogo na Califórnia

Árvore morta perto de Inverness, Califórnia - Gabrielle Lurie/The New York Times
Árvore morta perto de Inverness, Califórnia Imagem: Gabrielle Lurie/The New York Times

Cynthia H. Craft

Em Inverness, Califórnia (EUA)

07/09/2016 11h06

No auge da temporada de queimadas na Califórnia, as florestas de Sierra Nevada e da Costa Norte estão tomadas por dezenas de milhões de árvores mortas e moribundas, desde carvalhos até pinheiros, que estão transformando a área em um foco de detritos altamente combustíveis.

Equipes empunhando motosserras, machados e trituradores de madeira enfrentam o calor intenso do verão nas altitudes mais baixas da Sierra, onde a maioria dos pinheiros já morreu. A devastação e o perigo são maiores no centro e no sul da Sierra Nevada, onde o número estimado de árvores mortas desde 2010 é absurdo: 66 milhões.

Os cientistas dizem que raramente há apenas um culpado para a escalada de morte arbórea no Estado e do consequente risco de incêndio; pelo contrário, uma destruição em escala tão grande é quase sempre o resultado de uma complexa convergência de ameaças aos ecossistemas florestais.

A principal delas é uma seca severa e prolongada na Sierra Nevada, que fragilizou as árvores e prejudicou suas defesas naturais. A mudança climática está elevando temperaturas, tornando os invernos mais quentes. Sem serem afetadas pelo frio do inverno, as populações de besouro-do-pinheiro estão crescendo.

Separadamente, um patógeno vegetal não nativo e muito potente está se desenvolvendo em zonas úmidas da Costa Norte, trazido para a Califórnia pelo comércio global: fungos oportunistas estão a postos, pronto para completar a matança.

Adicione a isso algumas deficiências humanas -- manejo florestal pobre ou ausente, falha na limpeza da madeira morta inflamável, queimadas criminosas, descaso -- e temos uma fórmula letal.

"Nunca é só uma coisa que destrói as árvores. É sempre uma combinação de fatores. O primeiro pode enfraquecer as árvores; o próximo as fragiliza ao longo do tempo. Depois vem um terceiro, que dizima seu sistema imunológico e de defesa. Por fim, o último pode interromper seu sistema de nutrição. Quando tudo isso acontece de uma só vez, ou em rápida sucessão, as árvores não são mais capazes de se salvar", disse David Rizzo, presidente da Fitopatologia da Universidade da Califórnia, em Davis.

Duas das regiões florestais da Califórnia estão com a saúde debilitada porque tais condições as prejudicaram: na Sierra Nevada, as perdas de pinheiros e outras coníferas estão concentradas e se espalham.

Ao longo da Costa Norte, a pitoresca cidadezinha de Inverness e as florestas que cercam o Condado de Marin são "o marco zero" do misterioso patógeno que começou infestando os carvalhos da costa, provavelmente já em meados da década de 1980, disse Rizzo.

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Um patógeno semelhante a fungo cresce em uma árvore morta
Imagem: Gabrielle Lurie/The New York Times

Ele, que se dedica ao estudo do Phytophthora ramorum, também conhecido como "morte súbita do carvalho", retorna frequentemente a esse vale acolhedor, que fica em uma península com vista para as águas claras. Estudantes de pós-graduação, pesquisadores associados e outros o acompanham até esse trecho da floresta, que serve de sala de aula, laboratório e área de demonstração ao ar livre.

Foram anos de pesquisa -- um trabalho quase detetivesco -- para que especialistas como Rizzo e Matteo Garbelotto, professor de política e gestão em ciência ambiental da Universidade da Califórnia, em Berkeley, determinassem que o patógeno havia infestado os carvalhos da costa anos antes de sua morte.

Rizzo estimou que entre cinco milhões e dez milhões de árvores costeiras tenham morrido devido à morte súbita do carvalho.

Um patógeno relacionado, o Phytophthora infestans, foi o responsável pela grande fome da batata na Irlanda, em meados do século 19.

No condado de Marin, lar de alguns dos terrenos mais caros da Califórnia, a morte súbita do carvalho atingiu propriedades famosas, como o Rancho Skywalker, de George Lucas, e o renomado Centro de Meditação Spirit Rock. O patógeno foi para o sul, chegando até Big Sur, um trecho da Rodovia 1 que conta com uma comunidade boêmia exclusiva.

Em uma tarde ensolarada em Inverness, não faz muito tempo, Rizzo olhou para o céu e observou: "Big Sur está em chamas". Os detritos acinzentados das árvores que acabara de mostrar aos visitantes se acumularam na floresta próxima a Big Sur.

A morte súbita do carvalho prefere o clima úmido e fresco da Costa Norte. Rizzo investiga a possibilidade de ela se mover também por meio de riachos.

Perto da fronteira com o Oregon, as tribos Yurok e Hoopa Valley participam da pesquisa, verificando periodicamente sacos das folhas obtidas nos riachos em busca de sinais de doença. "Culturalmente, o tanoak é muito importante para os nativos americanos", disse ele.

