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Mosteiro aposta na cerveja para recuperar cidade italiana destruída por terremoto

Reverendo Benedict Nivakoff observa estragos no centro histórico de Norcia, Itália - Tara Todras-Whitehill/The New York Times
Reverendo Benedict Nivakoff observa estragos no centro histórico de Norcia, Itália Imagem: Tara Todras-Whitehill/The New York Times

Elisabetta Povoledo

Em Núrsia (Itália)

02/12/2016 06h00

O reverendo Cassian Folsom se preparava para celebrar a missa em uma manhã de domingo, quando de repente a terra começou a tremer.

"Pedras e telhas começaram a cair em nossas cabeças", lembrou ele. "Foi uma experiência aterrorizante."

Quando a poeira baixou, ele e os outros monges --quase todos levados dos EUA-- encontraram sua amada Basílica de São Bento, construída há séculos em Norcia, nas montanhas centrais da Itália, para marcar o local de nascimento do santo, em ruínas.

Depois do terremoto de 30 de outubro, uma das poucas coisas que restou de pé no mosteiro foi uma pequena cervejaria, onde nos últimos quatro anos os monges vinham fabricando a cerveja Nursia, o antigo nome da cidade em latim.

Sua bebida poderá ser a salvação --pelo menos simbolicamente-- não apenas do santuário dos monges, mas também da própria Norcia. Esta antiga cidade murada é hoje uma cidade fantasma, com igrejas destruídas e palácios rachados, e ainda luta para se recuperar do mais forte terremoto que atingiu a Itália nos últimos 36 anos.

"Notavelmente, a cervejaria quase não foi danificada", disse o reverendo Benedict Nivakoff, que é de Connecticut (EUA), durante uma caminhada em uma manhã gélida pelo centro da cidade devastada. "Os fermentadores foram abalados, mas são altos e pesados, por isso não caíram."

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Religiosos do mosteiro mostram aos bombeiros um tanque que foi derrubado durante terremoto em Norcia
Imagem: Tara Todras-Whitehill/The New York Times

Os monges estão planejando levar a bebida da cervejaria para um local mais seguro, onde possa ser engarrafada e especialmente rotulada antes de ser vendida para levantar dinheiro para a reconstrução, disse Nivakoff.

Os monges haviam criado um site na web para angariar fundos depois que a basílica e o mosteiro foram abalados por terremotos e choques secundários em agosto.

"A campanha começou nessa época, e agora precisamos acrescentar mais alguns zeros", disse Nivakoff, que é o prior do mosteiro.

Não é a primeira vez que o mosteiro precisa renascer. Os monges americanos chegaram em 2000, seguindo um plano da ordem, do arcebispo local, dos moradores e de autoridades locais para povoar um priorado que estava abandonado desde 1810, quando Napoleão suprimiu as ordens monásticas locais.

Liderados por Folsom, que é o prior emérito, os monges hoje são 15. Eles aprenderam a fazer cerveja com os experientes monges trapistas da Bélgica e começaram a produzir a Nursia em 2012. O nome da cerveja foi escolhido "especificamente para ajudar a população da cidade, em vez de chamá-la de São Bento", disse Nivakoff.

O irmão Augustine Wilmeth, que nasceu na Carolina do Sul e serve como mestre cervejeiro, disse que a Nursia é "a única cerveja monástica do mundo que é feita exclusivamente pelos monges".

Outras operações de cervejas monásticas, explicou ele, tornaram-se empresas de milhões de dólares, com muitos funcionários. Em Norcia, os monges fazem tudo pessoalmente, produzindo cerca de 10.000 garrafas por mês.

Os monges, na tradição de são Bento, que acreditava que eles deviam viver e se sustentar com o trabalho de suas mãos, pretendem manter a cervejaria pequena. Dessa maneira, disse Wilmeth, "ela ficará sob nosso controle e realmente servirá à vida monástica, e não nos dominará e consumirá".

As variedades de cerveja do mosteiro rapidamente ganharam um público entusiástico nas lojas e restaurantes locais, e a cervejaria começou a exportar para os EUA neste ano. Muitos dos lugares regionais que vendiam a cerveja estão fechados por causa do terremoto, mas ela continua disponível por meio de importadores americanos, segundo os monges.

São Bento, que o papa Paulo 6º nomeou patrono da Europa em 1964, e sua irmã gêmea, Escolástica, que mais tarde também foi declarada santa, nasceram em Norcia por volta de 480, e os restos de sua casa, segundo os fiéis, antes podiam ser vistos abaixo da basílica.

Bento (em italiano Benedetto) fundou várias comunidades monásticas, incluindo uma em Monte Cassino, onde ele morreu em 543. Sua Regra de São Bento, uma série de ensinamentos para monges, contém os preceitos básicos de milhares de mosteiros na Europa.

Imagens aéreas mostram extensão dos danos após terremoto

Reuters

"Tentamos ajudar os moradores da cidade a cavar mais fundo e descobrir uma identidade que vai além do 'prosciutto' e das trufas", disse Nivakoff, citando dois produtos que tornaram famosa essa cidade da região da Úmbria. "Acho que nos últimos 15 anos conseguimos fazer isso."

O prefeito Nicola Alemanno disse: "Com esta comunidade de monges, o valor que são Bento tem para a Europa assume uma importância global". E acrescentou: "Eles se tornaram um ponto de referência espiritual e cultural, primeiro para a cidade e depois para a Úmbria e para a Itália".

A mensagem dos monges também ganhou reconhecimento global em 2015, quando o disco "Benedicta", com cânticos marianos tradicionais em latim, passou 19 semanas em primeiro lugar na tabela clássica da "Billboard".

O canto, explicou Folsom, "é nosso alimento espiritual. É daí que vem a energia espiritual". Ele acrescentou que os monges cantam durante cerca de seis horas por dia.

"É uma parte muito importante de nossa vida", disse o mestre do coro do mosteiro, Basil Nixen. Antes do terremoto, o canto suave dos monges era um som familiar em Norcia.

A cerveja também se tornou uma parte importante de sua vida.

Se os esforços para angariar dinheiro ajudarem o santuário e Norcia a reviver, dizem eles, os monges ficarão contentes em repagar a seus benfeitores --mesmo que de uma maneira pequena e espumante.

"Orgulhamo-nos de ser americanos", disse o reverendo Martin Bernhard, que é do Texas e o guarda-víveres do mosteiro. "Provar e comprar nossa cerveja é uma coisa linda para nós."