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Bolsonaro não entendeu que sociedade 'não tolera' desmatar, diz ex-ministra

A ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira discursa durante a COP-21, em Paris  - Miguel Medina/AFP
A ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira discursa durante a COP-21, em Paris Imagem: Miguel Medina/AFP

Alex Tajra e Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

10/12/2018 04h00

A decisão do Itamaraty de retirar a candidatura do Brasil para sediar a COP-25, no próximo ano --sobre a qual o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), disse ter tido participação--, ainda recebe críticas de diversos setores, tanto no exterior quanto no país.

Em conversa com o UOL durante a conferência "Brasil-China: Propostas para o Futuro", realizada pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), em São Paulo, no último dia 30, a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira falou sobre os desafios contra o desmatamento da Amazônia e para a produção de alimentos de baixo carbono. Ela também alertou para os potenciais prejuízos brasileiros em não sediar a cúpula climática.

“Não existe esse fantasma do carbono, tem que contar isso para ele [Bolsonaro]”, diz a ex-ministra, aludindo à Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), conjunto de metas voluntárias firmadas pelos países para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. “As pessoas criaram um fantasma, soltaram um elefante na sala, e isso não tem sentido”, critica Teixeira.

Suas palavras ecoam análises de ambientalistas e ONGs. Na COP-24 (24ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática), que vai até a próxima sexta-feira (14) em Katowice, na Polônia, um grupo de mil organizações se declarou contra a decisão. "Bolsonaro cancelou a oferta para sediar a COP-25 no próximo ano porque leu no WhatsApp que o Acordo de Paris é uma ameaça à soberania do Brasil", diz o texto lido na última quarta-feira (5) no evento.

Em outra ironia durante a conferência, o Brasil foi "homenageado" com o prêmio Fóssil do Dia, entregue pela organização Climate Action Network para os países que eles consideram atrasar as negociações sobre mudanças climáticas.

"O local de nascimento da convenção climática da ONU [durante a Rio 92], uma vez celebrada por seus avanços espetaculares na redução do desmatamento e mitigação do aquecimento global, tornou-se motivo de chacota dos negociadores em Katowice", afirmaram os organizadores da premiação.

Izabella Teixeira ocupou o cargo entre 2010 e 2016, durante os governos Lula e Dilma Rousseff. No governo Bolsonaro, a pasta será ocupada pelo advogado e administrador Ricardo de Aquino Salles, ex-secretário estadual do Meio Ambiente do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo.

"Corredor Triplo A"

Entre os motivos para a retirada da candidatura do Brasil como sede, Bolsonaro citou a falta de recursos e o que chama de "Corredor Triplo A".

“Está em jogo o 'Triplo A' nesse acordo. O que é o 'Triplo A'? É uma grande faixa que pega dos Andes, Amazônia e Atlântico, 136 milhões de hectares, ali, então, ao longo da calha dos rios Solimões e Amazonas, e que poderá fazer com que percamos a nossa soberania nessa área", disse Bolsonaro.

Mencionado diversas vezes pelo militar, o corredor, como já publicado pelo UOL e por outros veículos, não tem qualquer relação com o Acordo de Paris ou com a conferência do clima das Nações Unidas. Na realidade, o "Triplo A" nada mais é que uma proposta que nunca saiu do papel.

A ideia até ganhou força nos últimos anos, mas não foi adiante. Pouco antes da COP-23, realizada na Alemanha em 2017, países da América Latina tentaram se organizar para oferecer propostas concretas para o que seria um grande corredor de preservação ambiental. O Corredor Andes-Amazônia-Atlântico, ou Triplo A, envolveria a proteção de 309 áreas (957.649 km²) e 1.199 terras indígenas (1.223.997 km²).

Para a ex-ministra, que participou da adesão do Brasil ao Acordo de Paris, não há nenhuma menção do chamado "Corredor Triplo A" na NDC e no acordo, porque o “Brasil tem um programa de áreas protegidas na Amazônia, o programa mais ambicioso do mundo em termos de proteção ambiental”. “Nós temos 60 milhões de hectares de área protegida. Não precisamos fazer corredor para lugar nenhum, é dentro do nosso território, feito com parceria os governos estaduais. Não é mito, é política pública”, diz.

Além disso, segundo Teixeira, o futuro governo não tem compreensão de que sediar a cúpula do clima transcende as questões ambientais. “Do ponto de vista da COP e sobre a importância do Brasil na discussão das mudanças climáticas, existem vários lugares, como o setor produtivo, o setor privado e a sociedade, que não toleram o desmatamento na Amazônia. Isso tem que ser traduzido em compreensão política, e imagino que o governo eleito não tenha essa compreensão.”

Ela diz que o protagonismo do Brasil nos debates sobre alterações climáticas está diretamente relacionado ao papel do país na economia mundial, o que sofreu uma transformação considerável nas últimas décadas. Se há 40 anos o país importava alimentos, hoje ocupa o posto de segundo maior exportador dessas commodities no mundo, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).

“A agricultura brasileira se fez campeã e tem que ser orgulho de todos nós. Mas politicamente o Brasil precisa produzir alimentos com base na agricultura de baixo carbono. E nós estamos criando essas tecnologias. Isso não vem do capital internacional, ao contrário, vem da nossa capacidade de inovação tecnológica, de produzir mais com menos impacto ambiental, atendendo esses novos requisitos de mercado, em que sustentabilidade e baixo carbono influenciam na hora da compra”, argumenta a ex-ministra.

Brasil informal

Regulamentar o Código Florestal e implementar as diretrizes do Acordo de Paris, segundo a ex-ministra, que atualmente integra o Núcleo de Mudança do Clima, Meio Ambiente e Uso da Terra do Cebri, podem impulsionar o país economicamente e trazer parte da agricultura que vive na informalidade para o que ela chama de "compliance legal". “O país está desperdiçando uma chance de sair na frente com algo que é produzir mais alimentos, incrementar produtividade, sem provocar desmatamentos.”

“O Brasil tem chances de pegar isso de forma inteligente e separar a agricultura séria da agricultura que desmata. Porque, pelo que eu ouço de todas as lideranças do setor, e isso é sinal de amadurecimento político. Os agricultores não querem o desmatamento ilegal, e sim [querem] cumprir o Código Florestal. Isso foi dito até pelas pessoas de extrema-direita que estão ao lado do presidente eleito, não precisa criar nenhum fantasma”, diz Teixeira.

Mas o que perdemos ao deixar de sediar a COP? “O país deixa de compartilhar sua visão estratégica nos próximos 10 ou 20 anos, em termos de potencializar isso que só o Brasil tem. A NDC não é só dinheiro, é visão de desenvolvimento. Quais negócios que emergirão disso, quais desafios tecnológicos, quais novos modelos de negócios, startups? Isso é a implementação da NDC.”

Duas Alemanhas desmatadas

As discussões em torno das mudanças climáticas e a hipotética saída do Brasil do Acordo de Paris surgem em meio a uma desconfiança por parte dos ambientalistas de que as políticas de Bolsonaro podem piorar o desmatamento na floresta amazônica. Pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais) temem que a alta demanda por commodities como soja e carne acabem causando uma maior destruição dos biomas brasileiros, como a floresta amazônica e o cerrado.

Como exemplo, o instituto registrou, em 30 anos, um total de 783 mil km² desmatados de floresta amazônica, o que equivale a uma área duas vezes maior que o território da Alemanha. Em 2018, a taxa foi a mais alta da última década: 7.900 km², dos quais cerca de 95% correspondem a cortes ilegais.