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Sem as Farc, produtores colombianos pensam em como trocar cocaína por cultivos legais

23.jun.2017 - Homem lava folhas de coca em campo de produção em La Hormiga, na Colômbia - Juan Arredondo/The New York Times
23.jun.2017 - Homem lava folhas de coca em campo de produção em La Hormiga, na Colômbia Imagem: Juan Arredondo/The New York Times

Nicholas Casey

Em Los Ríos (Colômbia)

23/07/2017 04h00

Mais ou menos a cada três meses, Javier Tupaz, pai de seis, desce a colina de sua casa de tábuas de madeira para trabalhar em seu laboratório de cocaína. 

Sob uma tenda preta na selva, ele coloca com uma pá as folhas de coca em um grande tanque com gasolina, depois adiciona pó de cimento, os primeiros passos de sua receita de cocaína. 

Como todos em seu vilarejo, Tupaz depende da coca para ganhar dinheiro e sobreviveu a décadas de guerra na Colômbia. Ele produziu sua cocaína durante o conflito aparentemente sem fim entre os rebeldes e o governo, que tentou muitas vezes destruir sua plantação de coca. Ele simplesmente replantava. 

Mas, segundo Tupaz, sua plantação pode não sobreviver a uma coisa: a paz. 

O acordo de paz assinado no ano passado entre o governo e o principal grupo rebelde, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, conhecidas como Farc, nunca se limitou a apenas colocar um fim ao mais longo conflito das Américas. 

O governo colombiano também vê a paz como sua maior chance em décadas de erradicar a produção de drogas controlada pelos rebeldes e substituí-la por plantações legais, apesar de reconhecidamente menos lucrativas. 

“Nós celebramos o acordo; afinal, o conflito acabou”, disse Tupaz ao lado de um de seus enormes tanques de drogas. “Mas por outro lado, as Farc mantinham o controle aqui, você podia cultivar coca, ter seu laboratório e estava protegido.” 

A paz significa que soldados não precisam avançar a bala por território controlado pelos rebeldes para eliminar as plantações de coca ou desmontar os laboratórios de drogas. Agora as Farc, que se desarmaram formalmente no mês passado, estão unindo forças ao governo para convencer os agricultores a deixarem de plantar coca, uma das primeiras colaborações entre os antigos inimigos. 

23.jun.2017 - Campo Elías Chagua colhe folhas de coca em La Hormiga, na Colômbia - Juan Arredondo/The New York Times - Juan Arredondo/The New York Times
23.jun.2017 - Campo Elías Chagua colhe folhas de coca em La Hormiga, na Colômbia
Imagem: Juan Arredondo/The New York Times

Fora do vilarejo de Tupaz, Los Ríos, os rebeldes agora aparecem em trajes civis ao lado de funcionários do governo, estimulando o cultivo de pimenta-do-reino e palmito. 

“Sem a guerra com as Farc, temos uma grande oportunidade à frente”, disse o vice-presidente Óscar Naranjo, um general reformado que passou grande parte de sua carreira combatendo os rebeldes. 

Há uma clara urgência no esforço. Enquanto o governo e as Farc negociavam a paz, o cultivo de coca cresceu na Colômbia no ano passado, com uma quantidade recorde de terras sendo usadas para o plantio, segundo o Escritório da Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca. 

Agora, como parte de seu plano de reconstrução para o interior devastado pela guerra, o governo colombiano está prometendo dinheiro às primeiras 50 mil famílias de produtores de coca que aceitarem a oferta: um pagamento mensal de cerca de US$ 325 (ou cerca de R$ 1.030) durante o primeiro ano após os agricultores abrirem mão da coca, seguido por subsídios para o plantio de novas culturas e orientação sobre como cultivá-las. 

Mas com a cenoura também vem um porrete, alertou Naranjo. 

“Nem todos vão querer substituir suas plantações”, particularmente aqueles com laços profundos com a indústria da droga, ele disse. “E para eles, haverá uma erradicação manual, à força.” 