Katie Harrell, porta-voz de uma organização sem fins lucrativos, a California Oak Mortality Task Force, disse que os nativos americanos lamentavam a morte de árvores em seu habitat. "Elas são parte de suas terras sagradas. Eles choram quando falam sobre a perda das árvores como se fossem membros da família."

Não se sabe exatamente onde o Phytophthora ramorum apareceu pela primeira vez na Califórnia, mas Rizzo disse que o patógeno foi provavelmente um clandestino a bordo de um carregamento de plantas importadas.

O que se sabe é que a preocupação com os carvalhos moribundos acabou gerando um novo espírito de união entre os residentes da costa. Armadas com dispositivos GPS, envelopes e marcadores, equipes de cientistas e cidadãos respondem ao apelo de Garbelotto por "batidas" sazonais: voluntários vasculham áreas arborizadas em busca de sinais da doença; após acharem uma árvore com folhas deterioradas, eles observam as coordenadas, recolhem amostras e as enviam a um laboratório para identificação.

O patógeno se espalha com os respingos da chuva. O culpado pela disseminação na floresta é o loureiro, fiel hospedeiro da doença, mas que nunca sucumbe a seus perigos.

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David Rizzo examina uma folha de um carvalho
Imagem: Gabrielle Lurie/The New York Times

Quando a chuva cai sobre as folhas de louro, gotículas contaminadas se espalham, atingindo as árvores vizinhas. Se forem os carvalhos costeiros ou os tanoaks, o patógeno penetra pela casca com facilidade e estabelece sua residência. No final de filamentos pequenos demais para serem vistos a olho nu, a praga libera esporos letais que retiram os nutrientes da árvore. Logo depois vêm os fungos nativos, como pragas. A árvore morre em uns dois anos.

Milhões de carvalhos costeiros morreram dessa maneira. O interesse na doença ganhou vida própria, com o 6º Simpósio sobre Morte Súbita do Carvalho, realizado este ano, atraindo cientistas de todo o mundo.

Rizzo e outros estão cada vez mais preocupados porque, como os tanoaks se espalharam pelas icônicas florestas de sequoias do norte da Califórnia, a morte súbita do carvalho deve começar a atacar logo. Os tanoaks sucumbem rapidamente à doença, por isso, o perigo de incêndio alimentado pela madeira morta vai aumentar e o ecossistema de sequoias pode ser danificado.

Os pesquisadores já detectaram o patógeno assassino no Parque Estadual Humboldt Redwoods, ao longo da Avenida dos Gigantes, uma rota de 50 km através do maior trecho de sequoias virgens do mundo.

O laboratório de Rizzo está monitorando 600 terrenos de 500 metros quadrado cada. De acordo com seu site, os pesquisadores visitarão essas áreas periodicamente, e cada árvore e arbusto será avaliado para detectar a possível presença do patógeno.

Garbelotto faz experiências para ver se um tratamento preventivo que está aplicando para árvores vulneráveis pode afastar a morte súbita do carvalho.

Do outro lado da Califórnia, a morte das árvores na Sierra Nevada continua a preocupar bombeiros e autoridades. Com o sofrimento de cinco anos de seca severa, os pinheiros-ponderosa, os pinyons e os pinheiros-de-açúcar não têm a umidade necessária para fabricar a resina pegajosa que impede os besouros de se aninhar em seus troncos.

Sem nada para deter a praga voraz -- do tamanho de um grão de arroz -- eles se aninham nos troncos, onde produzem larvas. Essas, por sua vez, se alimentam dos nutrientes das árvores, e os pinheiros altos e imponentes acabam morrendo, parecendo palitos de fósforo à espera do fogo.

A contagem oficial de árvores mortas, feita por funcionários do Serviço Florestal Americano e do Departamento de Silvicultura e Proteção contra Incêndios da Califórnia ao sobrevoarem a Sierra Nevada, certamente vai crescer. Várias delas já estão sendo avistadas na bacia do Lago Tahoe e ao norte.

Nenhuma das duas mortandades parece que irá terminar tão cedo e o incêndio de Big Sur ainda continua -- com mais de 90 mil hectares destruídos.

Quando tomadas por um fogo desses, muitas florestas retornam apenas como cerrado, com árvores do tamanho de arbustos.

O governador da Califórnia, Jerry Brown, declarou estado de emergência nas regiões centrais e sul da Sierra em outubro do ano passado. Brown também ordenou que uma força-tarefa elaborasse estratégias para limpar as árvores mortas. Ele também foi em busca de fundos federais adicionais.

Nessa missão, recebeu assistência do secretário de Agricultura, Tom Vilsack, que, como inspetor do Serviço Florestal, já previu um desastre caso o congresso não aloque mais dinheiro para o manejo florestal preventivo.

E Vilsack disse em junho: "A mortandade de árvores dessa magnitude é sem precedentes e aumenta o risco de incêndios catastróficos que colocam propriedades e vidas em risco. Devemos financiar o controle de incêndios assim como acontece com outras catástrofes naturais no país".