Topo

Combate dos EUA contra o Estado Islâmico está longe de ter acabado

11.mar.2019 - Ataque de forças apoiadas pelos Estados Unidos lançam ataque contra reduto do Estado Islâmico em Baghouz, na Síria - Delil Souleiman/AFP
11.mar.2019 - Ataque de forças apoiadas pelos Estados Unidos lançam ataque contra reduto do Estado Islâmico em Baghouz, na Síria Imagem: Delil Souleiman/AFP

Eric Schmitt, Thomas Gibbons-Neff, Helene Cooper e Alissa J. Rubin

Em Washington (EUA)

26/03/2019 00h01

A luta para expulsar o grupo Estado Islâmico de seu último pedaço de território na Síria pode ter acabado. Mas os Estados Unidos e seus parceiros ainda enfrentam batalhas significativas contra o grupo terrorista, seus afiliados e outras redes que são menos formalmente alinhadas a ele em outras partes, no Afeganistão, Oeste da África e Filipinas.

Mesmo antes de uma milícia curda e árabe apoiada pelos Estados Unidos expulsar os últimos combatentes extremistas da cidade de Baghuz, no leste da Síria, o Estado Islâmico já tinha mudado. A organização que antes demarcou um autoproclamado califado pelo Iraque e Síria agora se transformou em um grupo terrorista mais tradicional, uma rede clandestina e pulverizada de células engajadas em ataques de guerrilha, atentados a bomba e assassinatos direcionados.

Milhares de tropas americanas estão ajudando o Exército e as forças de segurança afegãs a combater o Estado Islâmico e outros grupos terroristas no Afeganistão. Drones americanos armados estão caçando as células do Estado Islâmico na Líbia. E as forças americanas estão aconselhando e fornecendo inteligência para as tropas locais que estão combatendo o Estado Islâmico em Burkina Fasso e nas Filipinas.

Milhares de combatentes do Estado Islâmico também continuam à solta no Iraque e na Síria, aguardando para se rearmarem e reagruparem visando atacar as mesmas regiões de novo. Muitos deles escaparam ou se renderam quando a onda final de civis fugiu de Baghuz, disseram analistas de inteligência e comandantes americanos.

"O que estamos vendo agora não é a rendição do EI como organização, mas sim uma decisão calculada de preservar a segurança de suas famílias e suas capacidades", disse neste mês o general Joseph L. Votel, chefe do Comando Central das Forças Armadas, aos legisladores a respeito do êxodo de Baghuz.

"A população do EI que está sendo evacuada dos últimos vestígios do califado permanece não arrependida, inalterada e radicalizada", ele disse.

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, durante uma viagem ao Oriente Médio, disse aos repórteres que a batalha contra os extremistas prosseguirá mesmo após a derrota territorial do Estado Islâmico.

"Nossa missão ali não mudou", ele disse no Líbano no sábado (23). "Ainda temos trabalho a fazer para assegurar que o terrorismo islâmico radical não continue crescendo."

O Estado Islâmico ainda pode fazer uso de um grande tesouro de guerra para financiar suas operações globais. Ele conta com entre US$ 50 milhões a US$ 300 milhões em dinheiro escondido no Iraque e Síria ou contrabandeado para os países vizinhos, segundo um relatório de fevereiro das Nações Unidas. Também acredita-se que o grupo terrorista tenha investido em negócios, incluindo uma fazenda de peixes, venda de carros e cultivo de maconha, segundo Colin P. Clarke, um membro sênior do Centro Soufan, uma organização de pesquisa.

O presidente americano, Donald Trump, e seus principais assessores prometeram continuar a luta contra o Estado Islâmico e suas ramificações, mas os comandantes americanos provavelmente contarão com bem menos tropas em solo para travar essa batalha. Em vez disso, as Forças Armadas e as agências de espionagem estão rastreando os combatentes do Estado Islâmico que escaparam e retornaram para o Norte da África, para a Europa e outras partes do Oriente Médio. Analistas disseram que cerca de 1.200 dos extremistas voltaram para a Europa.

Um programa militar americano confidencial na Jordânia, chamado Operação Brava Fênix, está selecionando dados coletados pelos comandos na Síria e Iraque e os encaminhando para as agências de manutenção da lei na Europa e no Sudeste da Ásia para ajudar a impedir futuros ataques. Ainda assim, os oficiais acreditam que a perda pelo Estado Islâmico de seu território físico não o impedirá de atacar de novo.

"A liderança do grupo e seus soldados veem isso como um revés, não como uma derrota", disse Nathan Sales, o coordenador de contraterrorismo do Departamento de Estado, em um discurso neste mês a respeito da derrota territorial do Estado Islâmico. "Eles estão trabalhando ativamente para prosseguir a luta a partir das divisões e redes mundiais do EI."

Aqui está um olhar sobre o que as Forças Armadas americanas estão fazendo para impedir um ressurgimento do Estado Islâmico.

Afeganistão

Estima-se que a ramificação do Estado Islâmico no Afeganistão, conhecida como Estado Islâmico em Khorasan, tenha mais de 2.500 combatentes espalhados entre as províncias de Nangarhar, Kunar, Nuristão e Laghman no leste do país, segundo um recente relatório das Nações Unidas.