Do pequeno lote próximo de seu vilarejo, Tupaz diz que já viu isso antes. 

Ele se recorda do início dos anos 2000, quando o governo deu a cada família daqui duas vacas para que deixassem de cultivar coca, o que provocou uma desvalorização do preço do gado quando as pessoas as venderam. Ou quando as autoridades vieram com um plano para cultivo de baunilha, que fracassou quando ninguém sabia cultivar baunilha em Los Ríos. 

Houve até mesmo a vez em 2010, após tantas fumigações de suas plantações de coca, que Tupaz simplesmente desistiu de cultivar a droga e desceu a pé pela trilha de barro até o banco na cidade, pegando um empréstimo para o plantio de 8.000 m2 de cacau, que é usado na produção de chocolate.

“Eles estavam deste tamanho quando também foram fumigados”, ele disse, levantando a mão alguns metros acima do solo enquanto contava como aviões militares despejaram produtos químicos que acabaram matando sua plantação legal. 

As fumigações posteriormente pararam em 2015, porque o herbicida usado, o glifosato, foi associado a câncer pela Organização Mundial da Saúde. Quando a fumigação parou, o cultivo de coca aumentou, segundo as autoridades americanas. (As autoridades colombianas contestam essa conclusão, citando outros fatores, como a queda do preço do ouro nos últimos anos, o que tornou o plantio de coca mais atraente.) 

Para muitos colombianos rurais, a questão se resume a simples matemática: a planta de coca usada para produção da cocaína é bem mais lucrativa do que qualquer outra coisa que possa ser cultivada aqui. 

Los Ríos, com 32 famílias, fica a mais de uma hora de caminhada por lama e rios, longe de hospitais, mercados e virtualmente qualquer indústria, exceto as drogas. Seus moradores dizem que a paz os deixa com a escolha entre a criminalidade da coca e a pobreza ainda maior que enfrentariam plantando outra coisa. 

“Nós aceitamos: ganharemos menos com outras plantações”, disse Edward Cuaran, 23 anos, um plantador de coca que voltou a Los Ríos, apesar de ter um diploma universitário, após não conseguir encontrar trabalho. “Mas que escolha há?” 

Os preços da coca já caíram devido ao excesso de plantio e menos rebeldes para os quais vendê-la, o que deixa muitos produtores sem um comprador. 

Enquanto isso, o governo pegou a maconha, há muito traficada pelos rebeldes, e a legalizou para produção para fins medicinais, em grande parte por empresas. Poucas licenças foram concedidas até o momento, e muitos pequenos produtores se queixam de terem sido excluídos. 

Isso resultou em escolhas difíceis em locais como Corinto, uma cidade a cerca de 480 km ao norte de Los Ríos, ao pé de montanhas cobertas de arbustos de maconha e das lâmpadas sob as quais são plantadas. 

24.jun.2017 - Produtores de cacau assistem a apresentação sobre produção agrícola em La Florida, na Colômbia - Juan Arredondo/The New York Times - Juan Arredondo/The New York Times
24.jun.2017 - Produtores de cacau assistem a apresentação sobre produção agrícola em La Florida, na Colômbia
Imagem: Juan Arredondo/The New York Times

Em uma reunião de dezenas de agricultores, uma mulher abriu com um Pai Nosso e pediu a Deus que “nos ajude a substituir todas as plantações ilegais por legais”. Edward Garcia, o prefeito, apresentou o pacote do governo aos moradores em um quadro branco. 

“Eles não vão esperar para sempre para nos inscrevermos”, ele disse, alertando que os militares já estavam patrulhando nas proximidades da cidade. 

Alguns poucos agricultores fizeram a troca de forma bem-sucedida. Perto da fronteira com o Equador, Pablo Ángel Cuaran cortou uma minúscula palmeira com um facão, depois abriu o tronco para revelar seu interior suculento: o palmito, que ele começou a cultivar há uma década. 

