Sérvia tem sua primeira premiê mulher e assumidamente gay
Quando o presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, indicou Ana Brnabic ao poderoso posto de primeira-ministra neste mês, o Ocidente saudou a escolha como uma decisão histórica, que a colocaria a caminho de se tornar a primeira premiê mulher e a primeira assumidamente gay.
Mas alguns políticos profundamente conservadores chamaram a indicação dela como sendo parte de uma trama ocidental degenerada, e críticos na esquerda e alguns sérvios gays, lésbicas, bissexuais e transgênero a rejeitam como um fantoche de Vucic.
Eles ficaram atônitos com o fato de Brnabic ter concordado em se juntar ao que chamam de governo autocrático de Vucic, lhe dando uma arma (a orientação sexual dela) para uso potencial como acobertamento para abusos de direitos humanos, repressão à independência da mídia de notícias e erosão das instituições democráticas nascentes no último país dos Bálcãs com um governo pró-Rússia.
Mas na quarta-feira em Belgrado, a capital, Brnabic, uma relativa novata na política sérvia, enfrentou os oponentes em um discurso no Parlamento, que votou um novo governo para aprová-la como primeira-ministra após um longo debate. Adotando um tom desafiador, ela tratou dos insultos de frente.
"Também espero recebê-los no futuro", disse Brnabic, 41 anos. "Eu responderei com verdades e fatos que defenderei com dignidade", ela acrescentou, obtendo aplausos modestos por parte dos legisladores. "Tenho grandes metas ao olhar para o futuro", ela disse. "Vamos deixar juntos o passado onde ele pertence, no passado."
Brnabic pediu aos legisladores que se juntassem a ela para "modernizar nossa sociedade" por meio da reestruturação da economia estagnada, apoio aos jovens empreendedores para impedir a evasão de talentos do país e reduzir os gastos públicos.
O discurso televisionado, que totalizou uma hora e 20 minutos, talvez tenha sido o máximo que o país ouviu ela falar. Brnabic (a pronúncia é Bér-na-bitch), uma empresária que estudou nos Estados Unidos e no Reino Unido, trabalhou no setor privado antes de ingressar no governo de Vucic no ano passado, como ministra da Administração Pública.
Ela permaneceu em silêncio após sua indicação, absorvendo os duros ataques a seu gênero e sexualidade, deixando que seu padrinho, Vucic, falasse.
"Não sou porta-voz da comunidade LGBT", disse Brnabic em uma entrevista para a "Vice Serbia" após se juntar ao governo. "Não quero ser rotulada como a ministra gay, assim como meus colegas não querem ser definidos essencialmente como sendo héteros", ela acrescentou. "Tudo o que quero é fazer meu trabalho o melhor que puder."
Foi Vucic, na verdade, quem mencionou publicamente pela primeira vez que Brnabic era lésbica. Ele disse não se importar com a vida privada dela e que valoriza seu trabalho árduo e profissionalismo.
"Ana Brnabic é uma mulher capaz, uma mulher digna, e acredito que ela trabalhará com todo seu coração para resolver os muitos problemas deste país", ele disse para a TV estatal sérvia.
Tratando das acusações de que ela era seu fantoche, ele disse: "A mulher tem seu próprio cérebro. Ela está realizando seu trabalho e deseja cooperar comigo e com todos no governo".
O primeiro-ministro é mais poderoso que o presidente, segundo a Constituição. O presidente indica o premiê, mas não pode interferir na condução do governo.
Mas os críticos estão convencidos de que Vucic deseja mudar o equilíbrio de poder a favor da presidência, e que a está usando para isso. Ele reconheceu que ela daria continuidade às políticas de seu governo para transformar a Sérvia, que está buscando ingressar na União Europeia, em um destino atraente para investimentos estrangeiros diretos.
