NYT: ascensão do Judiciário é ameaça comum a adversários políticos no Brasil
Foi tudo menos uma rendição.
Ora jovial, ora desafiador, o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou-se diante de um grande grupo de animados seguidores, pintando a si próprio como a vítima de um Judiciário enganoso que invadiu perigosamente a política.
"Se eles acham que com esta sentença vão me tirar do jogo, podem saber que estou no jogo", disse Lula na quinta-feira (13), um dia depois de sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro, o que ameaça sua candidatura a uma terceira Presidência.
As investigações de corrupção desacreditaram virtualmente todas as forças políticas no Brasil, tumultuando o país antes das próximas eleições presidenciais, em 2018.
Agora, adversários políticos em lados muito diferentes do espectro ideológico estão contando com a mesma estratégia de sobrevivência: atacar a legitimidade dos promotores e juízes que se propõem a desmontar a cultura da corrupção que os políticos brasileiros institucionalizaram ao longo de décadas.
A decisão contra Lula, um dos políticos mais influentes e famosos da América Latina, é a maior condenação em uma batalha entre a classe política e um corpo de juízes e promotores --muitos deles na faixa dos 20 a 40 anos-- que atacaram a impunidade de que as autoridades eleitas gozam há anos.
De um lado da luta estão políticos veteranos como Lula e o atual presidente, Michel Temer, que enfrenta a possibilidade de ser demitido e preso por acusações de corrupção.
Ambos na casa dos 70 anos, eles são adversários políticos ferrenhos que passaram décadas subindo e descendo no sistema partidário altamente fraturado do Brasil, onde alianças frágeis muitas vezes são seladas em acordos de bastidores e retribuições secretas.
Contra eles, erguem-se promotores e juízes que afirmam defender uma visão mais responsável de governo. Pregando a transparência, eles são atuantes nas redes sociais, incentivando abertamente os brasileiros a assumir uma posição unida contra a corrupção.
"A fé na classe política está enfraquecendo, e isso provoca uma sensação de confiança no Judiciário", disse Alan Mansur, líder da Associação Nacional de Promotores. Uma pesquisa Ipsos divulgada em janeiro revelou que 96% dos entrevistados apoiavam que as abrangentes investigações que flagraram diversas figuras políticas continuem "até o fim, independentemente do resultado".
Sergio Moro, 44, o juiz que condenou Lula, tornou-se a figura mais proeminente na cruzada contra a corrupção. Dizendo que não sentiu prazer ao sentenciar um ex-presidente a quase dez anos de prisão, Moro invocou um ditado do historiador inglês Thomas Fuller, do século 17, para enfatizar a decisão: "Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você".
Conforme os casos de corrupção supervisionados por Moro envolveram uma classe crescente de brasileiros poderosos, o juiz tornou-se uma espécie de herói folclórico no país. E nos círculos jurídicos no exterior ele às vezes é saudado como uma força transformadora para o Brasil.
Mas Lula, que ajudou a tirar milhões de pessoas da pobreza como presidente, de 2003 a 2010, e ainda conta com a lealdade de muitos brasileiros, afirma que os juízes e promotores o estão perseguindo no tribunal porque não têm apoio para superá-lo nas urnas.
Na quinta-feira, em comentários na sede de seu partido em São Paulo que muitas vezes pareceram um comício de campanha, Lula se pintou como a vítima de um Judiciário com motivos políticos que fracassaria em suas tentativas de abalar sua candidatura à Presidência.
Em certo momento ele brincou, gabando-se de que nem se importou em ler o veredicto de 218 páginas que o condenou a quase uma década de prisão porque estava ocupado assistindo a seu time de futebol preferido.
Depois, em um ataque à integridade do sistema judicial, ele invocou sua criação pobre e o legado de sua mãe. "Aprendi sobre honestidade com uma mulher analfabeta", disse Lula, com os olhos marejados.
O tema da interferência judicial injusta deu um terreno comum a adversários políticos ferrenhos.
Depois da condenação de Lula, o advogado de Temer, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, disse a repórteres que os dois políticos veteranos estavam sendo visados por promotores que acusam "pessoas inocentes" e "destroem reputações" com "denúncias apressadas".
Promotores e juízes rejeitam as afirmações de que estão agindo como agentes políticos, e não defensores da lei imparciais.
"Há réus sendo processados em quase todos os partidos políticos", disse Mansur, o diretor da associação de promotores. "Isso mostra que não se trata de uma preferência por um partido ou perseguição a um partido político."
Os promotores públicos denunciaram Lula por lavagem de dinheiro e corrupção, acusando-o de aceitar reformas dispendiosas em um apartamento à beira-mar pagas por uma construtora. Em troca, segundo os promotores, a empresa recebeu contratos lucrativos da companhia de petróleo estatal, Petrobras.
Temer foi acusado no mês passado por promotores federais de aprovar propinas a um político preso para obstruir uma investigação de corrupção. Os dois casos derivam de uma ampla investigação sobre corrupção que envolve a Petrobras.
A Transparência Internacional, uma organização de vigilância anticorrupção, aplaudiu a condenação de Lula. Bruno Brandão, o diretor do escritório da organização no Brasil, chamou o veredicto de um momento transformador para o país.
"A impunidade de séculos das classes de elite no Brasil está sendo desmantelada", disse ele.
O destino de Lula está agora nas mãos de um grupo de três juízes na cidade de Porto Alegre. Na quinta-feira, o presidente dessa corte de apelações disse esperar que o tribunal decida o caso antes de 15 de agosto de 2018, o prazo para registrar um candidato presidencial.
Se o tribunal mantiver a decisão, Lula, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), de esquerda, poderá passar quase dez anos na prisão. Se a condenação for anulada, o hábil político poderá voltar ao poder e liderar o Brasil mais uma vez.
Brandão disse que o tribunal de apelações em Porto Alegre é bem considerado nos círculos legais e que ele tende a manter as decisões de Moro, mais que a derrubá-las.
"Em geral, é um tribunal muito bem preparado", disse Brandão. "Os juízes são muito sérios. Eles não aparecem na mídia, e virtualmente ninguém na população brasileira conhece esses juízes pelo nome. Quanto mais anônimos os juízes, melhor para a justiça."
Alguns políticos aprovam essa "revolução" --e pretendem se beneficiar dela.
Marina Silva, uma ex-membro do gabinete de Lula que rompeu com o PT em 2009, disse que os escândalos que assolam os principais partidos políticos brasileiros podem ser um catalisador para a ampla transformação de que o país precisa.
"A atual crise no Brasil exige a reinvenção da política", disse Silva, que disputou a Presidência em 2014 e deverá entrar na corrida no próximo ano. "Esse debate não se limita ao Brasil, mas se estende ao mundo todo."
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