A grande jornada de Zuckerberg pelos EUA para sair da bolha e conhecer o mundo real
Em março, Mark Zuckerberg visitou a Mother Emanuel em Charleston, na Carolina do Sul, uma igreja metodista episcopal africana que foi cenário de um massacre cometido por um supremacista branco.
No mês passado ele foi até Dayton, Ohio, para conversar com viciados em opiáceos em recuperação, em um centro de reabilitação.
E passou uma tarde em Blanchardville, no Wisconsin, junto com Jed Gant, cuja família tem uma fazenda de gado para laticínios e corte há seis gerações.
Todas essas foram paradas em uma viagem pelos Estados Unidos feita este ano por Zuckerberg, CEO do Facebook. Seu objetivo era visitar cada um dos Estados da União e aprender mais sobre um pouquinho dos quase 2 bilhões de pessoas que usam regularmente a rede social.
Na quinta-feira, em um discurso aos formandos de Harvard, faculdade que ele abandonou em 2005, Zuckerberg explicou que suas visões sobre como as pessoas vivem e trabalham umas com as outras haviam se ampliado, em parte como resultado do que viu durante a viagem. Ele percebeu que as igrejas, os centros comunitários e outros locais de encontros organizados são essenciais para construir e preservar um sentimento forte de comunidade.
“Durante a viagem, conversei com crianças em reformatórios e dependentes de opiáceos, que me disseram que suas vidas poderiam ter tomado outro rumo se ao menos tivessem algo para fazer, como um programa extracurricular ou algum lugar para onde ir”, disse Zuckerberg, que também recebeu um título de doutor honoris causa na cerimônia. “Conheci operários da indústria que sabiam que não teriam de volta seus empregos e que estão tentando se situar”.
Para seus críticos, a viagem de Zuckerberg pelo país é uma jogada publicitária e assumiu aspectos de uma campanha política. Cada uma de suas paradas, seja comendo com uma família de agricultores em Ohio, ou alimentando um bezerro em uma fazenda no Wisconsin, foi engenhosamente fotografada e produzida, e depois postada na página de Zuckerberg no Facebook.
“Ele tem toda a mecânica necessária para uma operação midiática de massa encenada”, disse Angelo Carusone, presidente da Media Matters for America, um grupo de monitoramento da mídia. “Fotógrafos, agentes, seu tamanho, escopo e escala—todos os ingredientes estão lá. E ele aparece em um ambiente onde não há um único líder democrático ou contrapeso a Trump, que tem consumido todo o espaço da mídia”.
Zuckerberg negou publicamente que esteja usando suas visitas como uma plataforma para concorrer a um cargo público. Ele disse que é uma forma de “ter uma perspectiva mais ampla” que inspire como ele administra o Facebook e a iniciativa Chan Zuckerberg, uma sociedade de responsabilidade limitada através da qual ele pretende doar a maior parte de sua fortuna ao longo de sua vida.
Até o momento, Zuckerberg já percorreu aproximadamente metade dos Estados, incluindo aqueles por onde ele já havia passado anteriormente. As visitas o mergulharam em uma autorreflexão, de acordo com quatro colegas antigos e atuais e pessoas próximas do CEO que pediram por anonimato por não terem autorização para falar publicamente. Isso carrega uma conotação especial neste momento em que o Facebook tem lidado com mais questões sobre sua responsabilidade e papel nas vidas de seus usuários, muitos dos quais dependem da rede social para obter informações e se manter atualizados.
As viagens são parte de um ensino sobre o mundo real para Zuckerberg, que cresceu confortavelmente em um ambiente de classe média alta no subúrbio de Nova York, frequentou os corredores de elite de Harvard e se mudou para o Vale do Silício quando se tornou um multibilionário no papel quando tinha 23 anos (Hoje ele tem 33).
Acontecimentos recentes forçaram Zuckerberg para fora dessa bolha do Vale do Silício. No ano passado, após as eleições presidenciais, o Facebook foi acusado de ser um depósito de notícias falsas que influenciou a forma como o eleitorado americano votou. As pessoas também postaram vídeos de mortes no Facebook, levantando questões sobre qual responsabilidade a rede social teria na distribuição desse tipo de conteúdo. (Em um desdobramento recente, o site do “Harvard Crimson”, o jornal estudantil da faculdade, foi hackeado na quinta-feira com matérias sendo substituídas brevemente por notícias falsas relacionadas ao Facebook, incluindo as que zombavam de Zuckerberg).