Falando aos legisladores neste mês, Votel deu uma resposta com palavras escolhidas com cuidado quando perguntado se o grupo é uma organização terrorista internacional e não apenas um grupo regional. "Acho que o EI de Khorosan tem ideações focadas em operações externas voltadas contra nossa pátria", ele disse.

Mas um oficial americano disse que algumas unidades militares americanas deixaram de atacar o Estado Islâmico à medida que o grupo terrorista aumentava seus ataques contra o Taleban.

As autoridades americanas acreditam que alguns ataques ajudaram o pressionar o Taleban a negociar um acordo de paz com os Estados Unidos. Um acordo final poderia exigir a retirada de todas as 14 mil forças americanas no Afeganistão em até três anos, metade delas nos próximos meses.

Até a retirada final americana do Afeganistão, milhares de forças americanas deverão continuar seus ataques contra o Estado Islâmico e os vestígios da Al Qaeda que permanecem no país, incluindo ataques em parceria com os comandos afegãos.

África

As Forças Armadas americanas têm uma pegada relativamente menor por toda a África. O Pentágono fornece poder aéreo quando necessário, mas geralmente conta com parceiros europeus e africanos para realização da maioria das missões contra o Estado Islâmico, inclusive nas áreas entre o Oeste da África e a Somália.

Cerca de 6.000 tropas americanas e 1.000 civis ou prestadores de serviço do Departamento de Defesa trabalham em uma variedade de missões por toda a África, principalmente treinando e realizando exercícios com exércitos locais. Os Boinas Verdes americanos da 3º Grupo das Forças Especiais orientam as tropas locais em vários países do Oeste da África como Níger e Burkina Fasso, mas raramente se juntam a elas nas missões.

Com suas grandes áreas de território não governado e visibilidade limitada pelos Estados Unidos, a Líbia também continua a ser um paraíso para o Estado Islâmico. Ao longo dos últimos dois anos, os Estados Unidos lançaram 13 ataques com drone contra militantes do Estado Islâmico e da Al Qaeda na Líbia, segundo o Comando da África das Forças Armadas.

"Nossos esforços em ataques manterão o EI acuado", disse o general Thomas D. Waldhauser, o chefe do Comando da África, ao Congresso neste mês.

Filipinas

Cerca de 300 fuzileiros, tropas do Exército e outras forças das Operações Especiais foram enviados para as Filipinas como parte de uma missão conhecida como Operação Águia do Pacífico.

Apesar de forças americanas há anos ajudarem a treinar e orientar as tropas filipinas, eles participaram de uma ofensiva contra a afiliada do Estado Islâmico na cidade de Marawi, no sul do país, em 2017. Aeronaves de reconhecimento americanas também estiveram envolvidas naquela operação de cinco meses, que matou pelo menos 900 extremistas, incluindo Isnilon Hapilon, que era considerado o líder do Estado Islâmico no Sudeste Asiático.

Hapilon estava na lista de terroristas mais procurados do FBI (Birô Federal de Investigação, a polícia federal americana), com uma recompensa de US$ 5 milhões oferecida para sua captura.

Militantes que juraram lealdade ao Estado Islâmico de lá para cá se espalharam pelo sul das Filipinas, uma área que é monitorada por drones de vigilância americanos. Síria e Iraque

O Estado Islâmico não mais controla território na Síria ou Iraque, perdeu grande parte do comando e riqueza que antes possuía e sofreu dezenas de milhares de baixas em ambos os países.

Mas está longe de derrotado.

Autoridades de contraterrorismo e inteligência iraquianas estimam que cerca de 5.000 a 6.000 combatentes do Estado Islâmico estão espalhados entre a Síria e o Iraque. Mas esse número não leva em consideração as células dormentes e seus apoiadores, que acredita-se que estejam envolvidos em reconhecimento e ajudem o Estado Islâmico a realizar ataques.

Estimativas separadas, incluindo uma pelas Nações Unidas em fevereiro, colocam a força do grupo como sendo ainda maior. James F. Jeffrey, o enviado especial dos Estados Unidos para a Síria, disse neste mês que há entre 15 mil e 20 mil combatentes armados do Estado Islâmico no Iraque e Síria, "apesar de muitos estarem em células dormentes".

Os Estados Unidos agora contam com 5.200 tropas no Iraque, a maioria espalhada entre duas bases principais, incluindo Al Asad, na província de Anbar, no leste do país, que Trump visitou em dezembro. Na Síria, Trump ordenou a retirada de todas as tropas, fora uma força residual de 400. Drones armados e aviões de guerra continuarão fornecendo apoio aéreo.

Uma legislação pendente no Parlamento do Iraque poderia limitar as operações americanas no país, ao reduzir o número de tropas americanas ali, restringindo seus movimentos ou até mesmo exigindo uma retirada plena até uma certa data, ainda não especificada.

Jeffrey deixou claro que a libertação do califado declarado, uma área que há quase cinco anos tinha o tamanho do Reino Unido, não erradicou a potência do Estado Islâmico.

"Há grande preocupação", ele disse.