Ninguém mais deve se lembrar de quem ganhou o Oscar em 2022, mas o tapa que Will Smith deu na cara de Chris Rock entrou para a história das transmissões ao vivo de televisão e jamais será esquecido. Foi tão chocante que muita gente chegou a cogitar, num primeiro momento, que teria sido uma ação combinada entre os dois. Somente alguns minutos depois, ficou claro que a cena foi terrivelmente verdadeira. Como todo mundo deve saber, o ator deu um tapa na cara do comediante, durante a festa de premiação do cinema americano, por ter se ofendido com uma piada de péssimo gosto, que fazia alusão a um problema de saúde e à aparência física de sua mulher, a atriz Jada Pinkett Smith. Quatro meses depois, finalmente, veio a público um pedido de desculpas longo e doloroso de Smith a Rock. Alguns trechos do que o ator disse agora no final de julho: "Falo diretamente a você, Chris. Peço desculpas a você. Meu comportamento foi inaceitável e estou aqui se estiver pronto para conversar. Não existe nenhuma parte de mim que acha que aquele foi o melhor jeito para lidar com os sentimentos de desrespeito ou insulto". Além do tapa na cara, o que mais me chocou na época foi o debate nas redes sociais, no Brasil, sobre a "justiça" do gesto do ator. Muita gente justificou a agressão, sob o argumento de que a piada ofendeu profundamente Smith e Jada. Esta defesa da agressão física em resposta a uma piada é, realmente, assustadora — mais um passo atrás no exercício de conviver com a divergência. Escrevi na época que, se Smith não tivesse agredido Rock, o comediante possivelmente teria seria "cancelado" por causa da piada. Nunca mais seria chamado para participar do evento, perderia patrocinadores e seria condenado com veemência nas redes sociais. Foi exatamente o que ocorreu com Leo Lins. O comediante foi demitido do SBT no início de julho, após circular um vídeo com uma piada antiga, feita num show, sobre criança com hidrocefalia. Entendo a decisão do SBT como algo do jogo. Mas não concordo. Não foi uma piada feita durante a exibição de um programa numa emissora de TV aberta, mas num espetáculo de humor. Após a grande divulgação de sua piada horrível, Leo Lins disse que pretende "manter o grau de provocação mais alto de algumas piadas e encarar as consequências de fazer isso". Está certo. Numa entrevista ao UOL, Antonio Tabet, um dos fundadores do Porta dos Fundos, comentou a situação: "No caso da piada do Leo Lins, fazer piada é só mau gosto. Ele não está levando perigo. Faz desconforto para família, mas não é pela piada que alguém vai bater. É diferente da homofobia. Dos males do Brasil, a piada do Leo Lins está lá embaixo". E acrescentou: "O problema do Leo Lins não é falar da hidrocefalia. Ele pode fazer piada com hidrocefalia. A piada só precisa ser boa. Eu achei uma merda, mas ele tem o direito de contar. E o SBT tem o direito de mandar ele embora". A discussão é rica e pode ter muitos desdobramentos. Só não é possível achar que o autor de uma piada ruim, de mau gosto, mereça levar um tapa. Espero que o pedido de desculpas de Will Smith ajude a deixar isso claro. Como disse o ator: "Tenho um profundo remorso e estou tentando ter remorso sem ter vergonha de mim mesmo. Sou humano e cometi um erro e estou tentando não pensar em mim como um pedaço de merda. Eu sei que foi confuso e chocante, mas prometo que estou devotado e comprometido a colocar luz, amor e alegria no mundo". PUBLICIDADE | | |