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Militares não deveriam ter ficado com o poder político em 1964

José Sarney

Especial para o UOL

28/03/2014 06h00

Durante o governo João Goulart mantive-me na oposição, seguindo meu partido, a UDN, mas sem deixar de reconhecer a necessidade de profundas reformas políticas e sociais.

No dia 18 de março de 1964, preocupado com o clima de instabilidade que vivia o país, fiz um discurso marcante na Câmara dos Deputados, lembrando o manifesto chamado “da Bossa Nova”: “(...) já vinha de um grupo nosso que na legislatura anterior achava que o problema que o Brasil enfrentava no momento não era somente da liberdade política, mas a inteira interdependência da liberdade política com a liberdade econômica e a liberdade social (…)”.

Eu defendia reformas sociais, políticas e administrativas. Citando a reforma agrária, que parecia um tabu, afirmava: “Devemos discuti-la, votá-la, urgentemente. Será a sobrevivência desta Casa e do próprio regime. Em caso contrário, poderemos ficar à mercê da vontade, do temperamento, da exploração ou das palavras não só do presidente da República, mas de qualquer grupo de políticos que desejem fechá-la, fechando o caminho das soluções democráticas para o Brasil”.

Reforma agrária

Defendi que deveríamos discuti-la, votá-la, urgentemente, para a sobrevivência da Câmara e do próprio regime

E concluía: “Minha palavra não tem o sentido de dividir, mas de unir; não representa uma controvérsia, mas uma unidade, unidade que desejo conseguir para que tenhamos força a fim de retirar do debate eminentemente político a solução de nossos problemas e dar ao Brasil, à Câmara e às nossas instituições a solidez que todos desejamos que elas tenham, para praticarmos no Brasil uma democracia que seja duradoura, justa e humana”.

Infelizmente, minhas palavras foram superadas pela radicalização das forças políticas. Vivia-se um momento em que se especulava sobre uma ruptura institucional originada do próprio governo ou do grupo reunido em torno de Leonel Brizola.

Apesar disso, não participando de nenhuma conspiração, para mim e para a maioria do Congresso, creio, foram uma surpresa os acontecimentos de 31 de março e 1º de abril.

Meu sentimento em relação ao processo que se iniciou foi de que sua solução devia seguir a volta aos trilhos do processo constitucional.

Nesse sentido, ainda nos primeiros dias de abril me manifestei contra a posição do presidente da UDN, Herbert Levy, que sugeria a cassação de mandatos dos parlamentares de esquerda, dizendo que “a democracia se mostra com vitalidade bastante para reagir contra os que a ameaçam, usando para isso, simplesmente, os instrumentos jurídicos de que dispõe. Todos os recursos legais podem ser empregados, mas não concordo em que se caia no arbítrio e na violência a pretexto de defender o regime das liberdades. Aqui não se cassa mandato de ninguém fora dos termos previstos na Constituição. A nossa Carta Magna deve ser respeitada a qualquer preço”.

Aconteceu o pior, que foi a agregação do poder político pelos militares.

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