Desigualdade e pobreza não explicam alta violência no Nordeste
Desde a década de 1980, os homicídios no Nordeste crescem de forma linear e contínua, apesar da melhoria, que se acentuou desde o início da década passada, dos níveis de desigualdade de renda e de pobreza. Paradoxalmente e paralelamente à melhora de tais indicadores, a violência homicida mais do que dobrou. Ora, a região conhecida pelos seus desníveis sociais era menos violenta quando mais pobre e desigual.
O que houve nos nove Estados do Nordeste brasileiro para que os indicadores de assassinatos saltassem de um pouco mais de 9 mil homicídios, em 2000, para mais de 21 mil, em 2013?
Atualmente, a literatura da criminologia moderna mescla as teorias sociais do crime com as explicações baseadas nas teorias da “Escolha Racional” –em que o ato criminoso é entendido como uma questão de oportunidade e tende a crescer em locais de parca fiscalização coercitiva– e da “Janelas Quebradas” –que acredita que pequenas incivilidades e comportamentos desviantes se transformam em crimes maiores quando há a ausência de mecanismos efetivos do Estado para a sua contenção ou inibição.
Sendo assim, acaba levantando-se várias possibilidades de testes causais, elevando os estudos sobre o fenômeno da violência e do crime para um patamar mais sofisticado do ponto de vista do teste das variáveis. Dessa forma, saiu de cena os estudos marxistas-ensaísticos sobre as causas da violência e ocupou o espaço a ciência baseada em testes de hipóteses.
Muito se fala e se discute a respeito dos nexos causais da violência no Nordeste, mas pouco se fez do ponto de vista do teste empírico. O panorama dos homicídios nessa região mostra que as taxas de assassinatos, na maioria dos Estados, mais do que triplicaram. No caso do Maranhão, que tinha taxas de homicídios inferiores ao tolerável (10 a cada 100 mil habitantes), houve um salto de 6,21 a cada 100 mil, em 2000, para 31,3 a cada 100 mil, em 2013 –um incremento percentual superior à média regional.
Recentemente, no Maranhão, houve vários ataques a ônibus e outros crimes que foram executados a mando de presidiários de dentro do complexo prisional de Pedrinhas. Porém, naquele Estado os indicadores socioeconômicos clássicos apresentaram, nos últimos 20 anos, uma melhora, segundo dados do IBGE. Isso nos indica que a fragilidade do seu aparato de segurança pública é um ponto nevrálgico para entender o crescimento da violência.
Como tentar, então, responder à indagação das linhas acima? Só há uma forma: através dos testes empíricos. Retomando a questão do paradoxo nordestino e de seus nexos causais, testei alguns indicadores sociais, econômicos e institucionais.
Os nexos causais que foram correlacionados com as taxas de homicídios dos nove Estados são: os indicadores de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano); as taxas de desemprego; a renda per capita; as taxas de detenções feitas; as taxas de efetivo policial; os gastos e investimentos em segurança pública e; o Estatuto do Desarmamento (ED).
O fator que apresentou maior correlação com os homicídios foi gastos e investimentos com segurança pública, seguido por efetivo policial, desemprego, detenções e ED. Dos indicadores socioeconômicos clássicos, o IDH apresentou falta de correlação, ou seja, não interfere nas taxas de assassinatos. Já a renda per capita demonstrou uma correlação em um nível muito baixo.
Esses dados foram trabalhados conforme os cálculos de suas taxas e das variações percentuais entre 2000 e 2013. Alguns dados, como o do ED, foram calculados tendo como base a variação percentual entre 2012 e 2013.
Contudo, apesar das correlações demonstrarem que as instituições são mais importantes que os investimentos sociais dispendidos pelos governos para o controle social da criminalidade violenta, apenas Pernambuco apresentou uma redução em suas taxas de homicídios. Isso tem uma explicação: o programa executado pelo governo, entre 2007 e 2013, foi eficaz do ponto de vista do controle dos homicídios. Pernambuco, nesse período, diminuiu 35% as suas taxas de homicídios.
No caso pernambucano, o esforço feito pelo Estado na condução de melhores inquéritos policiais, na elucidação de casos de homicídios com autoria, nas prisões de “serial killers” e nos investimentos em recursos humanos fizeram a diferença. O que não foi acompanhado com o mesmo ímpeto pelos outros Estados do Nordeste, a exemplo do Maranhão.
No entanto, depois da mudança de governo, em 2014, Pernambuco voltou a apresentar crescimento em seus números de assassinatos. Entre 2013 e 2015, o crescimento foi de 25%. Nos testes estatísticos efetuados, as variáveis institucionais foram mais efetivas para o controle da criminalidade violenta, salvo o nível de desemprego, que também se mostrou relevante.
Segurança pública é uma área setorial do Estado e que precisa de uma gestão moderna baseada em estudos empíricos robustos –com bases teóricas vigorosas– para que o Estado aja de forma eficaz e eficiente no controle da criminalidade e da violência. No Nordeste brasileiro, o que ainda impera é uma forma clientelista e patrimonial de conduzir as políticas públicas de segurança. O discurso político prevalece sobre a técnica, e a estratégia de controle fica bastante limitada devido à fragilidade de suas instituições coercitivas.
Este artigo teve como base alguns resultados da pesquisa “O Panorama dos Homicídios no Nordeste Brasileiro” financiada pelo CNPq. Posso disponibilizá-la por e-mail aos interessados. nobrega.jr.ufpe@gmail.com
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