Ele e outros membros de uma cooperativa agrícola plantam palmito agora, e negociaram com o governo local a instalação de energia elétrica em troca da eliminação das plantações de coca. As plantações legais se estendem por 80 hectares de terras planas, que incluem uma vala comum onde paramilitares enterraram um grande número de vítimas. 

Uma cruz alta marca o local, agora tomado por palmeiras. Quando Cuaran era pequeno e a coca era cultivada nos campos, um homem de jaleco branco às vezes podia ser visto na curva da estrada, desmembrando corpos com um facão, ele lembrou. 

“Você tinha muito dinheiro na época, mas nunca tinha paz”, disse Cuaran. 

24.jun.2017 - Mary Fanny Ruales com sua plantação de cacau; ela foi uma das primeiras agricultoras a trocar a plantação de cocaína por um cultivo legal - Juan Arredondo/The New York Times - Juan Arredondo/The New York Times
24.jun.2017 - Mary Fanny Ruales com sua plantação de cacau; ela foi uma das primeiras agricultoras a trocar a plantação de cocaína por um cultivo legal
Imagem: Juan Arredondo/The New York Times

A poucas horas de carro de distância, 500 famílias se inscreveram no novo programa de substituição de plantação do governo em La Carmelita, uma região com dezenas de vilarejos vizinhos de um campo de desmobilização rebelde. No mês passado, eles começaram a arrancar as plantações de coca, disse Aldemar Yandar, o coordenador local do programa. 

“As pessoas em breve verão o que seu vizinho está fazendo e vão querer imitá-lo”, disse Yandar. 

Mas o atrativo da folha de coca está sempre próximo. Perto de La Carmelita, uma usina de cana-de-açúcar patrocinada pelo governo conta com apenas uma dúzia de funcionários, em comparação a mais de 30 um ano atrás. A maioria dos funcionários partiu para colher folha de coca e a usina não consegue encontrar ninguém para substituí-los, disseram trabalhadores. 

“Estamos cercados por plantações de coca”, disse Alirio Hernández, um líder da associação dos processadores locais. “Elas pagam o dobro.” 

Naranjo, o vice-presidente, permanece otimista. Como o governo não está mais concentrado na guerra com os rebeldes, ele disse, ele pode finalmente construir estradas e infraestrutura para criação dos mercados para as plantações legais, desferindo assim o golpe final nos narcotraficantes restantes. 

Mas ele reconheceu que o programa pode não funcionar para todos, como os moradores de pequenos vilarejos não conectados a estradas, ou invasores de parques nacionais, onde o plantio de coca explodiu nos últimos anos. 

“Essas famílias terão que ser relocadas”, disse o vice-presidente.

Campo Elías Chagua, um produtor de coca de 50 anos nos arredores de uma cidade chamada La Hormiga, espera que não tenha que se mudar. 

Em uma manhã recente, Chagua caminha em meio a uma densa floresta tropical cheia de trepadeiras e aves tropicais, que de repente se abriu para sua fazenda de coca. Ele e seu filho de 27 anos passaram o dia colhendo as folhas de coca enquanto outro produtor de coca, Arnulio Quiñones, olhava. 

“As Farc manteriam a ordem”, disse a esposa de Chagua, Mariana Narváez, lembrando dos velhos tempos. 

Mas eles se perguntam se o governo fará o mesmo. Ainda não há eletricidade aqui, não há fornecimento de água. E agora as autoridades estão pedindo para que abram mão da coca. 

“Podemos voltar à violência caso o governo não cumpra sua parte do acordo nisto”, disse Chagua. 

Naquele dia, ele visitou o laboratório de um vizinho, que estava processando a pasta de cocaína com a ajuda de um trabalhador contratado. O cheiro de gasolina e das folhas pairava no ar. 

“Ele não sobreviveria apenas com pimenta-do-reino”, disse Quiñones. 

(Susan Abad, em Bogotá, Colômbia, contribuiu com reportagem.)