Voltar para casa depois de um mês e meio fora deixa a gente embaralhado, cabeça confusa com o fuso, mas com o sentimento gostoso de, ao chegar, sentir o cheiro familiar dos cômodos e das flores na varanda. Ver que está tudo funcionando é confortador; as toalhas e as roupas de cama limpinhas, cozinha em ordem, a pintura prometida do banheiro por causa de um vazamento do andar de cima, os livros e os cds organizados como havia pedido. Beleza! Mas foi só pôr o pé em casa, depois da maravilhosa e inesquecível temporada em Lisboa, abrir o computador e ligar a televisão para ter vontade de virar as costas, arrumar as trouxas e fazer a viagem de volta. Logo de cara dei com a terrível notícia do desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no violento Vale do Javari, região que concentra a maior quantidade de povos isolados do planeta e que sofre com invasores ligados a pesca e caça ilegal, garimpeiros e traficantes ali da fronteira com Peru e Colômbia. E me arrepiei com o descaso revoltante do Capitão Corona e a omissão e má vontade das autoridades governamentais em tomar providências para descobrir o que aconteceu. Um escárnio! Precisou a Justiça Federal determinar o envio de helicópteros, embarcações e equipes de busca. O cenário provavelmente de morte de Dom e Bruno traz à tona para o mundo o cruel assassinato de Dorothy Stang, missionária americana executada em 2005 no Pará. Enquanto procurava aflitivamente notícias dos desaparecidos, postando fotos, compartilhando textos de Eliane Brum, Jamil Chade e de tantos outros, até de Pelé e do incansável Richarlison, chegava a chocante e horripilante notícia: 33,1 milhões de brasileiros passam fome, sendo 14 milhões a mais em pouco mais de um ano. É de chorar de vergonha, de raiva, de frustração.Vivendo assim, acabrunhado, depois do retorno de Lisboa, fazendo as contas para outubro chegar logo, decidi ver futebol na tevê nesta quarta-feira. Não acompanhava nada quando estive fora. Não podia ter feito coisa melhor! Vi os 5 a 3 do iluminado Fluminense sobre o Galo. Que maravilha, que noitada gloriosa, não só para a torcida tricolor, mas para quem a ama o futebol. E dormi feliz, sonhei com os 6 a 0 do Botafogo no Flamengo em 1972, com três gols de Jairzinho; com os 7 a 1 do Corinthians no Santos, com três de Carlitos Tevez; com os grandes confrontos de muitos gols entre o Santos de Pelé e o Botafogo de Garrincha no Maracanã... Enfim, o futebol me deu a noite de sono que precisava. Obrigado, futebol! |