Mas com a confirmação da indicação de Brnabic, Vucic, um ex-aliado do homem forte sérvio Slobodan Milosevic que se apresenta como sendo pró-Ocidente, terá controle quase incontestável das instituições do país.
Ele obteve uma vitória esmagadora na eleição de 2 de abril e tomou posse como presidente em 31 de maio. Seu Partido Progressista Sérvio conta com maioria no Parlamento.
As autoridades ocidentais podem ter visto a indicação de Brnabic como um sinal de progresso em um país profundamente conservador e relativamente pobre dos Bálcãs, mas os nacionalistas, liberais da oposição e até mesmo membros do partido do presidente criticaram sua escolha.
Em uma sociedade patriarcal onde quase metade da população considera a homossexualidade uma doença, alguns disseram que a orientação sexual de Brnabic por si só a desqualificava para liderar o governo.
Outros citaram sua relativa falta de experiência no governo e na política, alegando que ela foi forçada a Vucic pelo Ocidente para aumentar as chances da Sérvia de ingressar na União Europeia.
Milan Nic, um especialista em Bálcãs do Conselho de Relações Exteriores alemão em Berlim, disse que Brnabic se encaixa perfeitamente no que chamou de "era Vucic".
"Ela é capaz e inteligente, mas será uma primeira-ministra fraca", disse Nic. "Vucic é um líder forte que precisa apenas de alguém que administre o governo para ele, em vez de liderá-lo."
Os críticos também apontam que Vucic é o único eleitor de Brnabic. Ela não pertence a qualquer partido político e o governo dela está repleto de autoridades anti-Ocidente que serviram no gabinete dele.
"Não é o governo dela, é o governo de Vucic, sem dúvida nenhuma", disse Dragan Popovic, um analista político que dirige o Instituto de Políticas, um centro de estudos independente em Belgrado.
"Ele está tentando jogar para os dois lados, dizendo ao Ocidente: 'Vejam o que tenho que sofrer por ser progressista. Vocês têm que me apoiar'", disse Popovic. "Ao mesmo tempo, ele sinaliza aos russos para não se preocuparem."
Qualquer entusiasmo entre os apoiadores do novo papel de Brnabic foi reduzido após ela propor uma lista de ministros do Gabinete. O mais surpreendente entre eles foi o homem que deverá se tornar ministro da Defesa, Aleksandar Vulin, um autoridade ferrenhamente pró-Rússia e ex-ministro do Trabalho.
Vulin tem atacado com frequência as autoridades na Bósnia-Herzegóvina, Kosovo e Croácia, alimentando tensões étnicas na região. Ele chamou a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, uma aliança militar ocidental), que bombardeou a Sérvia em 1999 para expulsar seu exército da província predominantemente albanesa de Kosovo, de uma aliança "do mal".
Os legisladores provavelmente aprovarão o novo gabinete para atender o prazo de 30 de junho, até quando o governo precisa ser formado. Caso não seja aprovado, Vucic terá de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições.
Apesar de todas as realizações de Brnabic, há raiva e frustração entre as lésbicas, gays, bissexuais e transgênero sérvios, que enfrentam perseguição e violência. Ela deixou claro que não é uma ativista. Ela se recusou no ano passado a dar apoio a uma proposta visando a legalização de uniões de mesmo sexo na Sérvia, dizendo não ser o momento certo para iniciar um debate.
"A única coisa que compartilho com Ana Brnabic é que ambos somos lésbicas", disse Zoe Gudovic, 40 anos, uma ativista de justiça social na Sérvia.
"Eu lhe dou crédito por despedaçar a noção profundamente enraizada de como uma mulher na mais alta posição do governo deve ser, o que deve vestir e como deve se comportar nesta sociedade homofóbica."
Mas Gudovic acrescentou: "Considero impossível aceitar que ela está disposta a fazer parte do regime nacionalista, autoritário, que arruinará nossa economia, venderá nosso país para estrangeiros e abolirá o que restou de um Estado social".
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