A viagem pelos Estados Unidos acontece após várias viagens internacionais que Zuckerberg fez em 2015 e 2016. Em janeiro, ele disse no Facebook que queria conversar com mais pessoas sobre como elas estão “vivendo, trabalhando e pensando sobre o futuro”. Amigos de Zuckerberg disseram que ele estava tentando compensar pelas muitas coisas que deixou de fazer ao passar os últimos 10 anos no Vale do Silício construindo uma empresa avaliada em US$438 bilhões (R$1,42 trilhão).
“Acho que ele só é muito curioso e quer visitar todos os lugares onde nunca esteve antes”, disse Ashley Gant, 27, que falou com Zuckerberg quando ele visitou a fazenda de laticínios de sua família no Wisconsin, em abril. Gant disse que, durante um almoço com rosbife e purê de batatas, além da gelatina de purê de maçã de sua avó, ela respondeu às perguntas do CEO sobre o dia a dia em uma fazenda.
“Pareceu uma conversa trivial com alguém que não é daqui”, disse Gant. “Por um acaso ele também criou o Facebook”.
A viagem começou em janeiro, com uma visita ao Texas, onde Zuckerberg dividiu seu tempo entre negócios—depondo em um processo contra sua empresa no centro de Dallas —e eventos como seu primeiro rodeio em Fort Worth.
Ele decolava de e pousava em cidades entre seu trabalho em Menlo Park, na Califórnia, onde fica a sede do Facebook. Zuckerbeg viaja de avião particular e tem uma pequena equipe tanto no Facebook quanto na iniciativa Chan Zuckerberg coordenando suas viagens, embora algumas aconteçam por acaso. A família de Gant, por exemplo, foi contatada depois de Zuckerberg ter visto uma foto da fazenda deles que o amigo de um amigo havia compartilhado no Facebook.
Em fevereiro, ele parou para ver sua equipe de realidade virtual Oculus em Washington. Uma semana depois, caiu na estrada junto com sua mulher Priscilla Chan, dirigindo por Estados do Sul. No Alabama, ele visitou um pesqueiro de camarões; no Mississippi, foi a uma casa de blues. Às vezes os anfitriões dos lugares só eram informados de sua vinda algumas horas antes, por motivos de segurança.
Na Igreja Mother Emanuel em Charleston, que foi atacada por um supremacista branco em 2015, Zuckerberg falou sobre o senso de comunidade da igreja e sobre como era importante unir a congregação após o massacre.
Em março, ele também falou com um grupo de estudantes sobre diversidade e artes na South Carolina Governor’s School for the Arts and Humanities, onde ouviu sobre questões colocadas por estudantes pertencentes a minorias que cresceram em comunidades predominantemente brancas.
“Foi legal conhecer um homem branco que veio de um meio privilegiado e parecia entender isso, e que consegue ter um diálogo aberto com outros que não vieram”, disse Cam’Ron Stewart, 18, um estudante de teatro que falou com Zuckerberg no encontro.
A viagem para Dayton, onde ele se encontrou com um grupo de viciados de opiáceos, o marcou. Em uma sala arejada e bem iluminada onde as pessoas se sentavam em um círculo de cadeiras, os que estavam em recuperação explicaram como o uso de drogas havia destruído a vida deles e os deixou sem propósitos na vida.
Zuckerberg parece ter levado consigo essa lição.
“Propósito é aquele sentimento de que somos parte de algo maior do que nós mesmos, de que somos necessários, de que temos algo melhor a almejar”, disse Zuckerberg em seu discurso aos formandos de Harvard, onde ele usou um terno e uma gravata azul-claro no lugar de sua costumeira camiseta cinza com jeans. “Para manter nossa sociedade avançando, temos um desafio geracional —não só para criar novos empregos, mas para criar um sentimento renovado de propósito”.
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